São histórias com potencial para estimular reflexão sobre a forma como tratamos milhões e até bilhões de criaturas não humanas
Neste final de 2019, selecionamos histórias de animais que lutaram por suas vidas ao longo do ano para não serem mortos e reduzidos a alimentos ou a qualquer meio para um fim que envolva condicionamento, privação, sofrimento e/ou morte. Alguns tiveram apoio humano, outros nem tanto.
O desejo de cada um em não sofrer em decorrência da má intervenção humana, aliado à busca pela liberdade, traz à tona uma clara manifestação da vontade de viver e de não ser submetido a interesses que envolvem privá-los de suas próprias vidas.
Sem dúvida, são histórias com potencial para estimular reflexão sobre a forma como tratamos milhões e até bilhões de criaturas não humanas tão subjugadas às arbitrárias e substituíveis vontades humanas.
A vaca de Valley Center
Em março, uma vaca fugiu quando estava sendo transportada para um matadouro em Valley Center, no Kansas (EUA). Durante a fuga, a polícia foi acionada e o animal correu para o norte da cidade, em direção aos trilhos de trem.
Enquanto tentavam capturá-la, um dos policiais atirou contra a vaca, alegando mais tarde que o animal tentou atacá-lo. Ainda que houvesse confirmação, tal tentativa é uma reação baseada em um instinto de autopreservação.
Após o disparo, a vaca ainda percorreu mais de um quilômetro na luta pela sobrevivência e pela liberdade. Mas acabou capturada na região oeste de Valley Center, e de lá foi enviada para o matadouro da Richards Cold Storage, mesmo depois de se esforçar tanto para não morrer.
O Bode Josh
Em abril, a Polícia de Nova York resgatou um bode pigmeu que vagueava pelas ruas do Queens. Encantados com o animal, os policiais deram a ele o nome de Josh e revezaram para pegá-lo nos braços e agradá-lo. Depois de ser alimentado no Centro de cuidados Animais, Josh foi enviado para viver no santuário de animais Skylands, em Nova Jersey.
O local é administrado pelo caminhoneiro Mike Stura, que há cinco anos decidiu transformar uma fazenda em um abrigo para animais resgatados dos matadouros, fazendas, feiras, sacrifícios religiosos e dos mais diversos tipos de situações de abusos ou abandono.
Histórias de fugas de animais têm se tornado cada vez mais comuns em Nova York, e inclusive de animais escapando dos matadouros. Segundo o Centro de Cuidados Animais, é difícil explicar o que está acontecendo, mas parece que os animais estão se antecipando ao triste destino planejado para eles.
A bezerra de Bloomfield
Em julho, uma bezerra escapou de um matadouro em Bloomfield, no estado de Connecticut (EUA), quando foi perseguida por funcionários da empresa Saba Halal Life Poultry.
No vídeo disponibilizado pela emissora WFSB 3 que mostra o jovem animal lutando pela vida enquanto percorre um estacionamento, três funcionários o capturaram para cortar sua garganta. Um deles antes tentou matar a bezerra com arco e flecha.
Um policial reprovou a cena e a classificou como “um problema, algo que não poderia ser feito”, alegando que havia crianças por perto.
Em reação ao vídeo, a organização Pessoas Pelo Tratamento Ético dos Animais (PETA) instalou um painel perto de onde a bezerra foi morta para incentivar as pessoas a refletirem sobre a realidade dos animais criados para consumo.
“A tentativa desesperada pela liberdade é um lembrete de que os animais são indivíduos que valorizam suas próprias vidas e não merecem morrer violentamente pelo efêmero prazer da carne”, comentou a vice-presidente executiva da PETA, Tracy Reiman.
O novilho de Buenos Aires
Em agosto, um novilho escapou de um matadouro em Tierras Altas, na província de Buenos Aires, na Argentina, e atravessou ruas e atingiu pessoas que estavam em seu caminho.
Uma mulher chamada Claudia Tarrida, que saiu para buscar carne para preparar um churrasco, foi derrubada pelo animal e ficou inconsciente, embora tenha se recuperado rapidamente.
Um vídeo que mostra o momento da fuga do animal foi publicado pelo Crónica Virales no Twitter. “Ainda estou com muito medo. Não consigo dormir porque continuo vendo a face do animal”, disse a mulher.
No vídeo é possível perceber que o novilho, que, sem dúvida, não queria morrer, estava bastante agitado, provavelmente em decorrência da situação vivenciada no matadouro pouco antes da fuga, quando o nível de estresse dos animais pode aumentar bastante. Mais tarde, o animal foi capturado.
Os 90 cães de Gyeonggi-do
Em setembro, 90 cães escaparam de um triste fim em um matadouro na Coreia do Sul. Os animais foram resgatados de uma fazenda na província de Gyeonggi-do, que está abandonando o mercado de carne de cachorro.
Segundo a organização Humane Society International (HSI), esta foi a 15ª fazenda de criação de cães com fins de consumo que eles ajudaram a fechar na Coreia do Sul. “A maioria dos animais estava levando uma vida miserável em gaiolas de arame, enquanto outros eram mantidos acorrentados”, informou.
O proprietário da fazenda, Kwon Tae-young, disse que investir em carne de cachorro hoje é mau investimento no país, porque a demanda é cada vez menor. Ele está recebendo ajuda da HSI para fazer uma transição para outra atividade, e assumindo um compromisso firmado em contrato de 20 anos sem se envolver com a atividade, além de demolir todas as gaiolas onde os animais eram mantidos confinados.
“Em vez de vendê-los para os comerciantes, pensei que seria muito melhor se pudessem viver sua vidas e não serem reduzidos à carne ou utilizados em luta de cães”, enfatizou. Uma das colaboradoras da HSI na Coreia do Sul, Nara Kim, declarou que mais coreanos do que nunca estão se posicionando contra a indústria de carne de cachorro. Os 90 cães resgatados foram enviados para abrigos nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido.
O iaque de Buckingham
Também em setembro, depois de algumas semanas em liberdade, Meteor, um iaque que escapou do matadouro, morreu atropelado no Condado de Nelson, na Virgínia (EUA). O animal ficou gravemente ferido após o acidente e acabou não resistindo.
Segundo informações da rede NBC, quem o atropelou apenas o abandonou agonizando e seguiu viagem. O motorista também não avisou nenhuma autoridade sobre o acontecido.
Meteor tinha nascido no Condado de Buckingham, também na Virgínia, e conquistou popularidade nacional pela sua história de fuga e vontade de viver ao saltar de um veículo a caminho do matadouro. No entanto, ainda assim sua vida foi interrompida de forma precoce, já que o seu corpo foi encontrado na Rota 29.
Infelizmente a polícia do Condado de Nelson disse que não sabe quem foi o responsável pelo atropelamento seguido de morte. Em homenagem a Meteor, a sede administrativa do condado hasteou uma bandeira a meio mastro.
O que é um iaque?
De acordo com a Enciclopédia Britannica, iaque é um bovino grande e peludo com ombros protuberantes e que pode chegar a 2,2 metros de comprimento. Ele vive em terras altas, principalmente no Tibete. É da mesma família do boi, do búfalo e do bisão. Embora ainda exista em estado selvagem, o iaque passou a ser domesticado há muito tempo no contexto da agropecuária.
O boi Jerry
Em outubro, um boi que recebeu o nome de Jerry escapou duas vezes do matadouro na Croácia. Foi o suficiente para que muitas pessoas se unissem e se manifestassem pela preservação da vida do animal que seria morto em Split, na costa dálmata do país.
Pesando cerca de 650 quilos, o bovino marrom começou a receber apoio nas mídias sociais enquanto policiais e veterinários tentavam capturá-lo. Já o nome, surgiu só à época da captura, e como referência ao ratinho do desenho “Tom e Jerry”.
A comoção impediu que Jerry fosse enviado mais uma vez ao matadouro, e o compromisso de não matá-lo foi assumido por Ivan Bozic, proprietário do animal que se responsabilizou em preservar sua vida e garantiu que ele viverá em paz.
O proprietário do matadouro onde aconteceu a fuga disse que até hoje não entendeu como o animal conseguiu fugir. “Simplesmente não sei como aconteceu. Aparentemente, a força pura derrotou a tecnologia”, comentou Petar Skejo.
Por dias, Jerry se manteve distante das pessoas e foi visto em uma floresta e nas imediações de uma colina, provando que mesmo animais normalmente reduzidos a alimentos e produtos lutam por suas vidas e podem ser capazes de reconhecer quando a morte está próxima.
Em dezembro, um boi que escapou do matadouro em Macau, na região autônoma da China continental, estava vagando pelo distrito de Ilha Verde quando foi encontrado por um grupo de pessoas.
Quando veterinários a serviço da Secretaria de Assuntos Municipais de Macau chegaram ao local, o boi estava visivelmente assustado e incomodado, provavelmente porque temia pelo próprio destino.
Segundo o Macau News e o Macau Post Daily, quase 30 pessoas participaram da ação de captura do animal – episódio que movimentou também policiais, bombeiros e funcionários do matadouro de onde fugiu.
Depois de avaliar a situação, os veterinários usaram tranquilizantes para levá-lo até outro local. O secretário de Assuntos Municipais de Macau, José Maria da Fonseca Tavares, disse que eles entraram em contato com a Nam Kwong Group Co., que era a proprietária do animal.
A empresa concordou com a adoção do boi pela Secretaria de Assuntos Municipais. Embora ninguém saiba como o bovino conseguiu escapar do matadouro, Tavares destacou que o animal deve ganhar um nome e viver até os seus últimos dias em paz, além de ser um exemplo para mostrar à população a origem da carne.
O motivo é que a maioria dos residentes locais nunca viu um bovino vivo, já que quase toda a carne que chega a Macau é importada, já que a região autônoma, embora tenha matadouro, não tem a tradição da criação de gado para consumo.
Em outubro, um touro Angus estava retornando para a fazenda Hedgeapple, no condado de Frederick, em Maryland, quando decidiu correr em busca da liberdade. Utilizado como “reprodutor”, o animal iniciou a fuga quando o veículo que o transportava parou em um semáforo e ele saltou para fora.
Mesmo depois de horas de perseguição, a polícia não conseguiu capturá-lo, e o animal só não foi morto a tiros porque o “seu valor como touro reprodutor é considerado inestimável” – o que significa que o seu “direito de não morrer” está diretamente atrelado à sua função como meio de geração de renda.
A polícia então recorreu ao Zoológico de Maryland, em Baltimore, e o animal acabou sendo alvejado com dardos tranquilizantes em um campo nas imediações da Universidade Estadual de Coppin.
Ele resistiu, e somente após o terceiro dardo sua busca pela liberdade foi interrompida. Ainda assim, demorou para adormecer. Só este ano três animais atravessaram a West Baltimore em busca da liberdade, segundo o jornal Baltimore Sun.
Outros bovinos foram mortos a tiros na região quando escaparam a caminho do matadouro ou quando eram transportados de uma fazenda até outra propriedade.