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QUESTÕES RELIGIOSAS

Hienas e pessoas vivem em harmonia em cidade na Etiópia 

Os animais, vistos como ameaça na maior parte do continente africano, são muito queridos na cidade de Harar

5 de abril de 2024
Júlia Zanluchi
3 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

Em muitas partes da Etiópia, e outras regiões da África subsaariana, as hienas são temidas e até odiadas. A mídia e o folclore local apresentam elas como animais assustadores que representam coisas ruins. Em Harar, cidade cercada por muros no leste da Etiópia, no entanto, sua presença não é apenas aceita, mas incentivada.

Em toda a África, hienas e pessoas frequentemente entram em conflito e animais da espécie muitas vezes são envenenados e mortos em ataques. As hienas-malhadas, em particular, têm uma reputação tão ruim que reabilitar sua imagem foi citado como uma prioridade de proteção de espécies pela IUCN.

Enquanto as hienas marrons e listradas são classificadas como “quase ameaçadas”, as hienas-malhadas não são, mas seu número está em declínio. À medida que o conflito entre humanos e vida selvagem aumenta e os habitats diminuem, a questão de como as comunidades podem viver em coexistência com grandes predadores se torna cada vez mais urgente.

Em Harar, as hienas atuam como o sistema de eliminação de lixo da cidade, entrando à noite por uma série de “portas de hiena” construídas nas paredes e comendo as entranhas despejadas nas ruas. Abbas Yusuf é um aliado humano de longa data, um dos “homens das hienas” da cidade. Ele aprendeu seu ofício com seu pai, Yusuf, que começou a jogar restos para os animais enquanto alimentava seus cães décadas atrás.

 

A conexão de Abbas com a matilha é profunda. Ele tem nomes para todos eles, e enquanto a maioria é muito arisca para se alimentar diretamente de sua mão, seus favoritos vêm regularmente até sua casa. “Eu os alimento todas as noites, quer haja turistas ou não”, disse ele em entrevista ao The Guardian.

Uma de suas favoritas era uma fêmea idosa chamada Chaltu. Alguns meses atrás, ela entrou em um prédio de escritórios na cidade e foi espancada pelo guarda. Quando ouviu a notícia, Abbas tomou posse de uma ambulância e a trouxe para sua fazenda, onde tentou cuidar dela. Infelizmente, seus esforços foram em vão. “Ela era tão especial para mim. Eu senti como se tivesse perdido um membro da família”, declarou Abbas.

Assim como grande parte da população muçulmana de Harar, Abbas e seu pai acreditam que as hienas podem proteger as pessoas dos espíritos. “As hienas os comem”, explicou Yusuf. “Sem as hienas, haveria muitos espíritos fazendo truques.”

No folclore harari, as hienas também atuam como intermediárias que podem se comunicar com os santos mortos da cidade e transmitir mensagens dos moradores. Isso é refletido na palavra local para hiena: waraba, ou “homem das notícias”.

A origem dessas crenças foi perdida. Ahmed, o estudioso, especula que a ideia de que as hienas podem comer e cuspir espíritos pode derivar de seu hábito de vomitar pedaços indigestos de ossos, cascos e cabelos.

O relacionamento nem sempre foi pacífico. Séculos atrás, houve uma fome na região e hienas famintas atacaram os enfermos e doentes, segundo a lenda. Depois de deliberar em uma montanha próxima, os santos de Harar fizeram um pacto: os moradores dariam mingau às hienas, que acabariam com os ataques.

Essa história perdura durante a celebração islâmica anual de Ashura, quando pessoas piedosas ainda preparam mingau para as hienas em vários santuários fora da cidade.

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