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ECONOMIA

Grandes investidores estão partindo para o mercado vegano

29 de maio de 2021
Jack Ewing e Lauren Hirsch (The New York Times) | Traduzido por Luna Mayra Fraga Cury Freitas
9 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Pixabay

A empresa Oatly, fabricante de produtos alternativos aos lácteos, pode valer US$ 10 bilhões quando for listada no mercado de ações esta semana. A venda de ações é um termômetro das mudanças nas preferências dos consumidores.

Os fundos de investimento têm um lugar na mesa, assim como Oprah e Jay-Z. Gigantes da indústria alimentícia como a Nestlé estão lutando para colocar um pé para dentro deste mercado. Há implicações para o clima. Há até ruídos geopolíticos.

O alvo surpreendente dessa excitação é a Oatly, produtora de um substituto de leite feito de aveia que pode ser colocado em cereal ou espumado para pôr no cappuccino. A Oatly, uma empresa sueca, venderá ações ao público pela primeira vez esta semana em uma oferta pública inicial de ações que pode valorizá-la em US$ 10 bilhões e exemplificar as mudanças nas preferências dos consumidores que estão remodelando a indústria de alimentos.

Já não é suficiente para a comida apenas ter gosto bom e ser saudável. Mais pessoas querem ter certeza de que seu ketchup, biscoitos ou macarrão com queijo não estão ajudando a derreter as calotas polares. A produção de alimentos é um dos principais contribuintes para as mudanças climáticas, especialmente quando os animais estão envolvidos. (Vacas arrotam metano, um potente gás de efeito estufa.) Os substitutos do leite feitos de soja, caju, amêndoas, avelãs, cânhamo, arroz e aveia proliferaram em resposta à crescente demanda.

“Temos uma visão ousada de um sistema alimentar que é melhor para as pessoas e para o planeta”, declarou a empresa Oatly em seu prospecto para a oferta inicial de ações. As ações da empresa devem começar a ser negociadas na bolsa de valores de Nova York em 20 de maio.

Para justificar sua avaliação significativa de valor de mercado, a Oatly tem que convencer os investidores de que ela pode dominar um mercado onde já há muita concorrência e onde grandes conglomerados da indústria de alimentos estão começando a investir seus recursos vultuosos. A Nestlé, maior produtora mundial de alimentos embalados, revelou este mês sua própria alternativa ao leite, feita de ervilhas.

A Oatly cultiva uma imagem de novidade com arte de embalagem e um logotipo — Oatly! — que parece desenhado à mão. Ele anuncia que é “como leite, mas feito para humanos.” Mas a empresa tem mais de 25 anos e é apoiada por investidores relevantes.

O acionista majoritário é uma parceria entre uma entidade de propriedade do governo chinês e a Verlinvest, empresa belga que investe parte da riqueza das famílias que controlam o império cervejeiro Anheuser-Busch InBev. A Blackstone, a gigante do ramo de investimentos em ações, possui pouco menos de 8% do capital da Oatly.

O interesse dos investidores de peso pela empresa é a confirmação de que a comida vegana se tornou popular, mas também pode tornar mais difícil para a Oatly manter sua imagem anti-establishment. A empresa enfrentou a reação negativa de alguns fãs depois que a Blackstone levou um investimento de US$ 200 milhões para a Oatly no ano passado. Stephen A. Schwarzman, chefe executivo da Blackstone, era um firme apoiador do ex-presidente Donald Trump, que afirmava e reiterava que a mudança climática é uma farsa.

Oatly disse esperar que o investimento da Blackstone inspire outros fundos de investimento a “direcionar seu valor coletivo de US$ 4 trilhões para investimentos verdes”. O apoio da Blackstone também ajudou a dar credibilidade à Oatly em Wall Street. E não há sinal de que o envolvimento da Blackstone tenha desacelerado as vendas da Oatly, que dobraram no ano passado.

A imagem de Oatly foi beneficiada, também, por uma lista de investidores famosos, incluindo Oprah Winfrey, Natalie Portman, a empresa Roc Nation de Jay-Z, e Howard Schultz, ex-executivo-chefe da Starbucks. Todos têm alguma conexão com movimentos “à base de plantas” ou de vida saudável.

Oatly se recusou a comentar, citando que há regulamentos que restringem declarações públicas antes de uma oferta pública inicial de ações.

O leite de aveia faz parte de uma tendência crescente no sentido de alimentos que imitam produtos de origem animal. As chamadas empresas de tecnologia de alimentos como a Beyond Meat levantaram pouco mais de US$ 18 bilhões em financiamento de capital de risco, de acordo com a empresa de pesquisas PitchBook, que acompanha o setor. Os laticínios à base de plantas, que nos Estados Unidos incluem marcas como Ripple (feita de ervilhas) e Mooala (bananas), arrecadaram US$ 640 milhões no ano passado, mais que o dobro do valor arrecadado um ano antes.

Nos Estados Unidos, os substitutos do leite de aveia e leite de arroz compõem uma indústria de US$ 2,5 bilhões que deve crescer para US$ 3,6 bilhões até 2025, de acordo com a empresa de pesquisa de mercado Euromonitor. Globalmente, a indústria que atualmente conta com de US$ 9,5 bilhões deve crescer para US$ 11 bilhões.

Apesar de um dia ter sido um produto para um nicho muito específico de mercado, o leite alternativo tornou-se tão difundido entre os americanos quanto o beisebol. Uma versão congelada de Oatly que imita sorvete casquinha está sendo vendida nesta temporada em estádios de baseball como o Yankee Stadium, Wrigley Field em Chicago e Globe Life Field em Arlington, Texas, onde os Rangers jogam.

Embora as vendas da Oatly tenham subido no ano passado para US$ 420 milhões partindo de US$ 204 milhões em 2019, a empresa reportou uma perda de US$ 60 milhões ao investir em novas fábricas, marketing e novos produtos. A Oatly também vende sua bebida de “leite” nas versões chocolate e outros sabores, além de produzir substitutos para iogurte, sorvete, cream cheese e até creme fraîche, todos livres de laticínios.

Oatly foi fundada em 1994 por Rickard Oste, um professor de química e nutrição alimentar na Suécia, e seu irmão Bjorn Oste. Trabalhando em Malmo, Suécia, eles desenvolveram uma maneira de processar pasta de aveia e água com enzimas para produzir doçura natural e um sabor e consistência semelhantes ao leite.

O crescimento da empresa entrou em alta depois que a Verlinvest comprou uma participação majoritária em 2016 por meio de uma joint venture com a China Resources, um conglomerado estatal com vastas participações nos ramos de cimento, geração de energia, mineração de carvão, cerveja, varejo e muitas outras indústrias. O novo financiamento ajudou a Oatly a expandir-se na Europa e começar a exportar para os Estados Unidos e a China, onde muitas pessoas não podem tolerar leite de vaca. O envolvimento da China Resources, sem dúvida, ajudou a abrir portas no mercado chinês. A Ásia, principalmente a China, foi responsável por 18% das vendas no primeiro trimestre de 2021, e está crescendo a uma taxa de 450% ao ano, de acordo com a Oatly.

Na Europa, há uma preocupação crescente acerca do investimento chinês em indústrias estratégicas como automóveis, baterias e robótica. A Comissão Europeia começou a erguer barreiras regulatórias às empresas com ligações financeiras com o governo chinês. Mas até agora ninguém expressou medo de que a China dominasse o fornecimento mundial de leite de aveia.

Por precaução, a brochura de prospecção da Oatly lhe dá a opção de listagem na bolsa de Hong Kong se o fato de ter ações de propriedade estrangeira se tornar um problema nos Estados Unidos.

O potencial do mercado de alternativas lácteas não se está só nas mãos dos grandes produtores de alimentos. Oatly reconheceu em seus documentos de oferta de ações que enfrenta uma concorrência feroz, incluindo de “corporações multinacionais com recursos e operações substancialmente maiores do que nós”.

Isso incluiria a fabricante britânica de bens de consumo Unilever, que disse no ano passado que pretende gerar uma receita de um bilhão de euros, ou US$ 1,2 bilhão, até 2027, a partir de substitutos à base de plantas para carnes e laticínios, por exemplo, maionese vegana Hellmann’s ou sorvete sem leite da Ben & Jerry. A Unilever não anunciou planos para um substituto do leite.

Alguns analistas do setor argumentam que o tamanho da Oatly lhe dá uma vantagem sobre esses gigantes, permitindo que ela seja mais inovadora do que uma corporação colossal. As start-ups de alimentos são “mais jovens e mais rápidas”, disse Patrick Müller-Sarmiento, chefe da área de bens de consumo e varejo da Roland Berger, uma consultoria alemã.

Os gigantes da indústria alimentícia já estabelecidos também têm mais dificuldade do que os recém-chegados para convencer os consumidores de que eles são sinceros em seus esforços de salvar o planeta, o que é bem relevante para o público consumidor de leite de aveia.

Müller-Sarmiento, ex-executivo-chefe da Real, uma rede alemã de grandes lojas do varejo, disse que as alternativas a carne e laticínios não estão tendo problemas para competir com a Big Food (os grandes conglomerados da indústria alimentícia) por um precioso espaço de prateleira dos mercados. “Os varejistas estão procurando urgentemente por novos produtos”, disse ele.

Era o tempo em que a Nestlé ou a Unilever teriam simplesmente adquirido a Oatly, assim como eles devoraram centenas de outras marcas. Mas eles teriam problemas para justificar o audacioso preço de US$ 10 bilhões que a Oatly estabeleceu como referência para sua oferta de ações.

A resposta da Nestlé foi desenvolver seu próprio substituto do leite, chamado Wunda, que a empresa revelou este mês e planeja vender inicialmente na França, Portugal e Holanda. Feito de uma variedade de ervilhas amarelas, Wunda tem maior teor proteico do que o leite de aveia. Alguns nutricionistas disseram que o leite de aveia e outras alternativas aos laticínios são substitutas ruim para o leite de vaca porque eles não têm nem de perto tanta proteína quanto o original.

Stefan Palzer, diretor de tecnologia da Nestlé, discordou daqueles que dizem que uma grande empresa não pode evoluir tão rápido quanto um bando de entusiastas de comida suecos. Uma jovem equipe da Nestlé desenvolveu a Wunda em nove meses, incluindo três meses de testes de mercado na Grã-Bretanha, disse Palzer em uma entrevista.

A Nestlé foi capaz de adaptar as instalações de produção existentes para fazer Wunda, em vez de construir novas fábricas como a Oatly deve fazer. A empresa já tinha cientistas que pesquisam plantas e poderiam identificar o melhor tipo de ervilha, além de especialistas em segurança alimentar que conhecem muito bem processo de aprovação regulatória, disse Palzer.

Os desenvolvedores da Wunda “poderiam ter qualquer especialista que quisessem em seu projeto”, disse Palzer. “Isso permitiu que eles desenvolvessem o produto tão rapidamente.”

A Nestlé já possui versões sem laticínios de bebidas Nesquik e sorvete Häagen-Dazs e vende cafés cremosos feitos a partir de uma mistura de leite de aveia e amêndoas usando a marca Starbucks. A empresa está em um grande esforço para desenvolver substitutos para quase qualquer tipo de produto animal. A próxima fronteira: peixes. A Nestlé começou a vender um substituto de atum chamado Vuna e agora está tentando substituir as vieiras.

“É uma grande oportunidade para combinar saúde com sustentabilidade”, disse Palzer sobre alternativas à base de plantas ao leite e à carne. “Também é uma grande oportunidade de crescimento.”

 

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