O governo federal construiu mais de 350 quilômetros de muro ao longo da fronteira sul do Arizona durante o primeiro mandato de Trump. Essas barreiras de nove metros consistem em vigas de aço colocadas a dez centímetros de distância, o que interrompe a maior parte do movimento da vida selvagem.
Atualmente as barreiras fronteiriças na área de San Rafael —cercas baixas de arame farpado e barreiras para veículos na altura do peito— permitem que os animais atravessem, segundo Myles Traphagen, pesquisador e coordenador do grupo de conservação Wildlands Network.
Duas organizações de conservação sem fins lucrativos, o Centro para Diversidade Biológica e a Conservation Catalyst, entraram com uma ação judicial em 8 de julho no Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito do Arizona, contestando a decisão de Noem de contornar as leis ambientais.
A capacidade de dispensar leis federais para construir infraestrutura de fronteira é concedida pela Lei Real ID de 2005, o que ajudou o primeiro governo Trump a cercar grande parte da fronteira sul do Arizona. Processos que tentaram interromper tal atividade em grande parte falharam.
O Departamento de Segurança Interna disse em um comunicado à imprensa que esta nova construção ajudaria a “impedir e negar travessias ilegais de fronteira”, sem fornecer evidências de tal atividade no vale San Rafael. O departamento se recusou a oferecer comentários adicionais para a reportagem do The New York Times.
David Hathaway, o xerife do condado de Santa Cruz, que se estende até o vale, disse que travessias ilegais são praticamente inéditas na área, que não tem estradas grandes ao longo de quilômetros em todas as direções e possui torres de vigilância capazes de detectar migrantes.
A Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA também se recusou a responder perguntas da reportagem, dizendo que tais informações “são objeto de litígio em andamento”. Antes da ação judicial ser apresentada, no início de julho, a agência disse a outras publicações que o trabalho estava planejado para começar “dentro de 60 dias”.
As montanhas na região, conhecida como Sky Island, têm biomas únicos que mudam conforme a elevação, separados por extensões de vales e planícies. Essa variação contribui para torná-la uma das áreas mais biodiversas dos Estados Unidos, com grande variedade especialmente de aves, plantas, mamíferos, répteis e insetos.
O vale San Rafael e as montanhas vizinhas têm sido há muito tempo um lugar onde os animais se movimentam livremente, além de uma fonte de gramíneas para tecelagem de cestos e plantas comestíveis, disse Austin Nunez, presidente do Distrito de San Xavier da Nação Tohono O’odham.
Ele afirmou que se opõe fortemente a um muro lá, em parte porque onças-pintadas e ursos são reverenciados em sua cultura. “É simplesmente uma má ideia colocar um muro lá”, disse.
Os conservacionistas também expressaram preocupação sobre os efeitos do muro nas onças-pintadas. Para que os felinos tenham chance de repovoar o sudeste do Arizona, este corredor precisa permanecer aberto à vida selvagem, disse Russ McSpadden, do Centro para Diversidade Biológica.
As onças-pintadas estavam se reproduzindo até o norte do Grand Canyon até os anos 1900, mas agora a população reprodutora conhecida mais próxima está no estado de Sonora, no México.
Recentemente, onças-pintadas machos têm se movido cada vez mais para o norte para recuperar território antigo, incluindo um indivíduo fotografado repetidamente de 2023 a 2024 nas montanhas Huachuca, no Arizona, que ainda pode vagar pela área.
Fonte: Folha de S.Paulo