Por Fátima Chuecco (da Redação)
A natureza tem façanhas inexplicáveis. Uma delas fez nascer um de seus maiores tesouros num dos lugares mais inóspitos do planeta, assolado pela pobreza e por uma guerra que já dura 15 anos. É na República Democrática do Congo, que tem o penúltimo pior IDH – Índice de Desenvolvimento Humano do mundo (só perde para Serra Leoa), que vivem os gorilas-das-montanhas – fascinantes criaturas com o triplo da força de um ser humano, mas com pouca ou nenhuma capacidade para se defender de seus parentes mais próximos.
Os gorilas compartilham conosco 98,4% de seu DNA, são vegetarianos (comem plantas, cascas e alguns insetos como cupins e formigas) e se comunicam por meio de pelo menos 30 sons com diferentes significados. Eles se dividem em Gorilas das Montanhas (com as espécies Mountain Gorilla e Eastern Lowland Gorilla) e Gorilas das Planícies (Cross River Gorilla e Western Lowland Gorilla – essa última é a única que ainda se mantém fora da Lista Vermelha da ONU de espécies criticamente ameaçadas de extinção).
O aspecto mais curioso é que apesar do tamanho e força, os gorilas estão completamente vulneráveis às ações do homem – seu único inimigo natural. No caso dos gorilas-das-montanhas, por exemplo, isso se deve ao fato de que o confronto corporal é a última alternativa de defesa. Primeiramente, o líder do grupo, conhecido como silverback ou dorso-prateado, responde ao ataque urrando e socando o próprio peito. Faz isso para afugentar o invasor. Mas essa estratégia, de certa maneira ingênua, é totalmente inútil contra caçadores armados até os dentes.
Restam apenas 720 gorilas-das-montanhas no planeta. Isso quer dizer que tem menos gorilas do que gente num único edifício comercial de uma grande metrópole como São Paulo. Um número praticamente insuficiente para a preservação da espécie levando-se em consideração que, assim como nós, os gorilas não se reproduzem com membros da mesma família e as fêmeas só dão à luz a apenas um bebê a cada quatro anos.
A gravidez dura nove meses e, durante esse período, o macho dominante faz para a gestante camas suspensas nas árvores, a cinco ou seis metros do chão. O vínculo familiar é muito forte. As gorilas se ajudam na criação dos bebês. Os machos também são carinhosos e freqüentemente são flagrados na floresta com bebês dormindo em seus peitos ou costas.
A maturidade sexual chega por volta dos 8 ou 9 anos de idade, mas os gorilas nessa fase ainda são adolescentes e jovens demais para serem pais. Surgem brincadeiras sexuais, mas raramente ocorre uma gravidez nesse período. Os gorilas machos só se tornam adultos com 18 anos e as fêmeas aos 15. Praticamente igual aos humanos. Nessa ocasião, os jovens gorilas migram para outros grupos em busca de parceiros. Resumindo: um gorila precisa sobreviver às inúmeras ameaças que o cercam por pelo menos 15 anos, antes de se reproduzir. Tempo demais numa região onde cada sombra representa um perigo.
Milagre da natureza: População cresceu 12,5% em um ano
Intensos conflitos entre rebeldes e exército congolês, fizeram com que os guardas florestais perdessem o contato com os gorilas durante 16 meses. O período de guerra resultou num contingente de quase 300 mil refugiados, entre eles, muitas famílias de guardas florestais. Além disso, o Parque de Virunga foi invadido por milícias e tornou-se impossível acompanhar e proteger os gorilas. Quando, no início de 2009, os guardas florestais puderam retomar seu trabalho graças a uma trégua negociada pela ONU, havia uma grande expectativa porque, acostumados aos humanos, muitos gorilas poderiam ter sido mortos.
No entanto, o último censo realizado este ano encheu de esperança os preservacionistas e provou que a natureza, além de façanhas, também têm suas proezas. Há dez novos bebês entre as seis famílias de gorilas localizadas no Parque (que foi decretado Patrimônio da Humanidade pela Unesco). No maior dos grupos, na Kabirizi Family, que tem 33 membros, foram vistos cinco bebês saudáveis.
O resultado do censo indica um crescimento de 12,5% na população do Parque que é monitorado pelo ICCN – Institut Congolais pour la Conservation de La Nature e mantém um site onde diariamente pode-se acompanhar os trabalhos de campo: www.gorilla.cd .
A sofrida vitória se deve aos preservacionistas e, especialmente, aos guardas florestais que muitas vezes trabalharam em meio a uma guerra para o qual não estavam equipados nem preparados. Nos últimos 10 anos houve uma baixa de 150 guardas florestais.
Os gorilas só existem num ponto do planeta, nas Montanhas de Virunga, exatamente na divisa entre República Democrática do Congo, Uganda e Ruanda. Cerca de 380 estão nas Montanhas entre os três países e, estima-se, que mais 340 numa região da floresta montanhosa de Uganda de difícil acesso aos humanos.
Na República Democrática do Congo estão 211 gorilas, incluindo a Rugendo Family da qual restaram apenas 9 membros depois do massacre de 2007 que chocou o mundo, quando 7 gorilas foram assassinados com tiros na cabeça. Além das famílias já conhecidas dos guardas florestais, foram avistados gorilas vindos, provavelmente, de outras regiões e três silverbacks solitários.
Mudança de comportamento: grupos com dois chefes de família
As novidades não param de surgir na República Democrática do Congo. Além do nascimento de 10 bebês, duas famílias de gorilas foram flagradas atravessando juntas as florestas do Parque Nacional de Virunga, na República Democrática do Congo. Isso nunca foi registrado antes. Geralmente, quando duas famílias se cruzam há conflito entre os dois líderes (também conhecidos como silverbacks ou dorsos prateados) ou os dois grupos simplesmente seguem cada um para um lado.
É bastante difícil duas famílias de gorilas se cruzarem na floresta porque a “etiqueta” da selva manda que os grupos se desenvolvam em áreas distantes para que todos tenham condições de alimento e sobrevivência. Mas nesse caso, as famílias Humba e Kabirizi, foram filmadas interagindo. O encontro das duas famílias pode ser resultado do pouco espaço habitável que sobrou aos Gorilas das Montanhas no Parque de Virunga (boa parte tomada por agricultores e outra invadida por rebeldes armados). Por trás do raro comportamento de interagirem pode estar a intenção de reforçar a defesa dos dois grupos.
Humba e Kabirizi, numa situação mais normal, se enfrentariam e o vencedor ficaria com as fêmeas mais jovens, ampliando seu grupo. Conflitos desse gênero podem acarretar grandes prejuízos para a espécie, pois, muitas vezes bebês são separados de suas mães e não sobrevivem. Mas os dois silverbacks do Congo, já conhecidos dos guardas florestais, investiram numa espécie de “entendimento”.
Isso pode ter um valor científico incalculável. Pode significar toda uma mudança de comportamento que tem sido mantido há milênios de anos. É como se os gorilas soubessem da necessidade de unirem forças para a sobrevivência de suas famílias. Um grupo mais numeroso também pode oferecer uma resistência maior aos inimigos, como caçadores. Se durante um ataque de caçadores um dos líderes sobreviver, ele poderá sozinho continuar conduzindo os membros que sobrarem das duas famílias. Fêmeas e seus bebês são muito frágeis e necessitam da proteção de um silverback.
Cada um é dono do seu nariz
Os gorilas são reconhecidos por seus narizes. Não há nenhum gorila com nariz igual ao de outro. Por esse motivo, os guardas florestais possuem uma lista com os desenhos dos narizes e respectivos nomes dos gorilas. É dessa forma que sabem identificar as famílias e seus membros: pelo formato do nariz.
Vale lembrar que é errado chamar um gorila de macaco. O gorila faz parte do grupo dos grandes primatas que não possuem rabo. A esse grupo também pertencem o chimpanzé, o orangotango, o bonobo e o homem. Macacos ou “monkeys” são os primatas com rabo e “apes” são os primatas considerados mais evoluídos, com sistemas sociais mais complexos, uso de ferramentas rudimentares e facilidade de aprendizado. A famosa Koko, gorila hoje com 33 anos de idade, aprendeu a se comunicar pela linguagem dos sinais, criou novas palavras para expressar o que deseja ou sente e manipula computador.
Participe da Campanha
YoG 2009 – Ano Internacional do Gorila
Promotora – Unesco, por meio do Programa para o Meio Ambiente da UNEP (United Nations Environment Programme)
Site oficial: www.yog2009.org
Site em português: www.gorillashelp.com
População de gorilas no mundo:
Cross River Gorilla – 300 indivíduos (Camarões e Nigéria)
Mountain Gorilla – 720 (República Democrática do Congo (RDC), Ruanda e Uganda)
Eastern Lowland Gorilla – 5 mil (RDC)
Western Lowland Gorilla -150 mil (RDC, Gabão e Guiné-Bissau)
* Publicada na Mãe Terra