Um novo estudo analisou um comportamento intrigante dos gorilas selvagens no Gabão: o consumo de plantas que possuem propriedades antibacterianas eficazes contra a Escherichia coli resistente a antibióticos. A pesquisa, publicada na PLOS One, revelou que as plantas consumidas pelos gorilas são as mesmas usadas por curandeiros tradicionais para tratar doenças em humanos, o que levanta a possibilidade de novas descobertas na medicina.
Junto com o bacteriologista Leresche Even Doneilly Oyaba Yinda, os pesquisadores observaram gorilas ocidentais de planície no Parque Nacional de Moukalaba-Doudou, onde documentaram as plantas consumidas pelos primatas.
Enquanto isso, entrevistaram curandeiros e herbalistas na aldeia de Doussala, próxima ao parque, para entender as práticas da medicina tradicional local. A convergência entre as duas fontes foi notável: quatro das plantas consumidas pelos gorilas são também usadas em remédios tradicionais pelos habitantes da região.
As espécies identificadas foram a árvore de fromager, a amoreira-amarela-gigante, o teca-africano e a figueira. Essas plantas são usadas em infusões, pomadas e extrações para tratar uma variedade de problemas de saúde, incluindo tosse, úlceras estomacais, diarreia e fadiga. Curiosamente, os gorilas não têm essas plantas como parte principal de sua dieta, que é predominantemente composta por frutas.
No entanto, a casca dessas árvores serve como alimento de reserva, especialmente quando as frutas estão escassas, o que levanta a hipótese de que o consumo da casca tenha uma função medicinal para os primatas.
Dessa maneira, a equipe de pesquisadores criou extratos de casca de cada árvore e testou sua eficácia contra cepas de E. coli resistentes a antibióticos, previamente isoladas dos gorilas. Em testes de laboratório, as cascas de todas as quatro árvores mostraram alguma capacidade de inibir o crescimento bacteriano, com a casca da árvore de fromager obtendo os melhores resultados ao inibir todas as dez variações testadas.
De acordo com Yinda, esses resultados são promissores para o desenvolvimento de novos tratamentos contra infecções bacterianas em humanos. Os extratos continham compostos conhecidos por suas propriedades anti-inflamatórias, anestésicas e antivirais, como fenóis, alcaloides, flavonoides e proantocianidinas.
“Essas plantas, que fazem parte da dieta dos gorilas, podem ser promissoras no tratamento de infecções bacterianas em humanos”, afirmou Yinda à Live Science. Contudo, os pesquisadores ainda precisam identificar os compostos específicos responsáveis pelos efeitos antibacterianos observados.
Uma das questões centrais que motivou o estudo foi a descoberta anterior de cepas de E. coli resistentes a medicamentos entre os gorilas do parque. Essas bactérias podem causar doenças graves em humanos, como infecções no sangue e pneumonia, apesar disso, os gorilas muitas vezes carregam esses microrganismos sem apresentar sintomas.
A resistência dos primatas às bactérias levou os pesquisadores a investigar o papel das plantas na proteção contra doenças. A hipótese de que os gorilas escolhem conscientemente plantas com propriedades medicinais é reforçada por observações semelhantes em outros primatas, como chimpanzés, que consomem folhas com propriedades antiparasitárias, e orangotangos, que aplicam folhas em ferimentos.
Embora os resultados iniciais sejam promissores, os cientistas enfatizam que ainda há muito a ser investigado antes que as plantas possam ser usadas em medicamentos para humanos. Yinda explicou à Live Science que, até o momento, não foram realizados estudos de toxicologia e citotoxicidade para verificar a segurança dessas plantas para o uso humano. No entanto, ele destacou que o fato de as plantas serem usadas há séculos na medicina tradicional e consumidas pelos gorilas sugere que são relativamente seguras.
Ainda assim, os cientistas esperam que futuras pesquisas possam explorar mais os efeitos dessas plantas nos gorilas e avaliar suas aplicações em seres humanos. Como disse Yinda: “As plantas que os gorilas consomem podem nos ensinar muito sobre como a natureza pode oferecer soluções para problemas de saúde modernos”.
Fonte: Um Só Planeta