Eles são dois dos últimos golfinhos restantes do mundo que ainda são usados em performances com animais selvagens – uma indústria extremamente popular na Indonésia. A prática é uma das piores formas de crueldade e exploração de animais. Os anos de aprisionamento, a privação de alimentos e os ruídos altos durante as apresentações prejudicam a saúde física e mental dos animais e gera estresse, agressão e morte precoce.
Sempre que a equipe viaja, os golfinhos são colocados em macas e mantidos em um tanque por um período entre 10 e 20 horas. A maioria deles é transportada para outras cidades na parte traseira de um caminhão, onde outros animais, como ursos solares e lontras, são trancados em jaulas apertadas.
“A equipe coloca manteiga ou creme de vaselina na pele do golfinho para mantê-lo úmido porque é um transporte seco”, explica Femke Den Haas, fundadora do Jakarta Animal Aid Network (JAAN), que trabalha com animais selvagens há mais de 20 anos.
Desde 2009, sua organização permanece na vanguarda de uma campanha contra shows com animais, reunindo dados sobre o abuso de golfinhos para entretenimento. Ela condena os shows de golfinhos itinerantes e quer que os animais sejam reabilitados e retornem à natureza.
“Os golfinhos são animais altamente inteligentes, sociais e acústicos. Eles usam seu sonar para nadar no oceano. Porém, quando ficam presos em uma pequena piscina, seu som constantemente volta para eles e ficam loucos. É como se estivéssemos em uma sala repleta de espelhos e tudo o que você enxerga é você mesmo o tempo inteiro. O que está ocorrendo com os golfinhos na Indonésia é extremamente cruel”, destaca.
No entanto, para o governo, não é. Os shows de golfinhos itinerantes são considerados uma ferramenta de proteção eficaz que educa pessoas sobre animais ameaçados por meio do entretenimento. Enquanto suas necessidades de saúde forem atendidas, eles podem continuar.
Uma tenda de circo é montada em um campo de futebol em Bekasi. Ela é propriedade da PT Wersut Seguni Indonesia (WSI), uma empresa privada que administra a maioria dos shows de golfinhos itinerantes do país.
Dentro dela, Brama e Kumbara são mantidos em uma piscina de plástico. O recinto é extremamente apertado em comparação com o seu lar no Mar de Java.
Os ativistas pelos direitos animais explicam que o argumento educacional não é nada mais do que um pretexto para manter o negócio em funcionamento.
“Os golfinhos são arrancados de seu habitat, onde podem nadar 100 km por dia, a uma velocidade de 40 km/h. E aqui estão, dentro de uma pequena piscina, tendo que dar uma volta em círculos e trabalhar para receber pedaços de peixe que nem se parecem com a alimentação natural. Tudo o que esses golfinhos estão fazendo é contrário ao seu comportamento natural. Não há nada educacional. É um show, puro entretenimento para lucros”, diz Den Haas.
Em Bekasi, o show apresenta uma cacatua, depois duas lontras e um urso-do-sol bebê. Eles realizam truques não naturais e sem sentido. As lontras são forçadas a jogar basquete. Uma delas equilibra-se em um barril antes que o urso faça agachamentos e outras atividades, mostra a reportagem do Channel News Asia.
Quando o show acaba, Brama e Kumbara dão um salto. A dupla segue todos os comandos rapidamente e com perfeição. Meses de adestramento ensinaram os golfinhos a saltar por aros, a se abraçar, a acenar, a cantar, a dançar e até a jogar futebol com as barbatanas do rabo.
Para muitas pessoas, isso mostra a inteligência dos animais, mas os especialistas em golfinhos explicam que se trata de fome e desespero. “Tudo o que um golfinho faz em cativeiro é por alimento. Se você for para um show de golfinhos e souber o que procurar, verá privação de alimento”, esclarece Richard O’Barry.
Ele capturou e treinou golfinhos para a popular série de TV “Flipper”. “Se você olhar acima da linha dos olhos de um golfinho – não o sorriso no rosto – perceberá que ele não está olhando para o treinador, mas para as mãos do treinador e o bolso de peixe. Eles só querem ser alimentados, então são forçados a fazer todos esses truques ridículos”, acrescenta.
O’Barry passou cerca de 10 anos de sua vida capturando e treinando golfinhos. No entanto, desde 1970, ele combate essa indústria cruel. Seu Dolphin Project luta para libertar golfinhos confinados em todo o mundo, após a morte de um dos golfinhos de “Flipper”: Kathy.
Ele viu shows de golfinhos na Indonésia diversas vezes. Enquanto o público ria e aplaudia, pensando que os animais estavam se divertindo, o ex-treinador de golfinhos percebia o contrário. “Eu conseguia decifrar sua linguagem corporal e podia ver o sofrimento por trás dos sorrisos dos golfinhos. O sorriso deles é a maior mentira da natureza, cria uma ilusão de ótica que eles sempre estão felizes quando na realidade estão sofrendo”, ressalta.
Exploração disfarçada
A Indonésia é considerada o único país do mundo que ainda explora golfinhos em shows itinerantes. Dos quatro grupos, três são administrados pela WSI e um pela Pembangunan Jaya Ancol (PJA).
As empresas são agências de proteção licenciadas que também possuem grandes parques de diversões, onde os golfinhos aprisionados são treinados para realizar truques e nadar com o público. Eles incluem o Sea Pantai Cahaya da WSI em Kendal, o Java Central e o Taman Impian Jaya Ancol da PJA ou o Ancon Dreamland em North Jakarta.
De acordo com o Ministério Florestal e do Meio Ambiente, 92 golfinhos são mantidos em cativeiro em atrações turísticas, hotéis e resorts em todo o país. Pelo menos 70 deles foram capturados na natureza por pescadores, revelam dados oficiais. Acredita-se que o restante tenha sido criado em cativeiro por sete agências de proteção, que também exploram golfinhos para o turismo.
A legislação da Indonésia estabelece que é ilegal “pegar, ferir, matar, manter, possuir, cuidar, transportar e comercializar um animal protegido vivo”. Além disso, é ilegal transferir qualquer animal protegido de um local para outro dentro ou fora do país.
Porém, existe uma exceção. Isso pode ser realizado legalmente se o objetivo for para “pesquisa, ciência ou proteção de animais protegidos”. A lei também exige que a preservação seja realizada sob a forma de cuidados humanos ou reprodução em cativeiro por instituições designadas. Este é o grande problema.
Comércio de golfinhos
Não se sabe como os 70 golfinhos capturados acabaram em atrações turísticas. Há alegações de que alguns dos pescadores que capturaram os golfinhos fizeram isso em busca de lucro.
“Em 2009, o Pantai Cahaya anunciou que queria comprar golfinhos vivos”, disse um pescador de Batang, sobre o centro de conservação da WSI em Kendal: The Sea Pantai Cahaya.
Na época, ele era um membros da tripulação de um barco de pesca que capturou pelo menos quatro golfinhos para a instalação. “O capitão nos disse para não jogá-los porque tinham um preço. As pessoas de Pantai Cahaya os comprariam vivos. Então nós os cobrimos com roupas molhadas”, afirmou.
De acordo com o pescador, os animais permaneceram no navio por 10 horas antes da parada em Kendal, onde funcionários da WSI os aguardavam com um caminhão. Em seguida, os golfinhos foram colocados nos veículos.
“Todos os pescadores que pegaram golfinhos em 2009 venderam para o Pantai Cahaya. Eles custam cerca de US$ 400. Um grande poderia valer mais de US$ 500. Mas eles não comprariam se não fosse um golfinho nariz-de-garrafa”, acrescentou.
Turismo
A falsa proteção de golfinhos alimenta essa crueldade na Indonésia. Durante seus programas de reabilitação e reprodução, muitos deles precisam realizar truques, nadar com turistas ou passar meses em um circo.
Para shows itinerantes como o de Bekasi, os visitantes pagam US$ 3 por uma entrada padrão ou US$ 4,5 para a área VIP perto da piscina. Muitos deles também pagam a quantia extra de US$ 3 por uma fotografia opcional com os golfinhos.
Isso significa que um grupo de circo pode lucrar mais de US$ 4 mil em um mês, com quatro a seis shows diários, caso venda 10 ingressos por rodada. Normalmente, os shows de fim de semana são vistos por multidões muito maiores.
Os preços aumentam em grandes atrações como a Ancol Dreamland, na qual um ingresso para assistir aos shows com animais custa US$ 12 por pessoa.
À medida que o turismo com golfinhos prospera, a exploração dos animais como entretenimento se dissemina para hotéis e resorts. Os visitantes do Wake Bali Dolphins pagam US$ 110 por um mergulho de 45 minutos com os mamíferos em uma piscina clorada e US$ 89 para vê-los realizando truques.
Eles também podem fazer “terapia com golfinhos “- um tratamento que o resort argumenta ajudar as crianças com síndrome de Down, autismo e transtorno mental a desenvolver autoconfiança e habilidades sociais e acadêmicas. Os quatro golfinhos forçados a participar da prática formam fornecidos pelo centro de conservação da WSI em Java. Eles são mantidos em uma piscina de apenas 10m x 20m à beira mar.
Em Bekasi, Brama e Kumbara quase terminam a primeira apresentação do dia. Ambos deslizam do seu pequeno recinto para a plataforma. Eles mantêm as cabeças e as barbatanas da cauda altas enquanto as pessoas passam para posar para fotografias.
Há mais cinco shows programados, mais pessoas para agradar e mais alimentos usados como uma maneira de forçá-los a trabalhar. Mas, como sempre, ambos exibem o conhecido sorriso dos golfinhos que esconde o grande sofrimento que são obrigados a suportar.