O crescimento de passeios de barco ao redor do arquipélago de Fernando de Noronha, puxado pelo aumento de turistas na região, tem perturbado os golfinhos-rotadores que vivem ali, fazendo com que os animais mudem seus comportamentos e fiquem mais vulneráveis a predadores.
As conclusões são do Projeto Golfinho Rotador, que desde 1990 atua na preservação da espécie na região.
Esses golfinhos são conhecidos pelo giro que conseguem dar no próprio eixo ao saltarem sobre a água. Eles podem ter até 2,4 metros de comprimento e chegam a pesar quase 80 quilos.
Pela manhã, os animais podem ser encontrados nessas áreas de descanso e, durante a tarde e a noite, saem em busca de alimento em outros locais. Mas a movimentação crescente no arquipélago mudou os hábitos dos animais.
“Antes, eles permaneciam na baía dos Golfinhos por períodos mais longos. Até 2002, eles ficavam em média oito horas por dia. Em 2004, esse tempo já havia diminuído para quatro horas, e, hoje, eles ficam, em média, cerca de duas horas e meia”, diz Silva Júnior.
As mudanças refletem, em parte, o aumento das embarcações ali. O oceanógrafo conta que, até 2003, cerca de cinco barcos passavam pela baía por dia. Em 2017, subiu para 16, e hoje já são mais de 20 barcos.
Pesquisadores do projeto observaram ainda que os golfinhos machos que acompanham os barcos ficam em posição de guarda, alertas contra ameaças. Quanto mais energia eles gastam nesse comportamento e menos tempo de descanso têm, mais desprotegidos ficam diante dos predadores.
Silva Júnior diz que ainda não foi registrada redução na população dos golfinhos.
Dados do projeto mostram que, em 298 dias de monitoramento durante os anos de 2021 e 2022, em cerca de 88% das interações observadas as embarcações passaram dentro do grupo de golfinhos.
A portaria 117 do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), de 26 de dezembro de 1996, proíbe que embarcações entrem intencionalmente no meio de grupos de cetáceos, como são os golfinhos e as baleias.
A pena para a infração varia de dois a cinco anos de reclusão, estabelecida pela lei 7.643 de 18 de dezembro de 1987, que instituiu a proibição da pesca e do molestamento intencional de toda espécie de cetáceo nas águas brasileiras.
Práticas como mergulho próximo dos animais, tentativa de alteração de percurso e produção de ruído excessivo também são proibidas pela portaria do Ibama e sujeitas à pena da lei de 1987.
Silva Júnior diz que o aumento do turismo em Noronha não é o único fator que está alterando os costumes dos golfinhos dali: há também as mudanças climáticas, que têm modificado a distribuição de alimento nos oceanos, e o aumento da população de tubarões-tigre, que são predadores.
Mas o número e o comportamento dos turistas é algo que pode ser mais facilmente controlado pelo bem-estar e proteção dos animais.
Na última década, o total anual de visitantes no arquipélago saltou de pouco mais de 85 mil, em 2015, para o número recorde de 131.503 em 2024. Os dados são do NGI (Núcleo de Gestão Integrada) do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) de Noronha.
O limite de visitantes, definido pelo ICMBio com o STF (Supremo Tribunal Federal) e o Governo de Pernambuco, é de 132 mil visitantes ao ano.
Fernando de Noronha é um distrito estadual, administrado por Pernambuco. O arquipélago fica a 545 km do Recife. Já a proteção do patrimônio ambiental do arquipélago é responsabilidade do ICMBio, órgão federal ligado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
De acordo com o instituto, há rondas e operações de fiscalização por amostragem das embarcações que promovem os passeios.
Hoje quem presta o serviço de passeio de barco no arquipélago não precisa de cadastro, mas o ICMBio diz que novas regras para a operação turística na região estão em processo de definição, e o cadastro e as autorizações devem ser implementados ainda neste ano.
No momento, está em discussão a revisão do Plano de Manejo da APA (Área de Proteção Ambiental) de Fernando de Noronha, que também deve incluir regulação do turismo náutico.
“Existe uma grande pressão pelo aumento das embarcações e das atividades turísticas na ilha. No entanto, é fundamental que esses números não cresçam indefinidamente, especialmente em um território pequeno como Noronha. O ICMBio, em conjunto com a administração da ilha, está trabalhando para estabilizar esses números e regulamentar melhor as atividades”, diz o instituto, em nota.
Fonte: Folha de SP