As três girafas que morreram no dia 14 de dezembro de 2021, depois de serem importadas da África do Sul pelo BioParque Rio, não resistiram a um quadro de miopatia após sofrerem edemas e enfisemas pulmonares. Os laudos de necropsia foram divulgados pelo O Globo nesta terça-feira (1).
De acordo com a reportagem, em duas das três girafas, foram encontrados hematomas no peitoral e, em uma delas, também havia um coágulo na base do pescoço. O documento está com data de 20 de janeiro, mas só foi entregue ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea) no último dia 25.
Ao todo, o parque importou 18 girafas.
O que é a miopatia?
A miopatia é uma condição que ocorre após o animal sofrer um estresse tão grande que seu próprio organismo degenera alguns músculos, levando-o à morte. Os laudos cadavéricos foram produzidos pelos veterinários do BioParque e do Portobello Safári, resort em Mangaratiba em que as girafas estão de quarentena desde que chegaram ao Brasil, em 11 de novembro. Os laudos histopatológicos, feitos a partir de amostras obtidas na necropsia realizada pelos profissionais das duas instituições, são assinados pelo patologista veterinário Luis Gustavo Picorelli de Oliveira.
Nenhuma das três girafas teve o sistema nervoso avaliado na necrópsia. O laudo não apresenta fotos dos corpos dos animais e também não diz de que forma eles foram capturados: se foram usados dardos tranquilizantes ou se os animais precisaram ser laçados, por exemplo.
O registro de ocorrência feito pela Polícia Federal no último dia 25, após inspeção no galpão onde estão os animais, ao qual o GLOBO também teve acesso, indica que as girafas foram recapturadas “por meio de contenção física por cordas adequadas”, segundo o próprio diretor de operações do BioParque, Manoel Browne. A informação não consta no laudo cadavérico.
Os laudos histopatológicos apontam que as lesões pulmonares encontradas costuma ocorrer com animais de grande porte após permanecerem longos períodos na posição de decúbito lateral (deitados de lado), resultando em “congestão e atelectasia hipostática”.
Segundo o médico veterinário de animais silvestres Mário Henrique Alves, a miopatia de captura é muito comum em escape de herbívoros. Contudo, o fato dos laudos não estarem acompanhados de fotos dos órgãos e dos principais grupos musculares dos animais não é comum.
“O decúbito lateral, os coágulos e as lesões no pulmão são compatíveis com miopatia de captura. Mas um laudo sem fotos é um laudo de baixíssima qualidade, porque você precisa confiar no redator dele. É questão de bom senso: tanto o laudo macroscópico quanto o microscópico necessitam ter muitas fotos do local, do momento da necrópsia e das lesões. Não é comum a apresentação de um laudo sem imagens”, explicou o veterinário em entrevista ao O Globo.
O especialista também destaca que o método de captura física, com cordas, “é no mínimo curioso, porque quem já trabalhou com girafas ou com qualquer outro megavertebrado sabe que isso é uma coisa muito difícil de ser feita”.
“Além da questão relacionada ao uso de cordas, não há profissionais habilitados para fazer captura química de girafas no Brasil. Até porque também o país não tem algumas das drogas que são muito importantes para essa contenção, como a etorfina. A falta de detalhes de como foi realizada essa captura associada à falta de fotos, e a falta de posicionamento da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (Azab) gera muita desconfiança”, afirma Mário Henrique Alves, que já trabalhou em zoológicos e projetos de conservação no Brasil e hoje atua em um zoológico na Colômbia.
Desespero e fuga
Ainda segundo o laudo cadavérico, após derrubarem as cercas do solário onde se iniciava um cambiamento para saírem dos galpões onde faziam quarentena, as girafas foram recapturadas às 13h40. Os animais foram encontrados mortos dentro das baias dos galpões às 18h, às 20h30 e às 23h35 do mesmo dia.
A Azab informa que já se manifestou por meio de nota e reforça que a decisão de trazer as girafas foi uma prerrogativa das próprias instituições envolvidas, não sendo notificada previamente a se manifestar sobre o interesse de trazer esses animais. Diz ainda que não tem, no momento, nenhum programa consolidado para conservação de girafas e que é contra qualquer aquisição ilegal de animais.
Apesar de informar que não sabia sobre a compra das girafas, a Azab tem como vice-presidente, Claudio Maas, é o responsável técnico do BioParque do Rio.
Segundo o Inea, o BioParque só avisou sobe a morte de três das 18 girafas trazidas da África do Sul seis dias após os óbitos, no dia 20 de dezembro.
O Inea diz ainda que, só recebeu os laudos em 25 de janeiro — mais de um mês após a morte dos animais — e constatou que nele faltavam esclarecimentos técnicos a respeito de alguns pontos da necrópsia e do resultado dos estudos histopatológicos e, por isso, ainda não conseguiu concluir as análises.
O órgão diz ainda que as instituições (BioParque e Safári Portobello) solicitaram a prorrogação de cinco dias úteis para responder os questionamentos referentes ao laudo da necrópsia das girafas e do laudo histopatológico. O pedido foi feito na noite da última sexta-feira (28), e o órgão concedeu o novo prazo.
Dentre os questionamentos solicitados pelo órgão ambiental às instituições está a data da necrópsia realizada nas girafas que não foi informada para o Inea (ao contrário do estudo histopatológico, cuja data é de 20 de janeiro). Diz também que a não entrega dos questionamentos supracitados é passível de autuação, conforme preconiza a Lei Estadual 3.467/2000.
“A retirada de animais da natureza não é uma prática de zoológicos atuais, mas há situações previstas na legislação brasileira e internacional em que os órgãos ambientais federais, sob justificativa e licenças específicas, permitem essa retirada com base em programas estabelecidos de conservação, no caso de espécies ameaçadas com risco iminente de extinção, a fim de evitar que desapareçam da natureza”, disse a Azab, por nota.
As girafas foram enterradas em uma vala sanitária próximo ao local onde estão alojadas, segundo o zoo do Rio.
Conquista
As organizações em defesa dos direitos animais Agência de Notícias de Direitos Animais (ANDA), Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal e Ampara Animal conquistaram a primeira vitória judicial contra os maus-tratos e a exploração das 15 girafas sobreviventes importadas pelo BioParque, o zoológico do Rio de Janeiro. A juíza da Vara da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, atendendo ao pedido feito na ação civil pública de autoria das ONGs, deferiu parte do pedido e determinou que em 48h as 15 girafas sejam transferidas para um local adequado.
Na última quarta-feira (26), equipes da Polícia Federal flagraram os animais com diversos ferimentos em baias repletas de sujeira no resort Porto Bello, em Mangaratiba, onde as girafas estão sendo mantidas desde novembro de 2021. A liminar também determina que o BioParque tem até 30 dias para construir recintos de acordo com as normas técnicas do IBAMA sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 5.000,00. “Trata-se de vida, cujo ser não pediu para ser tirado de seu habitat para ser colocado em condições inapropriadas e degradantes”, disse a juíza.
Nota da Redação: Zoológicos e outros locais que aprisionam animais devem ser completamente extintos. Casos como o do BioParque servem para alertar a população mundial sobre a injustiça e crueldade escondida atrás de zoológicos e outros locais que mantém animais em cativeiro apenas para divertimento humano. É preciso clarear a consciência para entender e respeitar os direitos animais. Eles não são objetos para serem expostos e servirem ao prazer de seres humanos. As pessoas podem obter alguns minutos de entretenimento, mas para eles é uma vida inteira de exploração e abusos condenados pelo egoísmo humano.