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JULGAMENTO

Gilmar Mendes vota contra matança de animais resgatados após maus-tratos

O ministro considerou que tem ocorrido uma instrumentalização da norma de proteção constitucional à fauna e de proibição de práticas cruéis, com a adoção de decisões que desrespeitam o artigo 225, parágrafo 1º, VII, da Constituição Federal, invertendo a lógica de proteção a animais vítimas de maus-tratos para estabelecer a matança como regra

13 de setembro de 2021
Mariana Dandara | Redação ANDA
6 min. de leitura
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Galos explorados em rinhas costumam ser mortos após resgates (Foto: Divulgação)

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) votou contra os dispositivos legais que permitem que animais domésticos e silvestres sejam mortos após serem resgatados de maus-tratos. O voto integra o julgamento, iniciado na última sexta-feira (10), da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 640. De autoria do Partido Republicano da Ordem Social (PROS), a ação visa proibir a matança dos animais.

A Rede de Mobilização pela Causa Animal, a ONG Princípio Animal e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ingressaram no processo como “amicus curiae” — também conhecida como “amigo da corte ou “amigo do tribunal”, trata-se de uma expressão em usada para designar uma instituição que tem por finalidade fornecer subsídios às decisões dos tribunais.

Na ADPF, o PROS contesta a interpretação dada, por parte de órgãos judiciais e administrativos, aos artigos 25, parágrafos 1º e 2º, e 32 da Lei 9.605/1998, e aos artigos 101, 102 e 103 do Decreto 6.514/2008, para fundamentar a matança de animais resgatados após maus-tratos, sendo galos explorados em rinhas as principais vítimas.

Ao submeter seu voto na plataforma virtual utilizada para o julgamento do caso, Gilmar Mendes pontuou que o artigo 225, parágrafo 1º, VII, da Constituição Federal impõe de maneira expressa a proteção à fauna, proibindo ações que ameacem sua função ecológica, que provoquem a extinção de espécies ou submeta animais à crueldade. Essas disposições constitucionais, segundo o ministro, revelam a preocupação do constituinte com o bem-estar animal e a refutação de uma visão meramente instrumental da vida animal.

O ministro reforçou ainda que a defesa da proteção autônoma do meio ambiente e dos animais já foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal ao declarar a inconstitucionalidade de vaquejada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.983. Segundo o magistrado, duas das decisões judiciais juntadas aos autos, que autorizam a matança de galos resgatados de rinhas, expõem a contrariedade da interpretação dada pelos órgãos judiciais e administrativos.

“A leitura dessas decisões demonstra que a situação de maus-tratos impostas por criadores particulares é reverberada pela omissão estatal na proteção dessas espécies, culminando com o processo de abate das aves naqueles casos em que os animais são recuperados. Ou seja, há um círculo vicioso de exploração e crueldade contra os animais que culmina com a sua extinção”, escreveu o ministro, que asseverou que matar animais após resgatá-los de maus-tratos configura uma violação à Constituição e à jurisprudência do STF, além de um desrespeito ao artigo 24 da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), que prevê que os animais sejam soltos no habitat e, em caso de inviabilidade da soltura por questões sanitárias, determina o encaminhamento a “jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob a responsabilidade de técnicos habilitados”.

Gilmar Mendes lembrou ainda que as decisões que determinam que animais resgatados sejam mortos desrespeitam a legalidade por inexistir autorização legal expressa para a matança de animais no caso específico de resgate após maus-tratos. Além disso, ainda de acordo com o voto do magistrado, o parágrafo 2º do artigo 25 da Lei 9.605/98 pontua o dever do poder público de zelar pelo bem-estar físico dos animais até a entrega para instituições especializadas.

Ao concluir seu voto, Gilmar Mendes considerou que tem ocorrido uma instrumentalização da norma de proteção constitucional à fauna e de proibição de práticas cruéis, com a adoção de decisões que desrespeitam o artigo 225, parágrafo 1º, VII, da Constituição Federal, invertendo a lógica de proteção a animais vítimas de maus-tratos para estabelecer a matança como regra.

Diante desses fatos, o ministro julgou procedente a ADPF. O entendimento de Gilmar Mendes foi semelhante ao do ministro Ricardo Lewandowksi, que também votou contra a matança de animais. O julgamento segue em aberto até sexta-feira (17).

Ibama defende matança de animais

Ao se posicionar sobre o caso, o Ibama defendeu que animais resgatados sejam mortos, o que foi criticado pelo advogado e secretário municipal de Proteção e Defesa dos Animais do Rio de Janeiro, Vinicius Cordeiro. “Não há como justificar isso”, afirmou o advogado. “Espero que a gente consiga preservar a vida dos animais”, completou.

Para debater o tema, Cordeiro anunciou que fará uma live nesta terça-feira (13) que contará com a participação do ambientalista e advogado Reynaldo Velloso, presidente das Comissões de Proteção e Defesa dos Animais OAB/RJ e da OAB Nacional.

“A partir das 20h, no Instagram, eu vou estar fazendo uma live com o Dr Reynaldo Velloso para que a gente conheça mais profundamente sobre isso. Vai ter gente do Brasil inteiro acompanhando essa discussão”, reforçou Cordeiro, que considerou infeliz o parecer, favorável a morte dos animais, assinado pelo advogado-geral da União, André Mendonça. “Esse mesmo que foi indicado pelo Bolsonaro para ser ministro do Supremo. Os dois representantes do governo Bolsonaro – o representante do Ibama, assim como o parecer do advogado-geral da União -, que representam a posição oficial do governo federal, foram a favor da morte”, criticou.

Nas redes sociais, Reynaldo Velloso também se pronunciou sobre o caso. “Estou na audiência virtual defendendo estes indefesos como presidente da Comissão Nacional de Proteção e Defesa dos Animais da OAB/Conselho Federal.
Na defesa, me permiti solicitar o fim destes absurdos em nome dos colegas que militam nesta luta, e em nome de todos os protetores, protetoras e ativistas do Brasil. Estou entre a emoção e a adrenalina”, escreveu Velloso, que concluiu dizendo que “toda vida importa”.

Liminar

A ação que está sob julgamento referenda uma decisão do ministro Gilmar Mendes, proferida em caráter liminar em março de 2020. Na ocasião, o ministro suspendeu todas as decisões anteriores que autorizavam a matança de animais silvestres e domésticos resgatados após maus-tratos.

Ao proferir decisão favorável à ação ajuizada pelo Partido Republicano da Ordem Social (PROS), Gilmar Mendes determinou a anulação de normas da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) que permitem que os animais resgatados de maus-tratos sejam mortos.

A decisão de Gilmar, no entanto, não interferiu na matança de milhares de animais para consumo humano. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, em 2019, o Brasil matou mais de 5,888 bilhões de animais entre frangos, porcos e bois. Apesar de impressionante, o número não revela, no entanto, os bastidores dos matadouros. Nesses locais, os animais vivem vidas miseráveis, presos em gaiolas ou locais pequenos, em ambientes insalubres, sendo submetidos a procedimentos cruéis – como castração de porcos e corte do bico de galinhas, ambos sem anestesia – que os condenam a sofrimento físico e psicológico.

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