Cofundador e presidente de um dos santuários de “animais de fazenda” mais conhecidos do mundo, o Farm Sanctuary, sediado em Nova York, Gene Baur publicou este mês um artigo no The Hill, baseado em Washington D.C., defendendo que a origem do coronavírus em animais e a disseminação da covid-19 deve nos lembrar o quão inextricavelmente estamos ligados com outras formas de vida na Terra e também como a agropecuária tem contribuído com a disseminação de doenças infecto-contagiosas.
Características semelhantes à gripe aviária
“Compartilhamos o mesmo planeta e respiramos o mesmo ar, e também trocamos micróbios, incluindo germes. Agora, com a crescente população humana e a economia global, enfrentamos novas ameaças de uma distribuição mais ampla de doenças como essa nova cepa de coronavírus”, aponta.
Gene Baur destaca que é difícil prever quantas pessoas serão infectadas ou morrerão em consequência da covid-19, mas ressalta que não devemos ignorar que a doença possui características semelhantes à gripe aviária, também conhecida como “gripe espanhola”, e que matou milhões durante a Primeira Guerra Mundial.
“Sars, mers e covid-19 são doenças contagiosas que saltam de animais para seres humanos, e é preciso fazer mais para reduzi-las, incluindo a proibição de mercados de animais vivos. Porém, outras zoonoses potencialmente fatais também merecem atenção.”
Animais criados para consumo e surgimento de doenças
Usando como referência dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC em inglês) dos Estados Unidos, ele cita que três em cada quatro doenças infecciosas que hoje afetam os seres humanos surgiram primeiro em outros animais – a partir de vírus, bactérias, fungos e parasitas.
“Nos EUA, quase dez bilhões de animais são explorados e mortos todos os anos [no Brasil, somente o total de frangos, bovinos e suínos se aproxima de seis bilhões]. A maioria tem uma vida miserável e curta em fazendas industriais superlotadas, que são um terreno fértil para doenças, incluindo patógenos emergentes e cepas virulentas de bactérias resistentes a antibióticos.”
Além de doenças transmitidas por alimentos e poluição ambiental, Gene Baur diz que a agropecuária incita pandemias globais como a H1N1, que foi inicialmente chamada de “gripe suína” porque estava ligada à outra doença semelhante em porcos, mas sua conexão com a agropecuária foi obscurecida.
Agronegócio quer que consumidores não pensem a respeito
A pandemia da H1N1 matou centenas de milhares de pessoas em todo o mundo, incluindo mais de dez mil nos EUA, de acordo com o CDC:
“De 12 de abril de 2009 a 10 de abril de 2010, o CDC estimou que havia 60,8 milhões de casos (variação: 43,3- 89,3 milhões), 274.304 hospitalizações (intervalo: 195.086-402.719) e 12.469 mortes (intervalo: 8868-18.306) nos Estados Unidos devido ao vírus (H1N1) pdm09. Além disso, o CDC estimou que 151.700-575.400 pessoas em todo o mundo morreram em decorrência da (H1N1) por infecção provocada pelo vírus durante o primeiro ano em que o vírus circulou. ”
Embora as doenças transmitidas por animais continuem ameaçando a saúde humana, o agronegócio tem um grande interesse em impedir que os consumidores pensem sobre isso – com o apoio do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA em inglês).
Animais doentes abatidos para consumo
Desde os anos 1980, segundo Gene Baur, o Farm Sanctuary investiga fazendas, currais e matadouros e trabalha para impedir práticas agrícolas irresponsáveis como o transporte e a matança de animais doentes. Ele denuncia ainda que o USDA defendeu a prática por décadas, descartando qualquer preocupação sobre animais doentes entrando na cadeia produtiva de alimentos.
“Finalmente, depois da confirmação da doença da vaca louca nos EUA, a agência concordou que as vacas doentes não deveriam ser mortas para consumo humano. Infelizmente, no entanto, outros animais doentes e debilitados ainda estão entrando no suprimento de alimentos nos EUA, incluindo meio milhão de porcos mortos a cada ano.”
“Continuamos desafiando essa prática desumana e arriscada, e também estamos desafiando uma nova política do USDA que quer remover limites nas velocidades em que os animais são mortos nos matadouros e dar à indústria mais autoridade para se policiar. O USDA e outras autoridades governamentais precisam proteger o público em vez de atender aos interesses financeiros míopes do agronegócio.”
Deveríamos investir na produção de vegetais, não de carne
Gene Baur enfatiza que os programas governamentais devem incentivar propriedades orgânicas, que favorecem o solo, geram sustentabilidade e resiliência ecológica, em vez de monoculturas ricas em agentes químicos e fazendas industriais que degradam a terra.
“Deveríamos investir na agricultura baseada em plantas para alimentar pessoas em vez de animais de fazenda, o que alimentaria mais pessoas com menos terras e menos recursos, permitindo que florestas tropicais e outros ecossistemas vitais sejam preservados, juntamente com a biodiversidade e a capacidade natural da terra para regulação de gases de efeito estufa e outras ameaças ambientais. Todos nos beneficiamos quando nosso lar comum, a Terra, é mais saudável”, defende o presidente do Farm Sanctuary.
“A transição da agricultura e das políticas governamentais levará tempo, mas cada um de nós pode fazer escolhas diárias para ajudar o planeta e a nós mesmos. Consumir alimentos nutritivos e à base de plantas pode ajudar a fortalecer nosso sistema imunológico, aumentando assim nossa capacidade de suportar várias ameaças, inclusive de vírus contagiosos como a covid-19. Nosso tratamento desrespeitoso com outros animais e a terra tem consequências e, quando são prejudicados, em última instância, nós também somos. Toda a vida na Terra está conectada e é do nosso interesse agir de acordo.”