Nanci Dainezi
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Sábado, 8 de maio, foi dia de confusão no Mambo da Vila Leopoldina. Um gato que miava muito alto sobre o íngreme telhado do supermercado fez com que muitas pessoas parassem para ouvi-lo. Poucos, entretanto, atentaram ao fato de ele estar desesperado, com fome, sede e querendo descer do local sem conseguir.
A comerciante Fransil Stahl era a voz mais forte dessa massa. Enfrentou a cara feia de vários funcionários que, a contragosto e por “livre e espontânea pressão”, pegaram uma escada e tentaram fazer com que o gato viesse até eles. Mas para desespero da massa de espectadores, o gato subiu um lance a mais do telhado e voltou a miar. Fransil reclamava da falta de jeito dos funcionários, cada vez mais irritados, e perguntava se agiriam da mesma forma no caso de tratar-se de uma criança em perigo.
Uma mulher que assistia sem muito intervir ligou para os bombeiros e escutou que o pedido de resgate do animal já havia sido registrado e que uma viatura havia sido enviada ao local. Mas o que deveria ser imediato não aconteceu. Passada mais de uma hora nenhuma viatura apareceu no local. Segundo os funcionários, “os bombeiros só vão ao local se um animal estiver realmente em perigo, espetado em lança e coisas dessa natureza”.
Depois de um tempo, o gato desceu do local mais alto, mas não conseguia achar uma maneira segura de pular no chão. Foi aí que apareceu o herói da história: o médico Ricardo Guerrini que, com grande habilidade, subiu na escada, pediu um saco de estopa, um naco de carne, atraiu o gato e o resgatou são e salvo para baixo.
Em meio ao carinho de crianças e adultos, o gatinho rajado e faminto se lambuzou com outros nacos de carne dados a ele. No final da história, Fransil o levou para casa, mas antes tentou saber na vizinhança do supermercado se alguém era tutor do animal. “Eu fui com minha família na casa indicada como sendo a do responsável pelo gato, mas quem me recebeu lá disse que o bichinho não era dele e que tinha cachorro. Disse também para soltá-lo na praça. Eu o levei para minha casa, só que ele tentou bater no meu gato que é bem velhinho e não reage. Então o coloquei na garagem com casinha e ração. Ele até dormiu na casinha e bebeu muita água – devia estar desidratado. Infelizmente, de manhã, já havia ido embora! Já tinha até pensado em castrar. Peço a Deus que São Francisco cuide dele!”, finalizou Fransil.
E eu, que assisti a tudo e que também fiz parte da pequena massa de pessoas preocupadas com o gato, quis registrar essa história como uma forma de protesto. Uma forma de dar voz a essa situação que se repete muitas vezes por esse mundo afora e que nem sempre tem um final feliz para o animal. Se não fosse uma pequena massa de clientes a se formar na frente desse supermercado para protestar contra a imobilidade dos funcionários, se não fosse a coragem de uma pessoa anônima de gritar pela vida desse bichinho e se não fosse a habilidade desse médico de salvar efetivamente o animal, o final poderia ser muito triste.
O que levo de lição dessa história é que nós, como cidadãos comuns e consumidores, devemos protestar quando algo nos incomoda. Não podemos fingir que não vemos alguém sofrer, seja esse alguém humano ou não. Esta situação me incomodou muito e me fez repensar no medo de passar por ridículos que sentimos às vezes e que nos imobiliza. Temos que intervir nesses momentos críticos, mesmo sendo tachados de loucos, barraqueiros, ou outra coisa qualquer.
As empresas também deveriam fazer sua parte, pensar nos animais que vivem ao redor de seus negócios e treinar sua equipe para emergências como esta. As empresas também deveriam saber que negações como as que aconteceram nesse supermercado em específico podem ser péssimas para seus negócios e podem afugentar clientes. Mas o que importa realmente neste caso é que uma vida foi salva naquela hora, quando era necessário. O gato fugiu, mas mesmo assim, o fato abre ao animal a possibilidade de seguir em frente, achar um bom tutor e ser feliz. E todos nós torcemos para que isso ocorra.