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SÃO FRANCISCO DE PAULA (RS)

Gatinho comunitário é adotado por alunos de escola pública e participa da rodas de leitura e brincadeiras no parquinho

24 de março de 2023
9 min. de leitura
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Foto: Bruno Todeschini / Agencia RBS

Orestes frequenta as aulas, passeia pelos corredores, participa da roda de leitura, brinca no parquinho e descansa no espaço pluricultural. A diferença dele para os outros alunos é que tem quatro patas, um focinho, bigodes e ronrona sempre que ganha carinho. O filhote de cerca de quatro meses é o” gato pedagógico” da Escola Estadual de Ensino Fundamental Orestes Leite, em São Francisco de Paula.

Ele foi acolhido e adotado pela equipe diretiva do colégio em fevereiro. A data em que pediu socorro miando no portão, magro e cheio de pulgas é bem significativa: dia 17, quando se comemora o Dia Mundial do Gato. Desde então, o peludinho cinza e tigradinho, é a alegria da escola. Apesar do movimento e do barulho dos corredores, ele é sereno e tem a própria rotina.

Como um bom gato, domina o espaço e escolhe onde quer ir. Se quer entrar na aula de Matemática, mia na porta, o mesmo que faz em relação a outras disciplinas. Orestes sabe que há espaços que não deve frequentar, como a cozinha e o refeitório do colégio. Um dos locais preferidos do mascote é o telhado, onde aproveita para dormir e pegar um sol.

A escola tem 210 estudantes e respeita a rotina de Orestes. Tanto que o deixa livre para fazer o que tem vontade. Durante a manhã dessa quinta-feira (23), com o gatinho no colo, a repórter perguntou aos alunos se podia o levar embora. A reação foi imediata:

“Nãããããão!”

Na sala, Orestes ganhou colo de vários alunos e repousou tranquilo em cima da mesa onde estava o estudante Davi Weslley Beneton França, 11 anos. O menino conta que o gato tem brinquedos e ganha atenção e carinho dos professores e alunos:

“Ele gosta muito de mim e quando o chamo, ele vem no meu colo. Ou fica assim, deitado na mesa. Também gosto muito dele”.

O mascote está presente em todas as atividades de forma espontânea. Tanto que as alunas Mariana Soares Zucatti Menegaes, Emanuelly Gross Ribeiro, Evelyn Santos da Silva e Amanda da Silva Ferreira, todas de 11 anos, participaram do projeto para construir a maquete da escola e inovaram:

“Pensamos em fazer o Orestes na maquete porque ele faz parte da nossa escola. Ele trouxe mais felicidade”, disse Mariana.

Foto: Bruno Todeschini / Agencia RBS

Amor e Cuidado

Durante o recreio, Orestes também costuma acompanhar a movimentação dos alunos. Como não resiste a uma boa leitura, logo encontrou aconchego nos braços de Danielly Adriane de Castilhos Cardoso, 14.

“Tem alunos que contam histórias para ele e, desta vez, fui eu que li”, comemorou a adolescente do nono ano.

Ele acompanhava com atenção a cada virada de página do livro. Os colegas Larissa Rodrigues Alves e Pedro Henrique Andrade Souza também aproveitavam para acariciar Orestes. Para Maria Rafaelli Fonseca e Maria Eduarda Zanatti Reis, ambas de 14 anos, ter um gatinho na escola é inovador e educativo.

“Nunca passei por essa experiência com um animal, ainda mais na escola”, conta Maria Rafaelli.

Maria Eduarda complementa:

“Em São Francisco de Paula, que eu saiba, somos a primeira escola que tem um mascote. Ele mia para entrar e na sala, os professores falam com ele e nós também. Gosto da presença dele nas aulas”.

Gato pedagógico

Orestes está inserido nos projetos didáticos e multidisciplinares da escola. De acordo com a diretora, Mariane Santos Soares, para comemorar o aniversário da Orestes Leite, os alunos fizeram não só maquetes com a presença do mascote, mas também desenhos, produções textuais e as homenagens que estão nos murais pelos corredores. Ela lembra do momento em que a escola acolheu o gatinho. Depois dos primeiros cuidados, houve a decisão de adotar o felino. O fato ocorreu nas férias escolares e, quando os alunos voltaram às aulas, a ligação entre eles o gato foi imediata.

“Ele nos escolheu e nós acolhemos ele. Acredito muito que gatos escolhem. Hoje, o Orestes é um integrante da comunidade escolar”, destaca ela.

Os professores perceberam um maior engajamento dos alunos na escola e a conexão deles aumentou porque querem ver o Orestes e participar de atividades sobre ele.

“A gente notou uma mudança pedagógica e um sentimento de pertencimento entre os alunos. Quando a gente acolheu ele, não sabíamos que teria uma proporção pedagógica tão boa e positiva”.

Para Francisco Melo, orientador educacional e professor do segundo ano, o que se percebe é justamente esse interação entre os alunos e o gato:

“A gente tem a oportunidade de sensibilizar e trabalhar com eles a questão do cuidado, da alimentação adequada e de manter o animal bem e protegido. Pedagogicamente, o ambiente se torna mais leve, mais solidário e como todos gostam de cuidar do gatinho isso reflete no relacionamento entre eles”.

A diretora concorda que a questão do cuidado e do respeito com os animais é um ensinamento para toda a vida dos alunos. Ela explica que eles sabem que Orestes tem que ser alimentado e ter água. Já a questão da higienização do espaço e da caixa de areia é de responsabilidade da equipe diretiva. Outro ponto fundamental é o laço que ele criou com os alunos, principalmente com quem não interagia no recreio com outras crianças:

“Ele acaba indo para o colo desses estudantes. É tão natural para ele e isso gera uma interação com os outros alunos. Ele incentiva a socialização”, destaca a diretora.

Com uma camiseta com as inscrições Mãe de Gato, Gatinha é, a professora de Língua Portuguesa, Isabel Cristina Freitas de Lima, segurava nas mãos um novo projeto que será elaborado pelos alunos do sexto ao nono anos.

“Como trabalho gênero textuais, pensamos em um diário. Será o Diário do Orestes, e um aluno por dia irá levar o caderno para casa e irá escrever sobre como foi o dia do gatinho. No final do mês, vamos ler todos os textos. Ele é nosso protagonista”, conta Isabel.

Antes de fechar a escola, os professores levam Orestes para dentro do colégio. Ele dorme no corredor, em um pequeno sofá ou em caixas que as crianças da tarde fizeram para servirem de cama para o felino. É ali também que está a comida, a água e a caixa de areia. Mesmo com liberdade dentro da escola, Orestes nunca saiu dos portões do colégio. A adoção dele foi oficializada com a assinatura de um termo de compromisso, o que garante que o gatinho é de responsabilidade da direção da escola.

Ensinamentos na escola

Suelen Bomfim Nobre, professora do curso de Pedagogia da Universidade Feevale, é defensora da integração de animais ao ambiente escolar. Para ela, a prática deve ser incentivada pelas instituições de ensino pois propicia ensinamentos que aceleram o desenvolvimento social das crianças e o convívio com outras pessoas, além de aguçar a curiosidade nos primeiros anos de vida da pessoa.

“A criança que tem contato com animais tem um melhor desenvolvimento da empatia, das habilidades socioemocionais, consegue lidar melhor com o próximo e desenvolver relações interpessoais de uma maneira mais fluida. Ela precisa ter na escola a possibilidade de ter contato com animais, com plantas, com a biodiversidade como um todo. A escola se tornou um reduto, um ambiente propício para favorecer essas interações”, pontua.

A professora diz que esse entendimento é baseado em diversos estudos da área. Um deles é o trabalho feito por Richard Louv, no livro “A Última Criança na Natureza”, que reúne casos que relacionam a presença da natureza na vida das crianças ao bem-estar físico, emocional, social e acadêmico. Louv cunhou o termo Transtorno do Déficit de Natureza (TDN), ou seja: identificou o impacto negativo da “falta da natureza” na vida de crianças, em especial nas que vivem em centros urbanos. Durante anos, o pesquisador norte-americano acompanhou indivíduos desse grupo e elaborou o que pode significar a proximidade da natureza na formação do indivíduo.

“Ele sinaliza que a criança que tem contato com animais de estimação, com verde, que brinca com barro, consegue amenizar sintomas de hiperatividade, tem uma troca melhor com o outro, uma relação mais harmoniosa com os colegas e tem também menos ansiedade”, acrescenta a professora da Feevale.

Foto: Bruno Todeschini / Agencia RBS

Adotar com responsabilidade

Mauro Moreira, presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-RS), faz ponderações quanto à adoção de animais por instituições de ensino. Segundo ele, o primeiro passo ao decidir integrar um gato ou um cachorro à rotina da escola é levá-lo para avaliação de um médico veterinário: o profissional deve informar a saúde do animal, os procedimentos corretos de vacinação e indicar o tratamento adequado, caso seja necessário.

“O animal pode ter alguma doença que não se identifica na hora da adoção, ou mesmo uma zoonose (doenças infecciosas transmitidas entre animais e pessoas), como a esporotricose. O médico veterinário também faz as vacinas, o controle das pulgas, para ter a certeza que o animal pode conviver dentro da escola”, diz.

Moreira ressalta a necessidade de que haja um responsável pelo animal na escola: deve ficar claro quem será encarregado de alimentá-lo, levar o animal periodicamente para consultas, cuidar do reforço de vacinas ou mesmo arcará com o custo em caso de um procedimento cirúrgico. A indicação é que seja confeccionado um termo de responsabilidade nesses casos.

Com os cuidados adequados, porém, o entendimento do presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária é de que a presença de animais domésticos na comunidade escolar é “pedagógica”: contribui de diversas formas no desenvolvimento de alunos, pois reforça o ensinamento da responsabilidade e promove a adoção de animais abandonados na sociedade.

“É uma questão que ajuda a criança a entender que um ser vivo precisa de cuidados, que precisa ser alimentado. Existe toda uma temática no controle populacional, de castração, que, para ser efetiva, deve começar nas escolas, com as crianças. É importante ensinar que não adianta pedir para o pai e para a mãe para ter um cachorrinho e depois abandonar o animal”, finaliza.

Fonte: O Pioneiro

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