(da Redação)
Por um ano, Raul Valda esteve fotografando cães nas ruas da Bolívia.
Ele começou o projeto em resposta a um duro período de sua própria vida: há dez anos atrás, Valda, que vive em La Paz, estava sofrendo de transtorno bipolar. “Mais que as pílulas ou a terapia, foram meus cães – Amaru e Wara – que me ajudaram a superar a doença”.
Em 2013, após tornar-se fotógrafo em tempo integral e abrir um estúdio, Valda pensou que seria justo homenagear os caninos que ajudaram-no tanto com um documentário envolvendo cães em situação de rua de sua própria cidade. As informações são do Huffington Post.
“A primeira foto foi tirada em abril de 2013, em El Alto, uma das cidades mais altas do mundo, a 4.150 metros de altitude”, conta Valda. “Enquanto eu tirava as fotos, eu me sentia oprimido pelo número de cães nas ruas e suas más condições”.
Então ele decidiu transformar a série de fotos em um livro, “como uma homenagem”.
Valda – cujas imagens foram selecionadas para uma exibição de fotógrafos bolivianos emergentes – falou recentemente ao Huffington Post sobre o seu trabalho. Ao mesmo tempo amáveis e tristes, as fotos mostram cenas de cães fazendo coisas como comer em lixeiras, e foram tiradas de maneira artística.
Huffington Post: Há muitos cães em situação de rua na Bolívia?
Raul Valda: “Há diferentes estimativas, mas de acordo com o Ministério da Saúde, há mais de 390 mil cães em La Paz e El Alto, dos quais 40% são cães que vivem nas ruas mas têm tutores, e 2% são considerados ‘cães vadios’ (sic). Eles também afirmam que o número total de cães em todo o país cresce 20% a cada ano. Pelo que eu tenho visto, eu diria que as estatísticas subestimam o número de cães em situação de abandono. A situação é esta: Muitas pessoas deixam os seus cães na rua durante o dia e colocam-lhes para dormir no jardim ou no pátio à noite. Outros apenas alimentam os cães e deixam que eles fiquem nas ruas dia e noite. Muitos compram filhotes e, quando eles crescem, abandonam-lhes. E, é claro, outros cães nascem e morrem nas ruas sem nenhuma ajuda. Felizmente, muitas fundações para ajudar esses animais têm sido criadas nos últimos anos”.
Huffington Post: Qual a atitude com relação aos cães? Eles são amados? São bem tratados? São tratados com miséria?
Raul Valda: “Novamente a situação é complexa. Eu tenho certeza que muitos tutores que deixam os cães nas ruas amam os seus animais, mas simplesmente pensam que é correto e preferem deixá-los ‘livres’ enquanto estão trabalhando. O problema, do meu ponto de vista, é que muitos desses cães progressivamente sofrem abandono, ficam doentes ou têm filhotes que são frequentemente mortos ou abandonados. O clima frio e a geografia extrema dessas cidades não ajuda. E a atitude para com os cães que parecem doentes ou selvagens é geralmente muito negativa. Segundo um estudo realizado no ano passado, 59% da população em grandes cidades acredita que ‘cães perigosos’ devem ser eliminados”.
Huffington Post: Como você tirou as fotos? Você usou iluminação de estúdio? Que outros equipamentos utilizou?
Raul Valda: “Eu levei minhas luzes do estúdio para as ruas, mas nunca usei mais que duas. Algumas fotos foram planejadas – na luz e na composição – e eu esperei por horas até que um cão passasse. Muitas outras foram de momentos espontâneos onde eu tive que correr para colocar as luzes no lugar. E algumas vezes eu tive que correr dos cães após tirar a foto (risos). Adotei esse estilo por duas razões: para destacar e contrastar os cães contra o usual contexto urbano agitado e, penso eu, ‘embelezar’ cenas tão terríveis de modo a causar um impacto mais profundo e positivo nas pessoas. Nesse momento eu estou trabalhando na conclusão do projeto, com fotos de estúdio mostrando cães adotados e seus tutores”.
Huffington Post: Existem fotos que se destacam especialmente para você, por causa dos cães em si ou por outra razão?
Raul Valda: “Eu gosto de todas as imagens igualmente, cada uma traz uma memória. Mas se eu tivesse que escolher uma, seria aquela onde você pode ver um cão em cima de uma lixeira, olhando para um casal de bêbados brigando no chão. Por que? Eu realmente não gosto do termo ‘momento decisivo’, porém acho que esse era um desses momentos: a neblina, a postura do cão, a posição do poste de luz – é a única imagem sem flash – o casal, etc. Eu apenas tirei duas fotos e o cão pulou da lixeira. Senti-me muito grato por ter testemunhado esse momento”.
Huffington Post: Qual tem sido a reação das pessoas às suas fotos?
Raul Valda: “A reação tem sido bastante positiva, embora muitas pessoas fiquem chocadas com as imagens mais sórdidas. Eu fico satisfeito com as reações mistas, e espero que o livro provoque uma pequena mudança nas atitudes e hábitos das pessoas com relação aos seus animais e aos que estão em situação de rua”.
Huffington Post: Em que etapa você está? E você pode dizer mais sobre o seu projeto atual?
Raul Valda: “O desenho do livro está pronto: está com aproximadamente 100 páginas, 70 fotos de rua e 15 histórias com retratos de animais que foram adotados. Esses retratos serão a conclusão do livro. Eu decidi fazê-los no fim com um tom mais positivo. Algumas das imagens de rua e sentenças são difíceis de digerir. Eles irão mostrar quinze ex-cães em situação de abandono e seus tutores atuais. Alguns desses cães estavam muito doentes e com aparência péssima quando foram encontrados, mas essas pessoas tiveram a coragem e a paciência para curá-los física e emocionalmente. Metade das vendas do livro serão destinadas a uma fundação local que está desenvolvendo um projeto para ajudar cães em situação de rua. Eu ainda estou procurando por patrocínio, mas provavelmente terei que submeter o projeto a uma organização internacional de crowd funding para poder imprimir o livro. A Bolívia é muito mais que lixeiras, favelas e cães em abandono. Esse livro irá mostrar apenas um pequeno aspecto de meu país”.
Huffington Post: Tirar as fotos ainda está te ajudando com o transtorno bipolar?
Raul Valda: “Tirar fotos em geral me ajuda, eu penso que é a única coisa estável e constante em minha vida. Esse projeto em particular envolve dois temas favoritos para mim: fotos e cães – irá ajudar em uma causa e está tendo boa recepção. Eu não poderia estar mais feliz”.
Para conhecer mais sobre o projeto de Raul Valda, visite a sua página no Facebook.