EnglishEspañolPortuguês

REGISTROS

Fotógrafo latino expõe mudanças climáticas no Brasil: ‘Ficaram desconcertados ao descobrirem que era a Amazônia’

Musuk Nolte produziu série de fotografias selecionada para mostra internacional no CAIXA Cultural RJ

26 de junho de 2025
Luísa Giraldo
8 min. de leitura
A-
A+
Vista aérea do rio Tarumã, Amazonas, que se tornou inavegável por causa da seca. Foto: Musuk Nolte / CAIXA Cultural RJ

O fotógrafo peruano-mexicano Musuk Nolte transformou imagens de paisagens do norte brasileiro em uma denúncia dos efeitos das mudanças climáticas. Aos 37 anos, o profissional produziu a série premiada de registros “Secas na Amazônia”. Ele registrou episódios como o esvaziamento da bacia do Rio Solimões, no Amazonas, o isolamento de comunidades ribeirinhas e a desestruturação das relações sociais e culturais da região. Uma das fotografias foi escolhida pelo concurso internacional World Press Photo 2025 como finalista na categoria “foto do ano”. O trabalho está exposto em uma mostra itinerante na CAIXA Cultural Rio de Janeiro, no centro da cidade.

A exposição apresenta os vencedores do 68º Concurso World Press Photo 2025, um dos principais no ramo da fotografia. Além de Nolte, fotógrafos de mais de 30 países foram convidados a expor os trabalhos. Ao todo, são 42 projetos vencedores que refletem temas urgentes da atualidade: política, gênero, migração, conflitos armados e crises climáticas. A mostra está aberta para os visitantes até 20 de julho.

O fotógrafo relembra a origem do interesse pela flora brasileira.

– Já trabalhei muito na Amazônia. A minha mãe é antropóloga, então viajei com ela quando era menino. Estou trabalhando nesse projeto há cinco anos, e comecei retratando as secas. Primeiro, em Iquitos, a principal cidade amazônica no Perú. Depois, fui para Manaus em colaboração com o fotógrafo Raphael Alves. Visitamos diferentes espaços onde a situação da seca era muito grande.

Morador de Manaus e amigo dele, Alves facilitou a execução do projeto e as movimentações entre as comunidades ribeirinhas. O fotógrafo já conhecia a região e tinha relações com as pessoas. Até então, Nolte nunca havia entrado em contato com esse grupo. “A formação da minha mãe me fez desenvolver uma postura consciente [com pessoas que residem nas proximidades dos rios]”, completa.

– Tenho muito interesse sobre o que está acontecendo no Brasil. É semelhante ao que está acontecendo no Perú. É interessante a relação entre as situações, como afetam os indígenas e os países, principalmente as fronteiras e a política – opina.

Nolte descreve que a preocupação com a situação atual da Amazônia se dá sobretudo por sua nacionalidade peruana. “A mudança climática está tendo um impacto muito forte e severo” no Peru, reconhece ele, sobre o país que mora.

Envolvimento profissional com o Brasil

Não é o primeiro projeto realizado por Musuk Nolte em solo brasileiro. Nascido na Cidade do México, na capital do país, ele colabora frequentemente com comunidades e culturas das regiões andina e amazônica. O trabalho combina fotografia documental e artística para lançar luz sobre questões sociais, como a memória e a degradação ambiental. Reconhecido internacionalmente, o fotojornalista tem se destacado pela abordagem sensível e crítica.

A imagem de destaque da série “Secas na Amazônia” exigiu paciência, tempo e resiliência, avalia Nolte. Ele compartilha os desafios físicos que enfrentou para chegar na região do rio Tarumã.

– Fazia muito calor e havia uma sensação constante de desorientação. Estava no território amazônico, mas, em muitos momentos, parecia um deserto. Estava mais próximo do mar, no centro da Amazônia, e precisei me lembrar disso várias vezes para entender como criar imagens que transmitissem essa realidade.

Nobre relembra que as distâncias e a logística também exigiram adaptações. “Os rios estavam muito baixos, e os barqueiros se recusavam a nos levar, com medo de que os barcos encalhassem. Isso acabou aumentando os custos da viagem”, pontua. De Iquitos, no Peru, a Manaus, a jornada demorou cerca de um mês.

– Fui no dia em que o nível da água estava mais baixo (o mais baixo da história). Foi significativo. Trabalhei por cerca de uma semana na região, mas há outras camadas e contradições. É um projeto mais intenso.

O profissional recorda ter usado câmeras fotográficas e drones durante o processo. As técnicas visavam respectivamente “captar a dimensão em uma escala mais íntima e mostrar as dimensões do problema em nível geográfico”. Assim, a realidade guia as lentes de Nolte.

– É difícil produzir um roteiro, mas a gente faz pesquisas para imaginar as situações que podemos encontrar. Às vezes, ter um roteiro pode ser problemático porque buscamos uma imagem específica e nos limitamos a estereótipos e arquétipos de como representar a Amazônia. É melhor ir de encontro à realidade nos apresenta.

Uma imagem do projeto “Secas na Amazônia”, de Musuk Nolte, da Bertha Foundation, é finalista do World Press Photo do Ano em 2025. Foto: Musuk Nolte / CAIXA Cultural RJ

Musuk Nolte recorda um momento relevante para o concurso: a oportunidade de abrir os olhos do mundo para o Brasil.

– A minha foto foi uma das principais destacadas no prêmio. Foi muito importante mostrar uma situação que não é tão conhecida fora do Brasil. Quando fui à Amsterdã (capital da Holanda) para a premiação, as pessoas ficaram desconcertadas ao descobrirem que era a Amazônia.

O júri destacou o contraste marcante das paisagens secas, “quase desérticas”, na maior floresta tropical do mundo e ressaltou como as imagens de Nolte tornam a ausência de água visivelmente perturbadora. “O fotógrafo capta a escala da mudança ambiental ao mesmo tempo em que centraliza a experiência humana, oferecendo uma narrativa visual envolvente de uma realidade em rápida transformação”, avaliou a comitiva.

Desafios da profissão

Musuk Nolte entende a importância de seus registros para o mundo, porém reconhece os desafios do ofício na atualidade. Ele define que, ao gerar curiosidade do público com os materiais de trabalho e a postura profissional, “o fotógrafo sempre tem exposição”.

– Há problemas relacionados a crimes ambientais, como o tráfico na Amazônia. Uma pessoa com uma câmera (por mais que esteja trabalhando em outra história) está em perigo, é sempre suspeito. Essa profissão é para poucos que podem conviver com essa problemática – reforça o peruano-mexicano.

    Você viu?

    Ir para o topo