I
Não ao triste peru natalino
que, em dezembro, do galpão para o caixote
empilhado na carroceria do caminhão,
no comboio de prisioneiros condenados,
começa sua longa viagem sem volta
até a mesa que eles exigem farta.
E o que resta é uma imagem perdida
de asas quebradas, de gestos interrompidos
e com o ventre recheado de farofa.
Que eles querem comer e celebrar.
II
Não àquela leitoa à pururuca
que na bandeja agora jaz inerte.
Seus olhos translúcidos, paralisados
no instante derradeiro em que o medo
fez-se tudo, em que o mundo fez-se nada,
pela lâmina fria por eles trespassada.
E não há noz moscada, nem alho amassado,
não há pimenta malagueta que dê sabor
a esse corpo morto e defumado
que eles ornamentam com uma maçã na boca.
III
Não ao pequenino cordeiro desossado
que mal pôde conhecer o sol e os campos.
Não ao carneiro que outrora sonhos povoava
mas que na ceia sagrada é chamado de costela.
Ei-los aqui abatidos, retalhados, servidos no prato
que eles devoram como “carnes nobres”.
Também o bacalhau desfiado, a lebre assada,
o salmão que sufocava em tanques d´água.
Todos clamam em seu grito silencioso
pela justiça que eles negam existir.
IV
Não às galinhas submetidas, sem cessar,
ao horror do confinamento industrial.
Privadas de ar, de sono e de dignidade
tornam-se máquinas vivas de almas mortas,
sem alívio para a dor que deveras sentem,
mas eles despedaçam-nas e as engolem.
Não, decididamente não, ao banquete macabro
dessa comunhão universal brindada com sangue.
Onde bocas vorazes nem mesmo pedem perdão
porque sabem muito bem o que fazem…