Com um mês de seca severa e diversas catástrofes climáticas ocorrendo no Brasil, Mato Grosso é um estado que se destaca por quebrar os próprios recordes de calor e registrar cada vez mais focos de incêndio. Um relatório do Grupo de Resposta a Animais em Desastres (Grad) enviado ao g1 mostrou que o fogo descontrolado tem acertado em cheio nos animais silvestres, que estão morrendo queimados, de fome ou desidratação.
Nessa sexta-feira (30), o Ministério Público de Mato Grosso (MPMT) notificou a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema-MT) para adotar medidas preventivas e realizar um mapeamento dos pontos de água para identificar locais críticos de escassez hídrica e evitar que os animais silvestres morram de sede.
O g1 solicitou um posicionamento do Governo do Estado sobre a situação, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
A notificação foi feita após o Grad enviar um pedido de urgência ao Governo Federal e ao Governo de Mato Grosso alertando sobre o colapso ambiental e a escassez extrema de água na região. A situação, conforme o documento, coloca a fauna local à beira da extinção e pode causar um desastre ecológico irreversível.
Nas imagens divulgadas pelo Grad é possível ver a forma que a falta de alimento e água afetou diretamente no físico dos animais, que estão extremamente magros e têm chamado atenção nacional após procurarem por água em poças de lama, em territórios que foram devastados pelo fogo.
Ao g1, a médica veterinária do Grad, Carla Sássi, contou que o número de animais afetados já é maior do que o registrado no mesmo período do ano de 2020, quando mais de 4,5 milhões de hectares foram queimados.
“Não aprendemos nada com tudo que aconteceu [nos anos anteriores]. O fogo está chegando gigante e não há um plano de ação sendo realizado. O número de animais resgatados já é gigante”, disse.
O relatório sobre o impacto ambiental das queimadas e da seca no Pantanal destaca a gravidade da situação para a fauna local. A área, conhecida pela rica biodiversidade, está enfrentando sérios desafios que ameaçam a sobrevivência de muitas espécies nativas do local.
“Esses impactos negativos na fauna pantaneira são extremamente preocupantes, uma vez que muitas dessas espécies são endêmicas do bioma e desempenham papéis cruciais no equilíbrio do ecossistema. A conservação da biodiversidade do Pantanal é fundamental, e ações urgentes são necessárias para mitigar os efeitos das queimadas e da seca, garantindo a proteção dessa riqueza natural”, diz trecho do relatório.
Conforme o documento, o Grad está atuando na região da Transpantaneira desde o dia 15 de julho e, até o momento, aproximadamente 900 vertebrados já foram monitorados pelo grupo, sendo que 55,6% eram aves (500), 22,8% mamíferos (205) e 21,6% répteis (194).
Do número acima, foram encontrados diversos animais que estão na lista de ameaçados de extinção. Deles, 154 estão em perigo, o que representa 17,1% do total. Desses, 54,5% são Mutuns-de-Penacho, que estão vulneráveis; 16,2% são antas, também vulneráveis; 11% são Cervos-do-Pantanal; 3,9% são macacos-Prego-de-Azara; 3,2% são tamanduás-bandeiras; 3,2% são onças-pintadas; 2,6% são bicudos; e 2,1% são queixadas.
A pesquisa mostrou que há uma relação clara entre a quantidade de animais encontrados e a classificação dos pontos de coleta. Os pontos classificados como críticos tinham uma quantidade muito maior de animais do que os pontos de alerta, com 55,4% comparado a 31,2%.
Também foi observado que o número de animais encontrados estava ligado ao número de dias de análise e ao esforço investido, com uma média de 227 animais encontrados em nove dias de coleta. Além disso, cerca de 37% das diferenças nas espécies de animais observadas estavam relacionadas aos pontos críticos e à falta de água, de acordo com o Grad.
De maneira geral, o relatório destacou a necessidade de monitorar continuamente e adotar estratégias eficazes para lidar com a falta de água e proteger os animais ameaçados, além de manter o equilíbrio dos serviços da natureza e minimizar os efeitos das mudanças climáticas.
O Grad ressaltou ainda que é importante notar que a falta de água e o uso inadequado da terra aumentam o risco de incêndios, e sem ações para combater esses problemas, o Pantanal pode ser usado de forma excessiva para pastagem.
Uso restrito de água
Segundo o Grupo, desde o dia 15 de julho, quando o monitoramento começou, já foram identificados mais de 800 animais vivendo em situação crítica na região. Estudos do Grad, em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) revelaram que a falta de água coloca em risco a biodiversidade e exige uma ação urgente do poder público.
Diante da gravidade da situação, o Grupo de Respostas solicitou a intervenção imediata do Governo Federal e do Governo Estadual para a implementação de práticas de abastecimento de água. A organização destacou que a Constituição Federal garante o direito a um meio ambiente equilibrado e que o poder público tem o dever de proteger a fauna e a flora.
No entanto, o Governo do Estado do Mato Grosso teria se negado a colaborar com as ações de combate à seca, alegando que a situação é normal e que a estratégia de abastecimento não seria necessária, de acordo com o informado pelo Grad, que classificou a postura como “negacionista e sem embasamento científico”.
Há um mês, a Sema estabeleceu regras para o controle do uso de recursos hídricos da bacia do Paraguai por causa da escassez hídrica em comparação com períodos anteriores, na região.
Em maio, a Agência Nacional de Águas (ANA) declarou situação de escassez hídrica na bacia do Paraguai, que deve se manter até 31 de outubro de 2024. A agência informou que a escassez afeta o uso da água, especialmente nas estruturas de captação dos rios para geração de energia elétrica, além de impactar o turismo e o lazer.
Quando as regras foram estabelecidas, a Sema havia informado que seriam priorizados os volumes mínimos necessários para abastecimento humano e de animais, combate à incêndios, preservação da fauna e atividades econômicas.
Incêndios por toda parte
Na Amazônia, a Terra Indígena Capoto Jarina, no Parque Nacional do Xingu, a 692 km de Cuiabá tem sido uma das regiões mais atingidas com o fogo descontrolado. Nessa segunda-feira (26), um relatório divulgado pelo Instituto Raoni mostrou que a região tem cerca de 635 mil hectares e que somente 42 brigadistas estavam atuando no combate ao fogo.
Por outro lado, no Cerrado, especificamente no município de Itiquira, a 359 km de Cuiabá, os moradores andam cada vez mais amedrontados devido às queimadas registradas na cidade. Um exemplo disso foi há cinco dias, quando um incêndio de grandes propoções atingiu um canavial e deixou a região coberta por fumaça.
Já no Pantanal, a situação ganha ainda mais destaque por causa dos impactos negativos que o fogo tem causado na vida dos moradores locais e dos animais silvestres, que estão morrendo em meio à seca severa. Há duas semanas, a região da Reserva Particular do Patrimônio Natural do Sesc Pantanal, em Barão de Melgaço, a 121 km de Cuiabá, foi atingida por uma queimada e teve parte da vegetação devastada.
O estado também já perdeu dois brigadistas que ajudavam no combate ao fogo e acabaram sendo atingidos pelas chamas.