Embora ocupem menos de 10% da superfície terrestre, as florestas tropicais são verdadeiros tesouros de biodiversidade, abrigando mais de 60% das espécies conhecidas da Terra. No entanto, essas regiões estão sob intensa pressão pelas atividades humanas, com grande parte de suas terras sendo convertida para fins industriais e agrícolas. O fenômeno torna-se mais grave pelo fato de que muitas espécies ameaçadas de extinção encontram nas florestas tropicais seu refúgio, como a onça-pintada, o gorila-do-ocidente e o macaco-aranha-de-cara-preta.
Buscando enfrentar o problema e conter a perda da fauna e flora, governos e grupos internacionais têm se empenhado na criação de novas áreas protegidas. Contudo, um novo estudo publicado ontem (13/02) na revista científica PLOS Biology alerta que essa estratégia por si só pode não ser suficiente para reverter ou até mesmo interromper o declínio da biodiversidade nessas regiões.
A pesquisa, liderada pela Michigan State University, nos EUA, em parceria com um grupo internacional de especialistas, analisou mais de 2.000 câmeras distribuídas por florestas tropicais ao redor do mundo, reunindo dados inéditos de 239 espécies de mamíferos. Os resultados revelam que a proximidade de seres humanos tem um impacto negativo direto sobre as comunidades de mamíferos nas florestas tropicais.
Até recentemente, não havia dados de alta qualidade em escala global para medir como a atividade humana afeta o número e a distribuição das espécies de mamíferos nas florestas tropicais. Esta nova pesquisa oferece a visão mais abrangente até agora sobre como a ação humana contribui para o declínio da biodiversidade em algumas das regiões mais ricas em espécies do mundo.
O estudo identificou que, quanto mais próximo de uma área protegida houver presença humana, menor será a diversidade de mamíferos. “Mesmo quando as florestas estão protegidas, algumas espécies não sobrevivem devido à atividade humana ao redor dessas áreas, como caças e outros impactos”, explicou Lydia Beaudrot, professora de Ecologia da Michigan State University.
O efeito, denominado ‘filtragem de extinção antropogênica, demonstra que a presença de seres humanos fora das áreas protegidas altera significativamente as comunidades dentro delas, afetando até mesmo os ecossistemas que deveriam ser preservados. Para entender o fenômeno, os pesquisadores criaram um modelo que combinou dados de sensoriamento remoto e imagens de câmeras de trilha em florestas da África, Ásia e América do Sul.
O modelo indicou que, para cada 16 humanos por quilômetro quadrado próximo a uma área protegida, as espécies de mamíferos podem diminuir até 1%. Além disso, a falta de zonas de amortecimento
(zonas de “transição” entre as áreas protegidas e as áreas externas) faz com que a atividade humana nas bordas das áreas protegidas altere as comunidades florestais. A constatação torna mais urgente a atenção ao tema, dado que quase 70% dos habitats tropicais do mundo estão a menos de 1 quilômetro da borda da floresta.
A pesquisa também revela que a perda e fragmentação das florestas em um raio de até 50 quilômetros de habitats de mamíferos têm impacto direto na sobrevivência dessas espécies, ao afetar diretamente a qualidade e a continuidade dos habitats dos mamíferos, reduzindo os recursos essenciais para sua sobrevivência, como alimento, abrigo e áreas de reprodução. Ou seja, a densidade populacional humana associada à degradação do ambiente próximo às áreas protegidas são fatores cruciais para a queda na quantidade e na diversidade de mamíferos.
Com base nessas descobertas, os pesquisadores alertam que iniciativas globais, como a Década da Restauração dos Ecossistemas da ONU e o Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, podem não ser suficientes para evitar a extinção de espécies ameaçadas. Eles apontam para a importância de medidas adicionais de conservação, como a restauração e criação de áreas protegidas mais conectadas entre si, tendo em vista que a proteção de fragmentos isolados de terra não é mais suficiente.
“É necessário que as áreas protegidas se tornem mais amplas e conectadas, criando zonas contínuas de preservação para que os animais possam sobreviver”, afirma Beaudrot. Como recomendação, a pesquisa também destaca que a sobrevivência de muitas espécies depende de um esforço global mais abrangente que não se limite aos limites das áreas protegidas, mas que se estenda para o entorno delas, com a redução dos impactos humanos fora.
Fonte: Um Só Planeta