Mapear e conhecer as espécies terrestres através de armadilhas fotográficas, principalmente mamíferos de grande e médio porte que vivem no Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, no Amapá, é o principal objetivo da expedição dos pesquisadores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O grupo já estuda a existência de duas espécies na Amazônia que possivelmente nunca antes foram registradas: o gato-mourisco e anta-pretinha.
Desde o ano passado, as armadilhas fotográficas são implantadas no Parque. Só neste ano foram posicionadas 72 câmeras em alguns locais considerados de grande movimentação de animais, de acordo com os pesquisadores.
A aventura começou com a partida da equipe pelo Rio Amapari, no município de Serra do Navio até chegar ao Parque, que abrange uma área de 38.874 km².
A Unidade de conservação brasileira e de proteção integral da natureza fica localizada nos estados do Amapá e do Pará, com território distribuído pelos municípios de Almeirim, Calçoene, Laranjal do Jari, Oiapoque, Pedra Branca do Amapari e Serra do Navio.
Segundo a consultora ambiental do ICMBio, Laís Fernandes, responsável pelo acompanhamento das coletas de campo e pela logística da pesquisa, o estudo utiliza a metodologia do Protocolo Team (Tropical Ecology Assessment & Monitoring Network), do Wild Life Insights, que segundo Laís é uma iniciativa de monitoramento de longo prazo de mamíferos terrestres utilizada em várias regiões florestais do mundo, como Ásia, África, América do Norte e Europa.
“É uma metodologia de avaliação e monitoramento da biodiversidade da ecologia tropical. No Brasil, esse protocolo é realizado em diversos lugares na Amazônia, incluindo o Amapá e permite identificar várias espécies de mamíferos através das câmeras”, informou.
Possíveis novas espécies
A primeira campanha de instalação das armadilhas fotográficas terminou no dia 13 de outubro e segundo as pesquisadoras, os aparelhos vão permanecer por 60 dias registrando a vida silvestre livre no Parque do Tumucumaque. A equipe retorna em dezembro para retirar e estudar os vídeos capturados.
“Ano passado nós registramos 35 mil imagens de fauna livre, dessas 35 mil imagens resultou em 76 espécies identificadas”, disse Fernanda Colares.
E durante a análise das imagens colhidas, a bióloga se deparou com duas possíveis novas espécies registradas no Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque: o gato-mourisco e anta-pretinha.
“Identificamos um gato que é bem raro, o gato-mourisco. Estamos verificando que a pelagem dele talvez seja diferente de pelagens dessa espécie de outras regiões do Brasil. Aqui, o que a gente identificou tem o corpo mais escuro e a cabeça mais amarelada, então, isso pode indicar tendências na variação dessa espécie aqui no Amapá”, explicou Fernanda.
Já a anta-pretinha criou uma expectativa nas pesquisadoras. Segundo Fernanda, é um animal que ainda está em discussão se é, ou não, uma nova espécie.
“Geralmente a gente vê muito a anta marrom, de coloração caramelo. A Sociedade Brasileira de Mastozoologia ainda não bateu o martelo se se trata, ou não, de uma nova espécie de anta para a Amazônia. De qualquer forma essa variação foi localizada no parque, e é diferente da outra espécie”, avaliou.
Mas no Parque do Tumucumaque, além dos mamíferos, algumas aves terrestres também apareceram nas imagens colhidas pelos pesquisadores. A bióloga e analista ambiental do ICMBio, Fernanda Colares, contou que o projeto além de monitorar médios e grandes mamíferos também conseguiu catalogar as imagens dessas aves.
“São aves que caminham pela floresta, que vivem no extrato baixo da mata, como exemplo os mutuns, nambus e jacamins. A implantação das armadilhas fotográficas no interior da floresta nos ajudam a verificar a situação populacional das espécies que vivem no Parque, principalmente os mamíferos. Como eles se comportam, e isso serve para avaliar tendência, variações nessas espécies, além é claro de aumentar a lista de espécies que já existe no Tumucumaque”, avaliou.
Participação de jovens das comunidades
Os pesquisadores contam com o ajuda de comunidades do centro-oeste do Amapá como por exemplo, a comunidade Sete Ilhas, de Pedra Branca do Amapari, colônia de Água Branca, em Serra do Navio, e de aldeias indígenas próximas à região.
De acordo com as pesquisadoras, trabalhar com os jovens das comunidades do entorno do Parque é uma estratégia do ICMBio desde 2014. Atualmente 12 pessoas estão ajudando a equipe.
A instituição oferece vários cursos para esse público, como o Protocolo Team e o Protocolo Monitora, que os capacitou como monitores da floresta.
O treinamento com os jovens é feito a cada dois anos para formação de novos monitores que auxiliarão nos projetos de pesquisa, já que muitos, segundo as pesquisadoras, se deslocam para a capital em busca de oportunidades de emprego.
“Eles já participam de outros projetos do ICMBIO. No ano passado treinamos eles tanto no uso do GPS quanto na configuração e instalação da armadilha fotográfica, fora que eles também nos ajudam com a expertise do conhecimento da floresta, porque eles conhecem muito bem aquela região e nós optamos pelos jovens. Vale lembrar que eles recebem uma ajuda, uma remuneração pelo trabalho”, explicou Fernanda Colares.
O incentivo deu tão certo, que vários jovens já saíram do campo de pesquisa do ICMBio e hoje cursam faculdade em Macapá.
“A gente faz dois tipos de monitoramento. O monitoramento básico que é nas trilhas de monitoramento, eles caminham nas trilhas e fazem o censo por avistamento e o protocolo avançado que é o com as armadilhas fotográficas. Então eles ajudam desde a organização até mesmo a pensar a logística das instalações das câmeras”, disse Laís.
A pesquisadora também falou com empolgação e alegria sobre um desses jovens que morava no Assentamento de Serra do Navio. A partir do conhecimento que já ele já tinha do local e durante as capacitações do ICMBio, surgiu a oportunidade de trabalhar como Guarda Parque no Bioparque da Amazônia.
“Tiveram outras formações que esses jovens puderam participar e uma delas foi a formação de guarda parque que aconteceu de 2016 a 2018, e um desses jovens se destacou. O Jaquiel Cássio, hoje ele é técnico em meio ambiente e trabalha como guarda parque no Bioparque, ele é um grande exemplo que a gente sempre fala”, disse
Expectativas da Pesquisa
A expedição ainda não conseguiu registrar animais classificados como canídeos, embora o parque seja o habitat deles.
“Nós não fotografamos nenhum canídeo. Tem um muito raro que é o cachorro vinagre. Ele não foi identificado nessas últimas filmagens, embora o parque seja área de distribuição dos canídeos, dos lobos, cachorro do mato e o cachorro vinagre. Esses animais são raríssimos de se identificar através de armadilhas fotográficas e até mesmo por outros métodos de amostragem. E aí a gente tem mais alguns anos de projeto pra ver se a gente consegue registrá-lo”, disse esperançosa a bióloga.
O planejamento da equipe, que fica em torno de 20 a 25 pessoas, é que em todos os anos possa ser realizada a instalação das armadilhas para garantir o monitoramento dos animais para o estudo de tendências da população do local.
“Geralmente são duas expedições por ano: uma pra instalar as armadilhas fotográficas e uma pra retirá-las e, para isso, a gente conta com o apoio do Instituto de Pesquisas Ecológica (Ipê), com a Coordenação de Monitoramento da Biodiversidade do ICMBIO, em Brasília e também um apoio fundamental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap) em Atibaía, São Paulo. Temos também o financiamento do Programa Áreas Protegidas da Amazônia,”, concluiu a bióloga Fernanda Colares.
Fonte: G1