(da Redação)
Animais obrigados a viver em zoológicos perdem o seu comportamento natural e não sabem mais viver no seu habitat selvagem. Ao contrário do que acreditam algumas pessoas, nenhum animal condenado a viver confinado em um ambiente artificial pode ser feliz.
Em entrevista ao Terra, a doutora em filosofia moral, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e colunista da ANDA, Sônia T. Felipe, explica o impacto dos zoológicos sobre a vida e o bem-estar dos animais.
Até que ponto os zoos realmente ajudam os animais?
Sônia T. Felipe – Os zoos são centros de confinamento completo de animais. Só por essa sua característica podemos ver que não ajudam em nada os animais ali confinados. Não há animal que possa estar bem a seu próprio modo enclausurado num espaço artificialmente construído por humanos para detê-lo lá.
Eles realmente auxiliam na reprodução e preservação de espécies raras?
Sônia T. Felipe – O que os zoos fazem é procurar a reprodução biológica de espécies ameaçadas de extinção. Mas, quando falamos em preservar espécies não pensamos que uma espécie seja constituída apenas por sua bagagem genética. Cada espécie animal precisa de um espírito específico, que permita a preservação daquele tipo de vida de forma autônoma. Isso os zoos não podem fazer. No máximo, o que eles preservam, é o banco genético.
Ao serem mantidos no cativeiro por tempo muito longo, refiro-me aos indivíduos da primeira geração posta em confinamento, os animais apagam pouco a pouco a memória que constituía seu “espírito” específico. Se duas ou três gerações são mantidas nesse cativeiro, não resta conhecimento algum que permita aos jovens nascidos em confinamento saber interagir no espaço natural e social que seria próprio de sua espécie de vida.
Guardamos, assim, o patrimônio genético, que é matéria biológica. Matamos o patrimônio genuinamente “animal” dessas espécies. Temos apenas “organismos” destituídos de “mente” específica. Por esse motivo, reproduzir animais em zoos não garante que sua espécie de vida seja preservada. Insisto: manter um corpo funcionando não é tudo quando se trata da riqueza espiritual que cada espécie viva representa.
Quais são as consequências para o animal aprisionado em um ambiente que não se assemelha ao seu habitat natural?
Sônia T. Felipe – Se for mantido para o resto de sua vida nesse cativeiro, perderá sua alma. Se for solto depois de algum tempo num ambiente estranho, terá de refazer seu aprendizado para poder sobreviver. Se seus descendentes não tiverem a oportunidade de aprender com ele/ela a sobreviver com os recursos naturais e sociais próprios de sua espécie, de nada adiantará ter preservado apenas sua bagagem genética.
Ao contrário do que costuma ser afirmado ainda por muita gente, a mente dos animais, analogamente à nossa, se constitui na liberdade física que o animal exerce de mover-se para autoprover-se num ambiente onde os limites desse movimento não são impostos seguindo um padrão que interessa aos propósitos humanos. A inteligência dos animais confinados se esvai assim que eles não podem mais usá-la para se autoproverem e proverem os seus.
O debate sobre a questão ética envolvendo zoos está crescendo no Brasil?
Sônia T. Felipe – Acho sinceramente que sequer começou a ser feito com rigor. Os zoos são uma invenção dos invasores, especialmente os europeus, que sequestravam os animais das regiões onde impunham seu domínio tirânico para expô-los ao olhar dos curiosos nos grandes centros urbanos europeus. Hoje, esse costume está completamente superado, tanto do ponto de vista científico quanto ético. Nada aprendemos sobre a natureza de um animal quando o vemos por detrás de grades de ferro, isolado, infeliz e distante do ambiente que seria próprio ao seu caráter.
Com o avanço tecnológico e com o aprimoramento ético dos cientistas que estudam os animais, já não faz sentido algum tirar o animal de seu ambiente, colocá-lo em uma jaula e ficar observando seus gestos e atos. Nada disso faz sentido quando queremos saber algo da mente de um animal. Os melhores estudos animais são feitos in loco. Os maiores etólogos convivem por duas ou três décadas com os animais no ambiente natural e social deles, não nos ambientes humanos. Tudo o que se escreveu até hoje sobre os animais, com observação deles em jaulas, gaiolas e cercados não diz nada do que se passa na mente deles, diz-nos apenas o que se passa na mente bronca dos humanos que assim procedem.
Os zoos só fariam sentido, hoje, se transformados em hospitais de custódia para animais feridos ou ameaçados, que poderiam ser protegidos por tempo determinado, até que pudessem ser devolvidos ao seu ambiente natural. Mas, nesse caso, nenhum zoo deveria ser aberto à visitação pública, do mesmo modo que hospitais e unidades de tratamento intensivo humanos não são centros de exposição ou visitação públicas. Se temos curiosidade para saber como uma determinada espécie animal se move na natureza, melhor ver os filmes feitos por cientistas que abandonaram a vida nas cidades para dedicarem-se integralmente ao estudo da vida animal.
Filmes são hoje um substitutivo mais que eficiente para os zoos. É tempo de criarmos “zoos virtuais”, usando as filmagens feitas por milhares de cientistas e cinegrafistas ao redor do planeta. Com essas filmagens podemos ver cada espécie, do modo como copula ao modo como nasce e morre, passando por todos os eventos que constituem sua vida propriamente dita.