Em uma manhã de final de primavera nos campos do sul de Portugal, a Dra. Marta Acácio apoiou sua escada numa árvore e começou a subir. A quatro metros de altura, alcançou o enorme ninho de cegonha-branca que era seu objetivo. Pelas imagens de uma câmera telescópica, ela sabia que havia um filhote saudável lá dentro — e agora queria anilhá-lo.
Mas quando Acácio, ecóloga da Universidade de Montpellier, na França, tentou pegar o filhote, ele não saía: estava preso ao ninho por um pedaço de fio de enfardamento plástico. Ela virou o filhote e recuou: sua barriga estava infestada de larvas.
“Ele estava sendo devorado vivo por baixo”, conta Acácio.
Com o canivete que agora carrega para lidar com essa situação cada vez mais comum, ela cortou o fio, colocou o filhote em uma sacola e desceu. Ela e seus colegas limparam e desinfetaram o ferimento antes de devolvê-lo ao ninho.
“Eu tinha esperança de que o filhote sobreviveria”, diz ela. “Mas, infelizmente, ele não se recuperou dos ferimentos.”
O ninho era um dos 93 que uma equipe de ecólogos inspecionou semanalmente durante a temporada de reprodução de 2023. As cegonhas constroem ninhos gigantescos ao longo de décadas, que podem pesar até 1.000 kg. Eles ficam apoiados não só em galhos, mas também em estruturas como postes de telefone. Muitas outras espécies de aves, como pardais, estorninhos e peneireiros, vivem dentro desses ninhos.
“O ninho de cegonha é na verdade uma colônia de outras espécies. É uma espécie fantástica”, diz a professora Aldina Franco, ecóloga da Universidade de East Anglia (UEA) e membro da equipe de pesquisa.
Os cientistas suspeitavam que eles — e ecólogos ao redor do mundo — estavam subestimando uma mortalidade oculta causada pelo plástico que as aves incorporam aos seus ninhos. Normalmente, os cientistas inspecionam os ninhos apenas quando os filhotes estão prontos para voar, mas os pais podem descartar rapidamente os filhotes mortos, então aqueles que morrem precocemente devido ao plástico podem não ser contabilizados.
Ao longo de quatro anos, pesquisadores da UEA e da Universidade de Lisboa fotografaram quase 600 ninhos de cegonha-branca (Ciconia ciconia). Depois, em cada semana da temporada de reprodução de 2023, Acácio e Ursula Heinze, da UEA, inspecionaram fisicamente uma seleção dos ninhos.
Os resultados, publicados na revista Ecological Indicators na segunda-feira, são alarmantes. Cerca de 90% dos 600 ninhos fotografados continham plástico. Nos que os cientistas escalaram, mais de um quarto — 27% — tinham filhotes enredados. A maioria tinha apenas duas semanas de vida.
O principal culpado foi o fio de enfardamento, um cordão plástico usado para amarrar fardos de feno: o fio ou sua embalagem foram responsáveis por quase todos os casos de filhotes presos. Alguns ficaram enroscados em plásticos domésticos, como sacolas ou embalagens de leite. Os filhotes morreram por estrangulamento, amputação e ferimentos infectados.
“Eles se mexem, se enrolam e é como se apertassem ainda mais o nó em suas próprias pernas”, explica Franco.
Acácio também gosta de falar sobre resgates bem-sucedidos. Certa vez, ao olhar para um ninho construído no toco de um sobreiro, encontrou dois filhotes de três semanas, com membros enrolados em espirais de fio de enfardamento azul.
“Achei que estavam tão presos que nenhum sobreviveria”, diz Acácio. “Infelizmente, o menor não resistiu, mas o maior, que ainda tem marcas do enredamento, sobreviveu e conseguiu voar.”
Aves em todos os continentes usam plástico e outros resíduos humanos em seus ninhos. Os danos do plástico são bem conhecidos no ambiente marinho, com imagens chocantes de tartarugas, aves marinhas e peixes sendo afetados. Mas pouco se sabe sobre seu impacto nas aves terrestres.
“Isso não é um problema português, nem mesmo um problema das cegonhas-brancas”, diz a Dra. Inês Catry, ecóloga de aves da Universidade de Lisboa que liderou o projeto. “O fio de enfardamento é amplamente usado em muitas regiões de vários países.”
Os poucos outros estudos realizados, nas Américas e na Europa, não envolveram visitas semanais aos ninhos e encontraram taxas de enredamento menores, entre 0,3% e 5,6%. Este estudo encontrou uma taxa de 12%.
Em Montana, nos EUA, Marco Restani, biólogo de vida selvagem da empresa de energia NorthWestern Energy, trabalha com voluntários para monitorar águias-pescadoras que nidificam ao longo de 600 km do rio Yellowstone.
Restani diz que, embora o enredamento em plástico ainda não seja uma ameaça populacional para as águias-pescadoras, os casos que encontra são “horríveis”.
“É uma morte terrível. E é horrível também para quem a descobre.”
Na Argentina, a Dra. María Soledad Liébana, bióloga de aves de rapina do Instituto de Ciências da Terra e do Meio Ambiente de La Pampa, estudou o enredamento em plástico entre filhotes de caracará-do-sul, um tipo de falcão.
“O enredamento em plástico parece ser uma ameaça séria e crescente para uma ampla variedade de espécies de aves, em muitas regiões do mundo”, diz ela.
Para aves já ameaçadas por outros fatores, uma taxa de 12% de enredamento pode “exercer uma pressão enorme”, diz o Dr. Neil James, ecólogo da Universidade das Highlands e Ilhas, na Escócia.
James criou um site em 2019, birdsanddebris.com, onde qualquer pessoa pode relatar casos de enredamento e resíduos humanos encontrados em ninhos. Até agora, ninhos de 160 espécies em todo o mundo — um número alarmante — foram relatados com detritos humanos, e dois terços dessas espécies são terrestres, diz ele.
A equipe de Heinze alerta que o fio de enfardamento está se acumulando na paisagem em um ritmo assustador. O mercado valia US$ 300 milhões (R$ 1,5 bilhão) globalmente em 2023, e 80 mil toneladas eram usadas anualmente na Europa em 2019. Não se sabe quanto disso vaza para o meio ambiente.
Embora os agricultores tenham um papel crucial na prevenção do vazamento de plástico — como garantir que nenhum resíduo seja deixado no campo —, muitos aspectos da pegada plástica estão fora de seu controle, como a existência de locais de reciclagem próximos ou alternativas biodegradáveis.
Sistemas de coleta são irregulares na Europa, mas pesquisas mostram que, onde existem, têm sido eficazes. Cientistas estudam substitutos para o fio de polipropileno, e algumas opções biodegradáveis já estão no mercado.
Enquanto isso, os pesquisadores defendem que o fio de enfardamento de polipropileno seja considerado um material perigoso e banido. Eles também pedem ações de remediação ambiental para removê-lo da natureza.
Traduzido de The Guardian.