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ESTADOS UNIDOS

'Ficam como zumbis': doença contagiosa fatal em veados e alces é uma reflexo das mudanças climáticas

20 de março de 2025
4 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

Em um cenário que se expande de costa a costa nos Estados Unidos, novos focos de Doença Debilitante Crônica (CWD, na sigla em inglês) têm sido detectados em diversos estados. Essa enfermidade neurodegenerativa, contagiosa e fatal, afeta a família dos cervídeos, incluindo veados, alces e renas. Sem vacina ou tratamento disponível, a CWD é descrita por cientistas como um “desastre em câmera lenta”, com potencial para impactar não apenas a vida selvagem, mas também a saúde pública.

A doença, que surgiu silenciosamente em veados selvagens no Colorado e Wyoming em 1981, já se espalhou para 36 estados dos EUA, além de partes do Canadá, Escandinávia e Coreia do Sul. Conhecida na mídia como “doença do veado zumbi” devido aos sintomas que incluem baba, emagrecimento, desorientação e comportamento anormal, a CWD tem preocupado especialistas pelo risco de transmissão para humanos e outras espécies.

Michael Osterholm, epidemiologista e diretor do Centro de Pesquisa e Política de Doenças Infecciosas da Universidade de Minnesota, alerta que o apelido “zumbi” trivializa a gravidade do problema. “Isso dá a impressão de que se trata de uma ameaça fictícia, mas a CWD é um problema de saúde pública e da vida selvagem extremamente sério”, afirma. Osterholm já havia alertado, há cinco anos, sobre o risco de transmissão da doença para humanos através do consumo de carne de caça contaminada. Na época, suas preocupações foram vistas como alarmistas, mas hoje, com o avanço da doença, mais cientistas compartilham de seu temor.

Embora ainda não haja casos documentados de humanos infectados pela CWD, especialistas comparam a situação à crise da “doença da vaca louca” (BSE), que demorou anos para ser compreendida e causou mortes em humanos. A CWD, causada por príons — agentes patogênicos anormais e resistentes —, pode permanecer ativa no solo por anos, contaminando animais que entram em contato com áreas infectadas. A doença só pode ser diagnosticada após a morte do animal, o que dificulta a detecção precoce.

Um relatório publicado em janeiro de 2025 por um painel de 67 especialistas em doenças zoonóticas alertou que a transmissão da CWD para humanos poderia desencadear uma crise global, com impactos severos na saúde pública, economia, agricultura e comércio internacional. O estudo concluiu que os EUA estão despreparados para lidar com um possível surto e que não há uma estratégia internacional unificada para conter a disseminação da doença.

A caça de veados e alces é uma tradição em muitos estados, e pesquisas indicam que 20% dos americanos já caçaram esses animais, enquanto mais de 60% já consumiram sua carne. Com a expansão da CWD, dezenas de milhares de pessoas podem estar consumindo carne contaminada sem saber. “Caçadores que compartilham a carne com outras famílias é uma prática comum”, diz Osterholm. Apesar das recomendações para testar animais abatidos em áreas de risco, muitos caçadores ignoram os protocolos.

Além disso, o transporte de carcaças de animais caçados através das fronteiras estaduais tem levantado preocupações sobre a dispersão de príons. Estudos do US Geological Survey mostram que carcaças potencialmente infectadas estão sendo movimentadas pelo país, aumentando o risco de contaminação ambiental. Em alguns estados, o descarte inadequado de carcaças em aterros sanitários pode criar depósitos de resíduos tóxicos, ampliando o problema.

A CWD é considerada uma “ameaça existencial” para as populações de cervídeos, essenciais para as tradições de caça nos EUA. Em regiões como o Parque Nacional de Yellowstone, onde a doença já foi detectada, o impacto pode ser devastador. Estudos indicam que, em áreas onde a CWD se estabelece, a mortalidade de animais infectados supera a taxa de reprodução, podendo levar ao declínio populacional.

A presença de predadores naturais, como lobos e ursos, pode ajudar a controlar a disseminação da doença ao eliminar animais doentes. No entanto, políticas em estados como Wyoming, que reduziram drasticamente as populações de predadores e mantêm áreas de alimentação artificial para cervídeos, têm sido criticadas por especialistas. “Wyoming escolheu ignorar os alertas de conservacionistas e cientistas”, diz Lloyd Dorsey, conservacionista do Sierra Club. “Essas decisões estão nos levando a uma crise previsível.”

A CWD representa um desafio complexo, com implicações para a saúde pública, a vida selvagem e os ecossistemas. Enquanto os cientistas pressionam por maior vigilância e políticas baseadas em evidências, a falta de preparo e a negação do risco continuam a agravar a situação. “Estamos vivendo as consequências de decisões baseadas na negação”, diz Tom Roffe, ex-chefe do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA. “Precisamos agir agora para evitar uma catástrofe maior.”

A conservação de paisagens saudáveis, a redução da alimentação artificial de cervídeos e a proteção de predadores naturais são medidas essenciais para conter a disseminação da CWD. Como afirma Dorsey, “seria uma tragédia continuarmos a cometer os mesmos erros, especialmente em um lugar icônico como Yellowstone, onde a conservação da vida selvagem deveria ser feita da maneira correta.”

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