“Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.”
Ele dava asas à imaginação como quem tenta fugir da realidade que, a um só tempo, seduz e oprime. Dizia que ninguém compreende o outro. Somos, segundo suas palavras, náufragos da paixão: “Corre entre nós o rio que nos define e separa”. Como vasos partidos, vivemos estilhaçados entre mentiras e traições. Por isso nenhum amor carnal redime, porque o amar é a eterna inocência do querer. Amar o amor. Encanto que permanece encanto se não for quebrado. Fonte inesgotável de inspiração. Flor de silêncio e plenitude. Amor sincero. Sincero amor. Era tudo o que buscava esse poeta obcecado pelo olhar interior, amante visual do belo e das expressões secretas da Natureza:
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma,
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
E conclui, serenamente, o cantador do eu profundo:
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na natureza não é porque saiba o que ela é.
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem sabe o que é amar…
A noite antiquíssima vinha sempre inspirá-lo, na indefinida hora em que a lua começava a ser real. Poeta das estações, a primavera para ele não era uma coisa, mas uma maneira de dizer. A primavera como uma maneira de dizer… Tal qual a borboleta que não tem cor nem movimento, ou as flores que não têm perfume nem cor. Porque a cor é que tem cor nas asas da borboleta e o perfume é que tem perfume no perfume da flor. Somos o que somos. Estradas em busca do sol. Chuva oblíqua. Pastores amorosos. E nesse transe voluntário os versos do poeta vicejam pungentes, à sombra dos muros de silêncio que ele edificara:
Os sonhos são sempre os sonhos
Por isso precisas não tocar em nada
Se tocardes o teu sonho morrerá.
Imprevisível ator das ilusões humanas, seu rosto assumia fascinantes máscaras: Alberto Caeiro, guardador de rebanhos; Ricardo Reis, humanista nostálgico; Álvaro de Campos, rebelde introspectivo; Bernardo Soares, niilista do desassossego; e, por vezes, Alexander Search, literato inglês. Atrás dessas personagens – ou heterônimos, melhor dizendo – ocultava-se a autêntica face do gênio:
O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
Seu único livro publicado em vida, Mensagem, conseguiu apenas o segundo lugar no concurso nacional de poesia promovido pelo Secretariado de Propaganda Nacional, de Portugal, em 1934. No ano seguinte o autor estaria morto. Sua obra, todavia, tornou-se imortal. Todo o restante de sua vasta produção intelectual – de publicação póstuma – permaneceu, durante anos, adormecido no fundo de uma arca, por opção do artista, reconhecidamente avesso à notoriedade e ao convívio social.
Chamava-se FERNANDO PESSOA esse homem – tido como um dos maiores poetas de língua portuguesa – cuja voz melhor representou a angústia existencial de um tempo de incertezas. Ele que, de modo obstinado, quis o amor que não é vão. Ele que encontrou na natureza intocada seu olhar mais puro e verdadeiro. Ele que um dia, da janela aberta da sua própria solidão, esboçou o sereno canto de uma despedida:
Quando tornar a vir a Primavera
Talvez já não me encontre no mundo.
Gostava agora de poder julgar que a Primavera é gente
Para poder supor que ela choraria.
Vendo que perdera o seu único amigo.
(…)
Só quando vem a noite sinto,
Por um momento, a esperança das coisas.
Mas essa esperança é breve.
E fito, pobre alma cansada do corpo,
Muitas estrelas, muitas estrelas, muitas estrelas…