Por Glaucia Amaral*
A sociedade brasileira está sob impacto de imagens fortes apresentadas na TV e redes sociais. Uma mãe de família com aparente frieza e método torturante mata um animal – dos mais inofensivos, um cachorro Yorkshire – diante de sua filha de um ano e meio. Essa mãe de família também é enfermeira. Fato que apavora mais ainda: o que faria com qualquer vida que considerasse inferior?
Não pretendo aqui me alongar nesta triste história. E sim passar a tratar da questão dos animais domésticos em nosso país.
Temos vivido diariamente assaltados por notícias trágicas: cachorros arrastados por carros até a morte, gatos mergulhados em óleo quente (isso aconteceu diante de minha mãe, que, cardíaca e com 70 anos, enfrentou a todos os homens envolvidos para impedir). E, mais recentemente, antes da história do Yorkshire… um filhote enterrado vivo, que ficou cego, e adolescentes que arrancaram o focinho de um cachorro, para ver como ficava.
Sim… grandes tragédias acontecem com seres humanos também. E revoltam. E precisam ser punidas.
Uma infelicidade para nós, humanidade, estarmos mergulhados em tudo isso.
Mas, ao menos no sistema penal brasileiro, existem normas severas prevendo a punição daqueles que agem com crueldade contra “animais humanos”.
Mas, e quanto aos “animais não-humanos” e, especialmente, os domésticos?
E outra? Porque destacar os animais domésticos dos demais?
Em relação aos animais domésticos, assim tratados normalmente os cães e gatos, em nosso país, a norma aplicável é a Lei nº 9.605 de 1998, que prevê penalidades a quem praticar atos de violência contra animais silvestres e domésticos. Inclusive prevendo as penas alternativas à prisão, como entrega de cestas básicas.
A equiparação entre animais silvestres e domésticos, em pleno século XXI, é, francamente… um absurdo.
Animais domésticos vivem à mercê da civilização humana desde sua sobrevivência e alimentação. Se cidadãos, que deveriam ser respeitados, não têm assistência social, médica, de segurança, etc. muito menos um cachorro ou gato de rua terá. Completamente desabilitado, por milênios de civilização humana, a sobreviver da caça.
Por outro lado, esses animais não têm capacidade de reação articulada: se trancados em uma casa, ou apartamento, podem sofrer qualquer tipo de violência e se alguém não denunciar, morrerão sob tortura.
Essa é a nossa sociedade. Essa é a humanidade.
Já animais silvestres, em tese, estão mais distantes. Não merecem menos proteção. Mas gostaria de ver alguém agredir uma onça repetidamente dentro de um apartamento, e aí poder avaliar se a pena deveria ser igual a torturar um poodle até a morte.
Independente de qualquer avaliação, existem aqueles que denunciam.
E o Brasil, em 1978, subscreveu a Declaração Universal dos Direitos dos Animais da Unesco. Que afirma o direito dos animais à comida(?!), água(?!), abrigo de sol e chuva (?!), assistência veterinária (?!), e, caso necessário, morte digna e sem sofrimento.
Francamente… quem adota ou compra um animal sem a intenção de prover-lhe ao menos isso? O Direto brasileiro evolui ao menos para declarar que não somos “donos de amimais” e sim “tutores”.
É necessário considerar que muitas famílias que têm animais não possuem nem esses requisitos mínimos para manter a si mesmas. Porém, verdade seja dita: não é dessa faixa da população que vêm as torturas que mais chocam o país.
O efeito jurídico da Declaração de Direitos dos Animais de 1978 (repita-se esta data) é de mera recomendação… ou seja: que o Brasil a use com norte quando for decidir suas políticas públicas acerca dos animais não-humanos.
Aparentemente, de 1978 até aqui… pouco se evoluiu. Cachorros, gatos, coelhos, tartarugas e quaisquer outros animais morrem de fome, sede, frio, de tomar chuva, de apanhar… São tratados, muitas vezes, pior que brinquedos. E o Estado Brasileiro não se posiciona.
O Brasil também referendou encontro de Médicos Veterinários da América Latina condenando a carrocinha como ineficiente. A “carrocinha” é método de recolhimento e futura morte dos animais em centros de zoonoses, mesmo sendo saudáveis – voltada essencialmente contra cachorros e gatos.
Todos estes atos internacionais, porém, até o momento, serviram para quase nada.
E assim, nossos compatriotas seguem: comprando e abandonando. Sufocando em frente dos filhos. Jogando na rua. Deixando morrer de fome… aqueles que são chamados de melhores amigos do Homem.
Existem poucas situações em que acho que o problema seja o fato da legislação ser branda. Em sua maioria, acho que falta só ser aplicada. Mas, no caso dos animais domésticos sou obrigada a dizer: é pouca penalidade para muita crueldade.
Espero que nossos parlamentares mudem isso e que não seja mais possível dizer: “o cachorro é meu, eu arrasto pela rua, de carro, se eu quiser”. E pagar quatro cestas básicas, mesmo o cachorro morrendo (caso do cachorro Lobo, que inspirou o movimento #Lei Lobo).
Espero, em 2012, que o Brasil honre o que assinou em 1978 e aplique em nosso território a Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Existe até Frente Parlamentar no Congresso Nacional com este objetivo.
E aí poderemos começar a pensar em paz nesta terra… onde o Sabiá poderá gorjear sem medo. Porque seremos, de fato, homens e mulheres de boa vontade. Com respeito à toda criação.
Publico isso às vésperas do Natal. Para uns… o nascimento de Cristo. Para outros, feriados sem trabalhar.
É o meu pedido ao Papai Noel.
*Glaucia Amaral é vice-presidente da Associação Nacional de Procuradores do Estado do Mato Grosso
Fonte: Terra