Há algum tempo, a dupla arroz e feijão é sinônimo de uma refeição completa e saudável no Brasil. No entanto, estudos apontam que o feijão está se tornando um item cada vez menos comum no prato de muitos brasileiros, aumentando riscos de saúde da população. Do consumo de ultraprocessados à maior temperatura do planeta, muitos fatores estão contribuindo para o menor consumo do alimento. A tendência é que o brasileiro deixe de comer o alimento de forma regular até 2025, passando a consumi-lo de forma não regular (uma a quatro vezes na semana apenas), segundo a pesquisa ‘Redução do consumo de alimentos tradicionais na dieta do brasileiro: tendências e previsões do consumo de feijão (2007-2030)’, feita por pesquisadores brasileiros e publicada no Cambridge University Press,
A pesquisadora Fernanda S. Granado, que fez parte do estudo, afirmou em entrevista ao site da Faculdade de Medicina da UFMG, que a oscilação do valor e a praticidade encontrada no consumo dos ultraprocessados ajudam a explicar a tendência.
Vender soja para outros países está tirando o feijão do nosso prato.
A escalada de preço do feijão passa dos 100% nos últimos dez anos, o que tem feito brasileiros trocarem o tradicional ‘prato feito’, com arroz e feijão, por salgados. Mas a alta de preços que vemos nas gôndolas nasce no campo, ou mais propriamente no mercado que o regula. Alcido Wander, pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão, diz que os produtores de feijão costumam plantar outras culturas, como soja e milho. “Entre os grãos, o feijão é o mais distante do que seria uma commodity — produtos homogêneos, sem marca, padronizados, em que há muitos vendedores e muitos compradores, além de um intenso comércio internacional”, explica o pesquisador. Desse modo, o principal desafio é fazer com que o feijão seja mais rentável em detrimento das culturas de commodities.
“As commodities possuem maior previsibilidade na comercialização, inclusive com venda antecipada de um a dois anos, o que não é possível com o feijão, Alcido Wander, pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão”
, Alcido Wander, pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão
O quadro pode colocar em risco, sobretudo, o feijão carioca, consumido exclusivamente no Brasil. “Com menos demanda, haverá menos oferta. Então, alguns agricultores que plantam feijão podem vir a trocar feijão carioca por outros tipos de grãos de feijão (exportáveis, por exemplo) ou até mesmo outras culturas”, afirma Wander.
Mundo mais quente torna lavouras de feijão menos produtivas
Não bastassem as barreiras do mercado, as mudanças climáticas também marcam o seu lugar no problema. A previsão é que o Brasil tenha que produzir 1,5 milhão de toneladas a mais do grão em 2050 para atender à demanda pelo produto A aceleração da produção está ligada à maior temperatura do ar, que tem previsão de aumentar entre 1,23 Cº a 2,86 Cº em 30 anos. Isso traz impactos para a cultura do feijão, que terá a sua produtividade efetiva diminuída — ou seja, a mesma quantidade de lavoura produzirá menos feijão. Mas por que isso acontece? O clima mais quente afeta a chamada ‘fase reprodutiva da lavoura’, causando abortamento de flores e impedindo a formação da vagem, que é onde está o grão do feijão. As projeções fazem parte de pesquisa feita pela Embrapa em parceria com a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), e publicada na revista científica Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), e publicada na revista científica Agricultural Systems.
“Usamos dois cenários, o melhor possível e o pior possível, e rodamos virtualmente esses cenários para entender os impactos no feijoeiro”, explica Alexandre Bryan Heinemann, pesquisador da Embrapa Arroz e Feijão e um dos responsáveis pelo estudo. Heinemann diz que, atualmente, esse impacto do aumento da temperatura já pode ser observado no aborto das flores e na produção de grãos menores. Segundo ele, esse levantamento é essencial para o planejamento do futuro.
Heinemann diz que, atualmente, esse impacto do aumento da temperatura já pode ser observado no aborto das flores e na produção de grãos menores. Segundo ele, esse levantamento é essencial para o planejamento do futuro. “Esses dados são repassados aos programas de melhoramento genético para que esses pesquisadores possam procurar características das plantas que resistam ao estresse térmico. Mas cultivar um novo [transgênico] leva de 10 a 12 anos”, afirma Heinemann.
Comer menos feijão aumenta chances de obesidade
Remover o feijão do prato também aumenta as chances de desenvolver obesidade. É o que apontam os resultados de pesquisa feita por Fernanda S. Granado em seu doutorado, no Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Medicina da UFMG.
De acordo com o estudo, o grupo que não comeu feijão teve chances 10% maiores de ter excesso de peso e 20% maiores de desenvolver obesidade. O estudo usou dados de mais de 500 mil adultos, que foram acompanhados de 2009 a 2019 por meio de entrevistas telefônicas e fazem parte do Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico.
A POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) conduzida pelo IBGE, que visa mensurar as estruturas de consumo e dos gastos das famílias brasileiras, também mostra, em seus últimos inquéritos 2008/2009 e 2017/2018, uma diminuição no consumo de arroz e feijão nos lares brasileiros.
“Houve uma redução no consumo de feijão considerando o intervalo de aproximadamente dez anos das duas pesquisas, de 76% para 72%, assim como para o arroz houve variação de 84% para 76%”, diz Dirce Marchioni, coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Combate à Fome e que fez parte da equipe técnica da POF’
“O maior consumo de alimentos ultraprocessados, em particular pelos adolescentes, aponta para um perfil de consumo com potencial impacto negativo à saúde”, diz Marchioni para Ecoa.
A pesquisadora afirma que é preciso manter a tradição da dupla arroz e feijão, que é base de uma dieta equilibrada e que pode combater a escalada de alimentos industrializados na mesa do brasileiro.
“Esse processo de manter o hábito significa a valorização da culinária brasileira, o fazer ‘comida de verdade’, e é um caminho para a contraposição de uma alimentação com participação de alimentos como os ultraprocessados.”
Dirce Marchioni, coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) Combate à Fome
Fonte Ecoa Uol