Por Simon Barnes/Daily Mail (Tradução: Patricia Tai/ANDA – Agência de Notícias de Direitos Animais)
As descobertas desafiam explicações. Recentemente, uma pesquisadora que estudava chimpanzés nas savanas da República de Guiné ficou desconcertada ao encontrar uma estranha árvore, cheia de cicatrizes em seu tronco.
Laura Kehoe, estudante de doutorado da Universidade de Humboldt, em Berlim, se perguntou se aquilo teria sido feito pelos chimpanzés.
Então, ela colocou uma câmera remota e ficou provado que os chimpanzés estavam mesmo por trás daquela obra. Um grupo se aproximou da árvore e se comportou de um modo altamente incomum.
Alguns deles atiravam pedras na árvore sem razão aparente, o que explicava as marcas. Outros reuniam pedras e colocavam-nas aos pés da árvore, criando um monte. Isso não era um jogo ocioso.
Os chimpanzés estavam totalmente comprometidos com atirar pedras e formar os montes, e o seu comportamento não parecia servir a nenhum propósito prático.
A pesquisadora supôs que, talvez, os animais estivessem usando a árvore para se comunicar entre si a longa distância, jogando as pedras para produzir um som que pudesse ser ouvido à distância.
“Mas por que, então, um chimpanzé ainda jovem dispunha silenciosamente as pedras dentro da árvore?”, inquiriu Laura. “E que uso teria um monte de pedras para uma comunicação à distância?”.
Embora ela resistisse em pensar nisso, uma sugestão se mantinha fixa na mente de Laura: talvez aquilo fosse uma demonstração de reverência. Uma forma de ritual. “E se assim fosse, isso significaria – por mais incrível que pudesse parecer – que os chimpanzés praticam algo a que podemos chamar de religião?”, continuou indagando a pesquisadora.
“Você deve ter cuidado com tais sugestões, se você for um cientista. Acadêmicos têm pavor de impingir ideias humanas sobre não-humanos, e a noção de religião nos animais é a mais inverossímil possível para a maioria dos cientistas”, disse ela.
Mas, ainda assim, Laura defendeu a sua impressão: “Talvez nós tenhamos encontrado a primeira evidência de chimpanzés criando um tipo de altar, podendo indicar que consideram certas árvores como sagradas”, disse ela.
E, se pensarmos um pouco sobre isso, o fato dos chimpanzés não serem humanos não representa motivo para descartarmos a possibilidade daquela árvore ter algum significado especial para eles.
Além disso, nós humanos compartilhamos mais de 98 por cento de nosso material genético com os chimpanzés. Entre os muitos traços que temos em comum estão a inteligência, as habilidades de comunicação e de uso de ferramentas, um forte senso social e habilidades de solucionar problemas.
Conforme aponta Simon Barnes, editor do Daily Mail, a sugestão de que ambas as espécies podem ter uma experiência compartilhada de reverência não é algo inédito na história da filosofia e da ciência.
Ele explica que os antropólogos costumam inferir que a religião se desenvolveu entre humanos para ajudá-los nos tempos difíceis e, sobretudo, como um meio de lidar com a questão da morte.
Isso envolve um entendimento do que é a morte: há um consenso de que ela é um estado permanente, e que alguém que morre não será visto com vida novamente.
Já foi amplamente aceito que esse entendimento foi um dos abismos intransponíveis que separam os animais humanos dos não-humanos definitivamente: porém, diante de certos fatos, essa visão está sendo modificada.
A etologista Cynthia Moss devotou a sua vida a estudar os elefantes. Certa vez, ela observou o comportamento de um grupo de elefantes após caçadores terem matado um membro do seu rebanho, uma elefante a quem Moss deu o nome de Tina.
“Eles permaneceram em torno da carcaça de Tina, tocando-a gentilmente com as suas trombas e pés…eles tentavam cavar o chão e conseguiram que um pouco de terra se levantasse e se espalhasse sobre o corpo dela”.
“Trista, Tia e alguns dos outros saíram e quebraram galhos de arbustos ao redor, trazendo-os e os posicionando junto à carcaça…até a noite, eles haviam praticamente enterrado o corpo de Tina com os galhos e a terra”.
Ela conta que eles ficaram em vigília diante do corpo da amiga durante toda a noite e, somente quando se aproximava o amanhecer, eles relutantemente foram embora.
“A conclusão é livre, mas o incidente certamente parece demonstrar uma consciência da morte, bem como a tristeza subsequente e um ritual de luto anunciado”, diz Laura.
Ela diz não ter dúvidas de que um elefante sabe o que é a morte, após ter testemunhado uma mãe elefante angustiada ao ver o seu filho sendo pego por um crocodilo. E, se você entende a morte e a perda que ela nos traz, você tem que encontrar um meio de viver e lidar com isso.
Barnes apresenta ainda uma outra história. A região de San Ignacio lagoon, em Baja California (México), costumava ser um campo de matança de baleias. Por ser um ponto de acasalamento e nascimento de baleias cinzentas no final de sua migração anual, caçadores iam até lá com seus barcos no último século e transformavam as calmas águas, deixando-as vermelhas com o sangue dos animais.
Mas eles não realizavam o seu intento com facilidade. Os caçadores chamavam as baleias cinzentas de “devil-fishes” (“peixes demônios”), pois elas investiam contra eles para se defender, atacando e virando os barcos deliberada e sistematicamente.
Barnes conta que estava lá há alguns anos atrás, em um barco pequeno. As baleias se aproximaram com grande entusiasmo, mas não viraram o seu barco. Ao invés disso, levantaram as suas cabeças para fora da água em sua direção.
“Eu vi mães empurrando os seus filhotes para mim, para que eles tivessem a estranha – e talvez educativa – experiência de serem acariciados e beijados por humanos. Nos primeiros anos de observação de baleias, quando cessou a matança, os barcos eram abordados por baleias procurando contato físico, e que traziam cicatrizes de harpões. Isso é seriamente estranho”, diz ele.
“Seria demais afirmar que se tratava de um ritual de perdão das baleias pelos nossos erros do passado. Mas para nós humanos, sempre propensos ao sentimentalismo, foi o que pareceu”, acrescentou Barnes.
Conforme a reportagem, na floresta de Gombe, na Tanzânia, um inusitado comportamento tem sido observado em babuínos, que são primatas bem mais distantes de nós em termos evolucionistas que os chimpanzés. Em diversas ocasiões, eles têm sido vistos sentados todos juntos, contemplando a água do riacho.
Grupos de babuínos são ruidosos e agitados: mas ali havia um silêncio e uma serenidade que duraram 30 minutos, mesmo nos indivíduos mais jovens e barulhentos.
“Tem sido sugerido que aquilo continha elementos de uma meditação em grupo: algo que não está muito distante de uma cerimônia religiosa”, disse Barnes.
Um fato similar foi observado entre chimpanzés. Lionel Tiger, antropólogo e professor da Universidade de Rutgers, de Nova Jersey (EUA), presenciou um período de paz compartilhada após a primeira refeição do dia por um grupo de chimpanzés, em um local que parecia seguro, rodeado por árvores altas – “no estilo de uma catedral”, disse Tiger. “Seriam as nossas catedrais cheias de pilares uma memória ancestral e inconsciente de tais lugares?”, pergunta o cientista.
Segundo Tiger, aqueles momentos representavam uma diminuição marcante das tensões do dia a dia da vida em comunidade. Notava-se diversos procedimentos de auto higiene sendo praticados pelos chimpanzés. Os machos dominantes deixavam de ter embates com os demais. “Era um tempo especial, de conforto compartilhado: algo que você poderia chamar de cerimônia religiosa”, sugeriu ele.
A primatologista britânica Jane Goodall passou toda a sua vida com chimpanzés, e nenhuma pessoa sabe mais do que ela sobre esses nossos parentes mais próximos. Ela diz ter testemunhado alguns comportamentos extraordinários ao longo de décadas que passou no parque nacional Gombe Stream, na Tanzânia. A seguir, ela descreve um chimpanzé se aproximando de uma cachoeira:
“Conforme ele chegava mais perto, e o barulho da água que caía ficava mais forte, seus passos se aceleraram, seus pelos ficaram arrepiados e, ao chegar, ele realizou uma magnífica performance aos pés da queda d’água.
Permanecendo de pé, ele oscilou ritmicamente de um pé para o outro, tocando na água, e atirando pedras. Algumas vezes ele subia em galhos que pendiam das árvores e balançava sob a água que caía. Essa ‘dança’ durava de 10 a 15 minutos.
Chimpanzés também foram vistos dançando em cumprimento a chuvas fortes, durante violentas tempestades de vento e em resposta a incêndios”.
Ela relata que, enquanto a maioria dos animais fugia durante um incêndio, os chimpanzés muitas vezes se demoravam, maravilhados com as chamas. “Não é possível que essas performances sejam estimuladas por sentimentos análogos à admiração e reverência?”, questiona Goodall.
E ela vai um pouco além: “Se os chimpanzés podem compartilhar os seus sentimentos e questões uns com os outros, estas demonstrações elementais não poderiam se tornar ritualizadas em alguma forma de religião animista? Será que eles adoram as cachoeiras, as tempestades que caem, os trovões e relâmpagos – enfim, como os deuses dos elementos?”.
Barnes acredita que uma total rejeição dessas ideias seria tão tola quanto uma aceitação absoluta. Mas ele ressalta que tudo o que já veio a ler e observar em humanos e animais durante toda a sua vida de redator sobre o mundo natural só leva a confirmar que nós temos muito mais em comum com os nossos amigos não humanos do que pensamos.
“Estejamos nós falando sobre comunicação, inteligência, resolução de problemas, fabricação de ferramentas, autoconsciência, habilidade de experienciar tristeza, felicidade e amor, Charles Darwin estava certo quando declarou que a diferença entre a mente dos homens e dos animais mais desenvolvidos certamente é de grau e não de espécie”.
“Então, por que não acrescentar religião à lista?”, pergunta Barnes.