EnglishEspañolPortuguês

MEDO E ESTRESSE

Falta de regulação deixa animais em risco com fogos de artifício

13 de julho de 2025
5 min. de leitura
A-
A+
Foto: Ilustrativa/IA

No fim do mês passado veiculou-se a notícia de que cinco cães que viviam no abrigo São Francisco de Assis, em Caruaru, no agreste de Pernambuco, morreram em decorrência da soltura de fogos de artifício com estampido. Apesar da trágica ocorrência, o fato não é isolado, uma vez que frequentemente se noticiam mortes e/ou sofrimento de pessoas humanas e animais ocasionados pela soltura de fogos de artifício — especialmente os que produzem estampido.

Os fogos com estampido provocam sofrimento em pessoas idosas, pessoas sensíveis, pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) e em animais. A sensibilidade desses grupos é acentuada pela imprevisibilidade dos fogos, pela iluminação intensa e pelos ruídos expressivos.

No que tange especificamente aos animais, é sabido que o barulho intenso dos fogos pode desencadear episódios de vômito, diarreia, estresse, medo, ansiedade, crises cardiorrespiratórias e convulsões, acarretando tentativas de fuga e refúgio que podem gerar fraturas e até mesmo a morte. Com relação às aves, os fogos de artifício podem ser fatais. Tal probabilidade aumenta quando há estampido, pois, além do risco da colisão direta, o alto estrondo pode gerar desorientação e fazer com que os animais voem em situações climáticas impróprias, inclusive abandonando seus ninhos e filhotes.

Legislação

A legislação nacional referente à fabricação, ao comércio e ao uso de artigos pirotécnicos é delineada pelo Decreto-Lei nº 4.238 de 1942, que estabelece que “são permitidos, em todo o território nacional, a fabricação, o comércio e o uso de fogos de artifício, nas condições estabelecidas neste decreto-lei”, dividindo os artefatos nas classes A, B, C e D — sendo classificados como A os de menor potência e como D os de maior potência.

Apesar do referido decreto, a legislação atinente à queima de fogos é diversa entre cidades e estados brasileiros, havendo locais que proíbem completamente a utilização, enquanto outros a restringem a determinadas áreas, eventos e/ou horários. Por exemplo, destaca-se que, no Rio Grande do Sul, a Lei nº 15.366/2019 proíbe a queima e a soltura de fogos de estampido e de artifícios ou de quaisquer artefatos pirotécnicos de efeito sonoro ruidoso que ultrapassem 100 dB (cem decibéis) a uma distância de 100 metros de sua deflagração.

Já a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro estabelece que a fabricação e a comercialização de fogos de artifício no município não são permitidas, sendo a utilização consentida apenas em casos especiais e por instituições, conforme regulamentado por ato do prefeito.

Também no âmbito municipal, a cidade de Itapetininga, no interior de São Paulo, dispôs, por meio da Lei Municipal nº 6.212/2017 que “fica proibido na zona urbana do Município de Itapetininga a soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que produzam estampido”, estipulando multa aos infratores.

Falta de abrangência nacional

Destaca-se, portanto, que, apesar do decreto-lei de âmbito nacional, não há uma normativa única sobre fogos de artifício com estampido, uma vez que, diante da problemática e impulsionados por movimentos e pressões populares, alguns estados e municípios legislaram de forma mais restritiva sobre o tema.

Em virtude do surgimento dessas legislações de âmbito não nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi chamado a decidir sobre a constitucionalidade das mesmas e, em maio de 2023, por meio de decisão unânime tomada no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.210.727 com repercussão geral (Tema 1056), decidiu que os municípios têm legitimidade para aprovar leis que proíbam a soltura de fogos de artifício e artefatos pirotécnicos que produzam estampido.

Na ocasião, a Corte entendeu que os municípios têm a competência concorrente para legislar sobre meio ambiente, podendo promover padrões mais elevados de proteção à saúde e ao meio ambiente. No julgamento destacou-se a competência concorrente para se legislar sobre conversação da natureza, proteção e defesa da saúde (artigo 24/Constituição) e a competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber (artigo 30/Constituição).

Apesar da decisão do STF, cabe sublinhar que tramitam no Congresso projetos de lei sobre a temática, buscando regulamentar o tema de forma satisfatória em âmbito nacional. Destaca-se aqui o Projeto de Lei (PL) nº 5 de 2022, que visa a restringir, em todo território nacional, a fabricação, o processamento, o manuseio, a importação, o comércio, a distribuição, o fornecimento, o transporte, a armazenagem, a guarda, o porte e a manutenção em depósito de fogos de artifício de estampido ou de qualquer outro artefato pirotécnico que produza estampido. O PL não se aplica a produtos destinados à exportação para outros países, nem aos artefatos que produzam níveis máximos de pressão sonora de até 70 dB (setenta decibéis).

Ainda estabelece que o descumprimento da lei ensejará responsabilidade civil, penal e administrativa, resultando na apreensão dos artefatos, na análise quanto prática de crime de maus-tratos aos animais e na reparação por dano moral coletivo contra os animais, além da aplicação de multas.

Princípios da dignidade animal

Ressalta-se que os princípios da dignidade animal e da educação animalista corroboram a necessidade de que tal tema tenha repercussão nacional, pois tutelar uma vida livre de sofrimento aos animais e garantir a orientação da comunidade para uma relação de respeito com as demais formas de vida é um meio de viabilizar o próprio deslocamento do viés antropocêntrico, o qual já não mais condiz com o estado atual do conhecimento humano e com as normativas previstas na própria Constituição.

Portanto, apesar dos avanços promovidos por legislações estaduais e municipais, entende-se ser necessária uma lei nacional sobre o tema, pois se trata de assunto demasiadamente importante para ser disciplinado de forma não uniforme no território nacional, ocasionando insegurança jurídica.

 

Fonte: Conjur

    Você viu?

    Ir para o topo