Na madrugada do dia 30 de abril, mais especificamente às 3h14, a mineradora Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) conseguiu do governo de Minas Gerais uma licença para iniciar um projeto na Serra do Curral, localizada entre os municípios de Belo Horizonte, Sabará e Nova Lima. De acordo com o projeto aprovado pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), depois de 18 horas de reunião, a Tamisa teria o direito de ocupar uma área de 101,24 hectares, o que equivale a 121 campos de futebol.
O fato de a Serra do Curral ser símbolo da capital mineira e conter uma grande extensão de Mata Atlântica está entre os questionamentos de ambientalistas e até da prefeitura de Belo Horizonte sobre a mineração no local, que ampliaria o desmatamento, entre outros problemas. Para entender quais são as críticas ao projeto, Ecoa ouviu especialistas. Leia a seguir.
Qual a importância da Serra do Curral para Minas Gerais, especialmente Belo Horizonte?
O ponto mais alto da Serra do Curral, representado no brasão do município de Belo Horizonte, é um elemento paisagístico central da cidade. É o equivalente, em termos de patrimônio paisagístico, ao Pão de Açúcar para o Rio de Janeiro.
Qual a importância da Serra do Curral para a mineração?
A Serra do Curral, como diversas serras da região, tem, ao mesmo tempo, muitas rochas e muitas águas. Assim, ela tem sido visada por diversos projetos de mineração que desejam extrair dela minérios, como o de ferro, que são vendidos como commodity.
Já existe uma mineradora na região?
Sim. A serra já tem sido minerada há alguns anos por empresas como a Gute Sicht, por exemplo. Contudo, o plano da Tamisa S.A. é visto por ambientalistas como um mega empreendimento que pode ter consequências muito maiores, como impactos paisagísticos, ambientais e na saúde e no modo de vida da população local.
Quais os impactos ambientais da mineração na Serra do Curral?
Ambientalistas e pessoas ligadas a projetos como o Tira o pé da minha serra! e o Projeto Manuelzão, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), destacam que a região da serra é coberta por Mata Atlântica, um bioma já bastante degradado. A mineração, assim, ampliaria o desmatamento, já que o complexo minerário tem uma área total prevista de mais de 100 hectares. A ação colocaria em risco a vida de quase 40 espécies de animais e plantas ameaçadas de extinção, como a onça-parda, a jaguatirica e o lobo-guará, e alguns tipos de bromélias e orquídeas que estão na região, de acordo com o Tira o pé da minha serra!.
Em ação movida pela prefeitura de Belo Horizonte contra a aprovação do projeto, há a alegação de que a capital de Minas Gerais poderia sofrer com a queda da qualidade do ar em decorrência da liberação de poeira e o aumento da poluição sonora, o que afetaria, inclusive, o Hospital da Baleia, que estaria a menos de dois quilômetros da área de exploração.
Como a mineração na área pode comprometer o fornecimento de água para a capital mineira e para a região metropolitana de Belo Horizonte?
Como a própria Tamisa reconhece em seus estudos de impacto ambiental, a captação de água do Rio das Velhas está no terreno que ela pretende minerar. Essa água é responsável por suprir 40% da demanda hídrica da região metropolitana da capital de Minas Gerais. Esse risco de perda de abastecimento de água também foi citado pela Prefeitura de Belo Horizonte em uma ação judicial que pede a suspensão da licença concedida à empresa de mineração.
Belo Horizonte e sua região metropolitana já vivem um cenário de estresse hídrico, no qual há necessidade de racionamento de água, desde 2015. A Fazenda Ana da Cruz, que é onde a mineração pode ser instalada segundo o projeto da Tamisa, possui uma grande reserva hídrica; assim, haverá, segundo quem é contrário à mineração na região, um dano nas águas que ali estão e que são utilizadas para o abastecimento das regiões próximas.
Além disso, após o rompimento da barragem de Brumadinho, a Vale fez um acordo com o poder público para criar poços na região da Serra do Curral. A mineração ali, então, afetaria as águas dos poços artesianos que também servem para o abastecimento local.
Qual a relação entre o processo de tombamento da Serra do Curral e a mineração da Tamisa?
Ser tombado significaria que o local não poderia ser destruído ou descaracterizado. A Serra do Curral já é tombada em Belo Horizonte e seus picos são tombados pelo governo federal. Há ainda um projeto de tombamento em nível estadual que está em andamento no Iepha (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico). Em maio de 2021, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) recomendou o tombamento e o governo do estado acatou. No entanto, a votação até o momento não foi feita.
Em nota a Ecoa, o governo de Minas Gerais informou que, apesar de ter havido aprovação técnica do dossiê elaborado pelo Iepha, os municípios contemplados (Nova Lima, Sabará e Belo Horizonte) questionaram as consequências do tombamento em seus territórios. “No intuito de ampliar o debate e somar contribuições aos estudos, além de garantir a manifestação dos municípios, Iepha e MPMG acordaram em aditar o Termo de Compromisso para o possível tombamento. Atualmente, comunicações e reuniões entre os gestores de Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará já foram realizadas, e novas rodadas técnicas estão previstas ao menos até agosto”, diz o governo.
A deputada estadual Duda Salabert (PDT) e o projeto Manuelzão afirmam que o início do processo de tombamento já garantiria proteção ao bem —no caso, a serra—, alegando, portanto, que a ação do governo de ter aprovado a mineração foi irregular. Como já foi publicado anteriormente no UOL, o governo de MG nega a irregularidade afirmando que não há “tombamento provisório” na área.
Que outros pontos são questionados em relação ao projeto aprovado pelo Copam?
A prefeitura de Belo Horizonte diz que não foi consultada nem incluída no processo, e levantou esse e outros pontos em uma ação na justiça federal.
Outro ponto questionado é que o Ibama, que é o órgão responsável por dar autorização de desmatamento em área de Mata Atlântica (como é o caso da Serra do Curral), votou contra a mineração em audiência que aprovou a presença da Tamisa na serra.
A assessoria de comunicação do governo do estado de Minas afirmou que “todo projeto de licenciamento de mineração na atual gestão é feito em conformidade com a legislação e com base em estudos técnicos” e que a definição de deferimentos ou indeferimentos de licenças é de competência dos conselheiros do Copam.
O governo não quis comentar a ação movida pela prefeitura de BH e afirmou que, quando intimado, se pronunciará nos autos dos processos.
Fontes: Jeanine Oliveira, professora-social do projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Roberto Andrés, urbanista e professor da UFMG.
Fonte: Ecoa | UOL