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DESEQUILÍBRIO AMBIENTAL

Extremos climáticos, como o que atinge Recife, ameaçam a vida de 10 milhões de brasileiros

5 de junho de 2022
Pâmela Dias, Mariana Rosário e Leonardo Nogueira
6 min. de leitura
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Foto: Mycchel Legnaghi / São Joaquim Online

Eram 5 horas da manhã do sábado, dia 28, quando Pierry Pereira, morador do bairro Várzea, em Recife, foi acordado pela irmã aos gritos. A chuva torrencial, que deixou parte de Pernambuco submersa, estava invadindo as casas.

Há 12 anos, a família já havia perdido bens materiais durante uma cheia nas bacias do Mundaú e Paraíba do Meio. Mas, neste fim de maio, o cenário foi ainda pior: ao tentar resgatar da enchente sua mãe de 80, que sofre de Alzheimer, ela escorregou da placa de isopor puxada por cordas e foi levada pela enxurrada. A idosa só não morreu afogada ou eletrocutada pelos fios elétricos em curto porque vizinhos ajudaram a retirá-la das águas.

As recordações da inundação que atingiu a marca de 2,5 metros de altura nas paredes da residência de Pierre e o vídeo de socorro à sua mãe que viralizou na internet contam uma história de destruição e dores.

“Dessa vez eu perdi absolutamente tudo. Em cerca de 40 minutos, a água já estava para cima da cintura e logo chegou ao teto. Mas eu só queria que salvassem a minha mãe”, conta ele, que está desempregado e não sabe como recomeçar, sobretudo ali, onde vive sob um céu de perigo. “Não tenho para onde ir”.

A tragédia em Recife pôs o debate sobre os extremos climáticos de novo na pauta do país. E, pela dor, o tema ficou mais fácil de ser entendido. Foram 128 mortos e mais de nove mil desabrigados na enchente, considerada a pior de Pernambuco desde 1975, quando 104 pessoas morreram. Hoje, no Dia do Meio Ambiente, a exemplo dos nordestinos, outros milhares de brasileiros têm sua rotina afetada pelas mudanças assustadoras no clima.

Frio congelante

Segundo dados do último monitoramento de áreas de risco feito pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), cerca de 10 milhões de brasileiros moram em áreas de risco sujeitas a deslizamentos de terra, enchentes e outros desastres climáticos. O estudo cruzou os dados de 825 municípios com os do último censo do IBGE, feito em 2010.

“As projeções climáticas indicam que em muitas regiões do planeta haverá um aumento da frequência de extremos climáticos, seja do ponto de vista da seca, seja do ponto de vista de inundações. No Brasil, são necessárias ações de realocação da população, de delimitação de espaços e conscientização sobre os desastres, além de zoneamento de áreas inundáveis e da elaboração de planos de contingência que atendam à demanda dos fenômenos”, aponta Javier Tomasella, hidrólogo do Cemaden.

No Sul, há cerca de um mês, a tempestade subtropical Yakecan deixou a população sob temperaturas negativas, ameaçando a saúde, a agricultura e reavivando antigos fantasmas. Nos anos 1970, a “geada negra” congelou até a terra e dizimou cafezais. Este ano, o Instituto Nacional de Meteorologia registrou ventos de mais de 100 km/h, que causaram agitação no mar e deixaram milhares de pessoas sem energia após queda de árvores e postes, no litoral do Rio Grande do Sul.No Sul, geada e ameaça à saúde e à agricultura; no Pantanal, seca severa

Alterações monitoradas

A queda das temperaturas antes do esperado, no Sul do país, foi motivo de surpresa para o designer Antony dos Santos, de 27 anos. Nascido e criado na cidade de São Joaquim, na Serra Catarinense, o jovem percebeu que as geadas e o frio congelante chegaram antes do tempo, e mais intensos. E a percepção dele está certa. O último mês de maio registrou a maior ocorrência de neve na região dos últimos 23 anos. As temperaturas ficaram mais de 2°C abaixo da média.

“A temporada mais gelada deveria começar só agora (em junho), mas já nevou no outono”, diz ele.

As mudanças climáticas já causam impacto globalmente, e São Joaquim foi fortemente atingida pelo La Niña, fenômeno climático responsável por influenciar as temperaturas e ocorrências de chuva diante do resfriamento das águas do Oceano Pacífico. É o que explica a meteorologista Estael Sias, da MetSul.

“O que temos diferente é a presença do La Niña, em seu terceiro ano de atuação, e que tem se mostrado mais intenso desde 1999”, explica Estael.

Para a produtora rural Kátia Helena Ferrer, de 44 anos, a nova dinâmica climática interfere em seu negócio. A pastagem, de acordo com ela, não desenvolveu no tempo certo e ela não consegue pastorear o gado por conta do mau tempo:

“É um perrengue só. Sabemos que junho e julho são mais gelados aqui, mas essa massa de ar polar pegou todo mundo de surpresa”.

Seca no Pantanal

No caminho oposto, o Pantanal guarda histórias sobre a seca aguda entre 2019 e 2020, a maior dos últimos 50 anos, marcada por queimadas e escassez de água, que se prolongam ainda em 2022. O povo Terena, habitante da Terra Indígena Cachoeirinha, em Miranda, no Mato Grosso do Sul, além de ainda lutar pela demarcação do seu território, vê seu meio ambiente se deteriorar. Em abril de 2020, considerado o mês mais seco dos últimos 120 anos, a comunidade acordava e dormia sob o céu vermelho por conta dos focos de incêndio. Hoje, os jacarés agonizam com sede e fome, frutas nativas estão escassas e os peixes não resistem ao assoreamento dos rios. A aridez afeta 4,17 milhões de pessoas em quase 100% das cidades do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, segundo uma pesquisa do ano passado da Cemaden.

“Temos que andar quilômetros para pescar e, às vezes, somos barrados pela polícia ambiental. Não chove mais como antes, e como o alimento na natureza está escasso, os animais comem as nossas plantações. É difícil para o indígena sobreviver porque nós caçamos para comer, para manter nossas necessidades básicas”, diz Élcio Terena, líder no Conselho do Povo Terena.

A estiagem causa ainda problemas físicos aos indígenas, que sentem ardência na pele, nos olhos e tosse devido à inalação constante de fumaça. É recorrente, entre os meses de agosto e setembro, tempestades de cinzas.

“Há 50 anos não víamos isso. Hoje, nos revezamos para caçar e deixamos as crianças em casa para não ficarem doentes. Casas já pegaram fogo, cavalos morreram queimados, porque a natureza está sofrendo mais com a ação do desmatamento, do agronegócio e da pecuária”, aponta o líder, que debate junto à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil formas de barrar o aquecimento global.

Coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden, José Marengo diz que a seca no Pantanal é natural, mas que interferências humanas pioraram o cenário.

“O aquecimento global influencia a circulação atmosférica em todo o mundo, criando padrões que podem gerar extremos. Em razão de uma rede, os problemas afetam todos. Então, pode haver crise de segurança hídrica e alimentar e, na agricultura, os preços dos produtos vão aumentar com a escassez, e assim por diante”, explica.

Fonte: O Globo

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