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Extermínio de cães e gatos causa alerta em cidade do interior de SP

12 de maio de 2010
7 min. de leitura
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Foto: Emilio Sant'Anna

O último assassinato registrado em Sales Oliveira, no interior paulista, a 50 km de Ribeirão Preto, ocorreu há mais de dois anos. Desde o final de março, no entanto, um suposto “serial killer” age na cidade sem que a polícia tenha qualquer pista de sua identidade. Nesse período, o assassino já causou 35 mortes e deixou os pouco mais de 8 mil moradores do local em alerta. Suas vítimas: cães e gatos.

Pouco importa se eles são de rua ou têm tutores. O “serial killer” não faz distinção. O único padrão é o veneno escolhido para causar as mortes: o carbamato, popularmente conhecido como chumbinho e que tem sua venda proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No último final de semana, dez animais foram mortos desta forma – o que gerou ainda mais tensão entre os moradores que têm animais em suas casas.

Os crimes chamam a atenção, mas esta não é a primeira vez que uma onda de mortes de animais acontece na cidade. Em 2007, 50 deles foram mortos e cerca de cem foram envenenados. Na época, a investigação da polícia local não conseguiu apontar o autor. “Desde que eu moro aqui (há 41 anos), já mataram mais de 50 dos meus gatos”, diz a aposentada Terezinha Aparecida Faiane, de 68 anos. “Agora, de uns dois meses pra cá, já mataram quatro.”

Foto: Emilio Sant'Anna

Entre a quinta-feira (6) e o sábado (8), a única veterinária da cidade atendeu cinco cachorros envenenados em sua clínica. “Todos tinham sido envenenados com chumbinho”, afirma Angélica Bezzan. “Atendi esses cinco porque os responsáveis trouxeram rápido, mas a grande maioria nem cuida e deixa morrer na rua mesmo.”

Mais difícil do que a missão do único investigador da Polícia Civil de Sales Oliveira é não encontrar cachorros andando pelas ruas aos bandos. Muitos deles têm casa, mas são criados livremente. E essa pode ser a principal causa dos assassinatos. “A cidade é pequena e muitos moradores reclamam que os cães saem das casas”, diz Mirella Granville, ativista dos direitos dos animais. “Não temos uma contagem certa além desses 35 porque muitos morrem pelas ruas e a Vigilância Sanitária recolhe e leva para o lixão.”

Dentro de casa

Ela afirma que antes as mortes aconteciam durante a noite. Agora, os casos começaram a acontecer em plena luz do dia, dentro dos quintais das casas de Sales Oliveira. Assim foi com Cisca, uma vira-lata pequena e franzina que era criada ao lado de Roger, um cão da raça fila que escapou da morte por ser bem maior que sua companheira e por ter conseguido vomitar o veneno.

Há um mês, numa segunda-feira, às 16h, a cabeleireira Elita Rodrigues Melo, de 26 anos, estava na porta da cozinha de sua casa quando viu Cisca correr para o fundo do quintal. “Quando ela voltou já estava tonta, começou a babar e a se debater”, diz. “Olhei para o Roger e ele estava com os mesmos sintomas.”

Meia hora depois, foi a vez de Julinha, uma cadela basset hound, da vizinha de Elita começar a passar mal. “Dei falta dela e quando fui até a calçada ela estava lá, morrendo”, conta a tutora de Julinha, Fernanda Regia Lima Guim, de 35 anos. Quatro dias depois, Pitoco, outro cachorro da vizinhança, também teve o mesmo fim. “Aconteceu do mesmo jeito da Julinha”, diz a tutora, Suzimara Cristina de Oliveira, de 17 anos. 

Nenhuma delas fez boletim de ocorrência, o que leva os moradores de Sales de Oliveira a suspeitar que o número de mortes possa ser bem maior do que os 35 casos. “Não fiz o B.O. porque não ia dar em nada mesmo”, diz Fernanda. “A gente fica com medo porque ele joga o veneno dentro do quintal e uma criança pequena, como a minha, pode pegar e colocar na boca”, complementa Elita.

Apenas dois boletins de ocorrência foram registrados na delegacia neste ano apontando a morte de cachorros. Oficialmente a polícia só tem informações de quatro casos apontados por essas ocorrências. Quem os registrou foi a inspetora escolar Izilda de Jesus Correa, de 51 anos.

Acostumada a percorrer os açougues da cidade em busca de retalhos de carne para alimentar os cachorros de rua, e a “pendurar” no caderninho que mantém na farmácia remédios para sarna e machucados, no dia 27 de abril ela saía da escola quando encontrou os quatro cachorros mortos. Foi até sua casa buscar gelo para conservar os corpos dos animais e, quando voltou, a Vigilância Sanitária já tinha levado as carcaças para o aterro sanitário. “Fui até lá, no meio do lixo, peguei os corpos e mandei para Franca para fazer a necropsia”, diz.

O resultado chegou poucos dias depois. O laudo é claro e aponta que os cães tinham em seus estômagos uma mistura de salsicha e chumbinho.

Problema público

Mirella afirma que foi preciso ir à prefeitura e reclamar para que os cães mortos parassem de ser levados para o aterro sanitário da cidade. “Isso não pode acontecer porque o chumbinho é altamente tóxico e leva cerca de três anos para se degradar no solo a céu aberto”, diz.

Foto: Emilio Sant'Anna

A ativista reclama da forma como a administração municipal vinha tratando do problema em que se transformou os cachorros soltos pelas ruas. “Não temos um centro de zoonoses, então a Vigilância Sanitária recolhia os cachorros da rua e afirmava que levava para uma fazenda em Franca”, diz ela.

Um lei estadual de 2008 criou a figura do “cão comunitário” – de acordo com a definição: aquele que estabelece com a comunidade em que vive laços de dependência e de manutenção, embora não possua responsável único e definido. De acordo com a lei, o animal reconhecido como comunitário “será recolhido para fins de esterilização, registro e devolução à comunidade de origem, após identificação e assinatura de termo de compromisso de seu cuidador principal.”

Dessa forma, a vigilância sanitária da cidade não poderia recolher os cães e levá-los para outro local sem devolvê-los. Foi então que o problema começou, diz Mirella. “Reclamamos com a vigilância e eles pararam de recolher os animais. Pouco tempo depois, a matança começou”, revela a ativista. “Acho que existe uma orientação para isso, mas não sei de quem.”

Foto: Emilio Sant'Anna

Procurado pela reportagem, o prefeito de Sales Oliveira, João Jeremias Garcia Filho (PSDB) diz que os cachorros que eram recolhidos das ruas da cidade eram somente aqueles que podiam causar riscos aos moradores. “Casos de pessoas que são atacadas também acontecem”, diz ao seu lado, a nora do prefeito, Maria Luiza da Silva, que tem 14 cachorros e viu uma de suas cadelas ser morta no último mês. “Ela era uma mistura de rottweiler com pit bull, mas era muito mansa.”

Garcia Filho, que está em seu segundo mandato, se diz preocupado com a situação e afirma ter mandado um ofício para o delegado local “para que ele se empenhe em resolver essa situação que é um absurdo.” “O importante é que se pegue essa pessoa de uma vez por todas”, afirma o prefeito. “Mandei o ofício para o delegado para tentar prender esse cara, sem contar que é uma propaganda negativa da cidade.”

Até isso acontecer, os moradores de Sales Oliveira continuam com medo e tratam de prender seus cães. Na casa da fonoaudióloga Christianne Roso da Silva Miotto, os três cães foram colocados dentro de um cercado improvisado numa área do quintal distante do muro. “Não deixo mais eles soltos no quintal de jeito nenhum e rezo bastante para que esse absurdo termine logo”, desabafa.

Fonte: G1

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