Está marcado para o dia 19 de fevereiro, às 14 horas, a continuação do julgamento em segunda instância do recurso da União contra a decisão que proibiu as exportações de animais vivos no Brasil. O julgamento será realizado no TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3º Região), em São Paulo. A audiência, que iniciou em 18 de dezembro foi suspensa após o pedido de vista do desembargador Carlos Delgado. O relator da ação, desembargador Nery da Costa Júnior em suas argumentações, em dezembro, afirmou que “não há no ordenamento jurídico qualquer vedação ao comércio internacional de animais vivos, tampouco indicativo concreto de que o transporte marítimo implique em crueldade aos animais. Pelo contrário, a exportação de animais vivos destinados ao abate é objeto de atos normativos regulatórios.”
Em 2013, este mesmo desembargador havia sido suspenso de suas funções por ordem do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quando foi aberto procedimento disciplinar para investigar a acusação de ter privilegiado o frigorífico Torlim, de Mato Grosso do Sul, quando ainda era corregedor regional de Justiça, na Comarca de Ponta Porã, em 2011. Depois do desembargador ter ficado por dois meses afastado, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, em decisão liminar, determinou o retorno às suas atividades no TRF3.
Crueldade nos mares
Há pouco menos de um ano, em 18 de fevereiro, o navio Al Kuwait, saído do Porto do Rio Grande (RS) com 19 mil bois e vacas, parou a Cidade do Cabo, na África do Sul, devido ao mau cheiro exalado da embarcação. A imprensa internacional, deu imenso destaque ao assunto, diferente do ocorrido no Brasil. O péssimo odor invadiu a cidade de tal maneira, que autoridades fizeram inspeção em seu sistema sanitário antes de descobrir que o navio era o responsável pelo cheiro fétido. Ao perceberem a origem, inspetores do Conselho Nacional para a Prevenção de Crueldade Animal (NSPCA), acompanhados de veterinários, subiram na embarcação e presenciaram o horror que viviam os animais que navegavam já há nove dias. A situação dos animais era deplorável. Três estavam mortos, outros cinco precisaram ser sacrificados pelos agentes da NSPCA, devido aos sérios ferimentos. A lama formada por fezes e urina estava chegando ao topo dos cascos dos animais em alguns dos currais. A situação causou comoção entre as pessoas, mas, ainda assim, o navio seguiu rumo ao Iraque.
Há vários relatórios oficiais sobre as condições precárias dos animais embarcados. Os primeiros foram feitos após visitação no navio Nada, que foi impedido pela Justiça de deixar o Porto de Santos em fevereiro de 2018, dando início à atual disputa jurídica. O Al Kuwait também teve vários relatórios de veterinários e biólogos atestando a insalubridade e maus tratos aos animais embarcados. A veterinária Maria Eugênia Carretero, que foi responsável por um dos laudos, afirma: “O transporte de animais vivos para abate é uma prática cruel que expõe milhões de seres sencientes a sofrimento extremo. Durante longas viagens, eles enfrentam oferecimento de água e comida com fezes, ficam atolados em camada de mais de 20 centímetros de excrementos e secreções, tem os olhos corroídos pela amônia, impedidos de regular a temperatura devido às fezes sob seus pelos, gerando estresse severo. Muitos morrem antes de chegar ao destino, mesmo sendo embarcados jovens e saudáveis. Além da dor física, há um impacto emocional e ambiental significativo, ignorado pelo setor. Essa realidade mancha a história da humanidade e exige proibição urgente. Proibir essa prática é um passo essencial para evitar mais crimes contra os animais e o meio ambiente”.
Desde 2017 a exportação de animais vivos tem se tornado comum no Brasil, saindo dos portos de Rio Grande, São Sebastião (SP), Vila do Conde (PA) e Imbituba (SC). Em cada um destes locais há histórias de muita dor para os animais e de grande interferência ambiental, além do desconforto olfativo nos locais turísticos. A empatia, cada vez mais comum das pessoas com os animais tem causado muitos diagnósticos de depressão por onde estes animais passam.
Ambiente em risco
Em 2015, o navio Haidar, com cinco mil bois vivos, saía do Porto de Vila do Conde, em Barcarena, no Pará, com destino à Venezuela, quando afundou. Na época, o valor mínimo dos prejuízos ambientais e sociais foram estimados em R$ 71 milhões. Até hoje, dez anos depois do ocorrido, afirma-se que ainda há muitas máculas no ecossistema da região. As famílias tiveram prejuízos por viverem da pesca, ou da agricultura, também não tiveram as indenizações prometidas. A embarcação não foi retirada do Rio Pará, embora várias tentativas tenham sido feitas. Tanto o derramamento de óleo, quanto a decomposição dos corpos dos milhares de animais, que morreram afogados, contaminaram o solo e a água, comprometendo todo o ecossistema e acabando com a possibilidade de trabalho das famílias ribeirinhas.
“O mesmo Brasil que veda, inelutavelmente, práticas que submetam animais à crueldade, não pode permitir que milhares de bovinos sejam impensados em um navio para, após duas semanas de viagem marítima, em péssimas condições de alimentação, acondicionamento, higiene e sanitárias, serem enfim abatidos”, afirmou em 19 de julho de 2024 o Ministério Público Federal, declarando-se favorável à liminar do juiz federal Djalma Gomes, que em decisão liminar, em 2023, proibiu a exportação dos animais vivos no Brasil.