Mesmo em um dia de primavera com sol e céu azul, as praias de Holdfast Bay, em Adelaide, no sul da Austrália, estão vazias. Ao longo da faixa de areia, placas explicam o motivo: uma explosão na floração de algas, que vem matando animais marinhos e provocando mal-estar em banhistas e surfistas.
Segundo a prefeita da comunidade de Holdfast Bay, Amanda Wilson, os primeiros sinais de que algo fora do comum estava acontecendo ocorreram em março, quando surfistas passaram a relatar que tinham ficado doentes depois de nadar.
“Por volta de maio, começamos a ver que a floração de algas estava se espalhando. E então, em julho, ao longo da nossa costa metropolitana, passamos a ver peixes, tartarugas, golfinhos e pássaros mortos nas praias”, conta.
Adelaide disputa com Antalya, na Turquia, o posto de cidade-sede da COP31, edição de 2026 da cúpula climática das Nações Unidas, que neste ano acontece em Belém (PA).
A multiplicação das algas microscópicas —principalmente da espécie Karenia mikimotoi— fica aparente com o acúmulo de espuma cinzenta na superfície e pela tonalidade escura da água.
A proliferação descontrolada é causada, na maior parte, pelo calor anormal acumulado no oceano. Desde setembro, a costa do estado de South Australia vem sofrendo com uma onda de calor marinho que elevou a temperatura da água a 2,5°C acima da média histórica.
De acordo com o diretor-executivo do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento do estado, o cientista marinho Mike Steer, também colaboraram para o fenômeno inundações do rio Murray, de novembro de 2022 a fevereiro de 2023, que levaram mais matéria orgânica para o mar, e a ressurgência de água fria, rica em nutrientes, no verão de 2024.
Essa floração excessiva faz com que a quantidade de oxigênio disponível na água diminua, o que leva à morte de animais menores, como peixes e cavalos-marinhos. Num efeito dominó, a falta destes animais, por sua vez, acaba matando de fome aqueles que estão mais acima na cadeia alimentar, como tubarões e golfinhos.
“Foi bastante horrível para as crianças e famílias caminharem pela praia e encontrarem uma quantidade tão grande de vida marinha morta, trazida pela maré. E isso é apenas uma fração [dos animais afetados], o resto está no mar”, explica Wilson.
A proliferação das algas Karenia também impacta a saúde humana, causando irritação na pele, nos olhos, tosse e falta de ar. Além disso, segundo informações do governo estadual, algumas espécies podem soltar biotoxinas no ar devido à força das ondas, o que pode causar crises em pessoas com asma, enfisema, bronquite ou outros tipos de doenças pulmonares crônicas.
Holdfast Bay, uma comunidade costeira de 39 mil habitantes, depende da praia para turismo e lazer, que movimentam o comércio local. O efeito duradouro do fenômeno, porém, esvaziou as praias há meses.
“Essa questão tem, inclusive, implicações para a saúde mental. As pessoas vão à praia, caminham ao longo da esplanada todas as manhãs. É onde eles veem as pessoas, é onde interagimos. E não ter isso tem sido muito difícil”, conta Wilson.
Não há sinais de que o cenário possa melhorar num futuro próximo. Com o aumento da temperatura trazido pelo verão, diminuem as chances da água do mar esfriar.
Impacto da mudança climática
As estimativas oficiais são de que a floração já impactou cerca de 30% da costa de South Australia, uma área de 1.500 km. Pesquisadores da Universidade de Adelaide documentaram mortes em pelo menos 470 espécies marinhas diferentes, mas o número pode ser ainda mais alto, considerando que muitos animais acabam morrendo no fundo do mar.
“Podemos, sem dúvida, relacionar isso às mudanças climáticas, especialmente à onda de calor marinha, que é uma consequência direta”, afirma o físico Bill Hare, professor da Universidade Murdoch, na Austrália.
O pesquisador diz que ondas de calor marinhas provocam, ainda, o branqueamento de corais, outro problema que assola os mares australianos. E acrescenta que as enchentes extremas do rio Murray também podem ser atribuídas à crise do clima —tema da COP31.
É por ser um case de sucesso da transição energética no país que South Australia quer sediar a cúpula da ONU. O estado abriu mão do carvão para produção de eletricidade em 2015. Atualmente, chega a quase 75% de fontes renováveis na sua matriz elétrica.
No entanto, apesar dos esforços internos de descarbonização, o país é o maior exportador mundial de carvão, o mais poluente dos combustíveis fósseis.
“Como potencial sede da COP31, a Austrália poderia estar liderando a eliminação gradual global dos combustíveis fósseis, mas não está”, opina o cientista.
“O governo australiano deveria estar fazendo todo o possível para intensificar a ação global. [Mas] sua própria meta [climática nacional] não está alinhada com [o aumento máximo de] 1,5°C, e sua aparente dependência da indústria de exportação de combustíveis fósseis só aumentará as emissões globais”.
Os governos federal e estadual anunciaram no último dia 14 um pacote de 102,5 milhões de dólares australianos (cerca de R$ 361,4 milhões) para adoção de medidas de proteção para a costa e apoio a comunidades.
Entre as ações anunciadas estão programas para a restauração de corais de ostras, que filtram a água do mar e ajudam a conter a proliferação de algas. De acordo com a ONG The Nature Conservancy, uma única ostra é capaz de filtrar uma banheira cheia de água a cada dois dias, removendo o excesso de nutrientes e consumindo algas nocivas.
Fonte: Folha de S.Paulo