Um navio quebra-gelo russo com 57 cientistas a bordo deve chegar à Antártida nos próximos dias para iniciar uma expedição de 20 mil quilômetros ao redor do continente gelado, liderada pelo Brasil. Os pesquisadores querem entender como o gelo e a biodiversidade antártica estão reagindo ao aquecimento do planeta, e como esse cenário pode ser alterado no futuro pelo agravamento das mudanças climáticas que já estão em curso.
A Expedição Internacional de Circunavegação Costeira Antártica (ICCE, na sigla em inglês) partiu do porto de Rio Grande (RS) na madrugada de sábado, 23 de novembro, com previsão de retorno no fim de janeiro. Cerca de metade (27) dos pesquisadores a bordo é do Brasil, incluindo três representantes da USP. Os outros países participantes são Argentina, Chile, China, Índia, Peru e Rússia.
O ponto-chave da expedição é a proximidade que os pesquisadores planejam chegar da costa para inspecionar as bordas do manto de gelo que cobre o continente. “A intenção é chegar o mais próximo possível das geleiras”, disse ao Jornal da USP o glaciologista Jefferson Cardia Simões, professor do Centro Polar e Climático (CPC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que lidera a expedição.
O nível de aproximação vai depender das condições do gelo marinho, já que parte do Oceano Austral — que circunda a Antártida — e permanece congelado, mesmo durante o verão. “Isso, por si só, já será um grande desafio”, avalia Simões, que é o representante do Brasil no Comitê Científico para Pesquisa Antártica (SCAR) do Conselho Internacional de Ciência (ISC).
A embarcação encarregada da missão é o navio quebra-gelo Akademik Tryoshnikov, do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica (AARI) de São Petersburgo, na Rússia, com 133 metros de comprimento, dez laboratórios, dois heliportos, botes, guinchos e outros equipamentos de pesquisa especialmente projetados para missões polares. Seu casco reforçado tem capacidade para atravessar banquisas (plataformas de gelo flutuante) com até 1,5 metro de espessura.
A meta, segundo Simões, é inspecionar cerca de 15 geleiras ao redor do continente. Além das análises feitas com instrumentos do próprio navio, os pesquisadores vão usar helicópteros para coletar amostras de gelo e neve do continente. Também serão realizadas visitas a estações de pesquisa russas e chinesas ao longo do trajeto. O primeiro ponto de parada será na Estação Novolazarevskaya, uma base de pesquisa russa, a 70° de latitude sul (veja mapa abaixo).
A localização em tempo real do navio pode ser vista aqui: https://www.cruisemapper.com/?imo=9548536. Até o fechamento desta reportagem, a data prevista de chegada na base russa era 6 de dezembro.
O interesse dos cientistas na região é mais do que justificado. A Antártida tem um papel fundamental na regulação do clima global e, portanto, tudo que acontece lá tem implicações para o resto do planeta. Diferentemente do Ártico, que é uma calota de gelo flutuante, a Antártida é um continente de terra firme, de 13,6 milhões de quilômetros quadrados (maior do que Brasil, Argentina e Chile juntos), coberto por uma camada de gelo com 2 quilômetros de espessura, em média. O eventual derretimento dessa calota polar, mesmo que parcial, teria potencial para causar alterações drásticas nos padrões climáticos, oceanográficos e ecológicos do planeta.
Por isso, um dos principais objetivos da expedição é entender como o gelo e a biodiversidade da Antártida estão respondendo ao aquecimento do planeta, tanto em terra quanto no mar. Os cientistas vão mapear uma série de características físicas, químicas e biológicas do Oceano Austral ao redor do continente, incluindo temperatura, salinidade, pH e biodiversidade (quantidade e diversidade de espécies). “Queremos ter esses dados com uma distribuição espacial, que é muito mais interessante do que pontos isolados”, explica Simões.
Esse mapeamento servirá como uma linha de base para avaliar o estado de saúde ambiental da Antártida e monitorar os impactos que as mudanças climáticas terão no continente ao longo das próximas décadas.
“O manto de gelo da Antártida é muito estável, mas é na periferia que estamos vendo modificações muito rápidas. O oceano vai começar a absorver menos dióxido de carbono (CO2) em breve, porque ele está cada vez mais ácido, e a gente já está vendo uma série de alterações na distribuição de espécies, por exemplo”, afirma Simões. “As coisas estão acontecendo de forma cumulativa e crescente. Se o aquecimento chegar a 3°, não sei o que vai acontecer.”
A previsão do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês), órgão máximo da ciência climática internacional, é que, sem uma redução drástica e imediata das emissões globais de gases do efeito estufa, a temperatura média da Terra deverá subir até 4º Celsius até 2100, com consequência drásticas para a vida no planeta.