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Excesso de luxo oferecido aos cães não reflete necessariamente amor e respeito

11 de outubro de 2010
4 min. de leitura
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A maior população canina do mundo reparte-se entre Estados Unidos, Japão e Brasil (32 milhões). Resta conhecer os dados per capita. Ainda assim, é um fato que, a cada dia, os cachorros conquistam mais espaço nas casas. Esta é uma boa notícia para o “melhor amigo do homem”?

Desde 1995, a expansão desse mercado é de 17% ao ano. Segundo dados da Associação de Produtos e Prestadores de Serviço ao Animal (Assofauna), 63% das famílias brasileiras das classes A e B adotaram animais de estimação como seus membros. Quando se trata da classe C, esse número sobe para 64%.

Existem mais de 45 milhões de cachorros domiciliados no Brasil. Ou seja, R$ 160 milhões mensais (R$ 1,92 bilhões ao ano) são arrecadados, em média, pelas pet shops, que não param de se multiplicar nos grandes centros. A moda é acompanhada pela proliferação de clínicas de pequenos animais e pela especialização de veterinários.

Mesmo quem não tem tanto poder aquisitivo pode recorrer a uma clínica pública. Para o presidente da Sociedade de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro, Jorge Pinto Lima, a sua existência está, inclusive, intimamente ligada à relação com a necessidade de maiores cuidados inspirados pelos pets, assistidos como se fossem crianças. Será que essa tendência reflete um amor maior pelos bichos?

Excesso de luxo, escassez de amor

Recorrer a veterinários psicólogos que deitam cachorros no divã (R$ 80 a R$ 100/hora), a psiquiatras (R$ 300/hora), aos pet psychic (revelação do pensamento do animal por R$ 30/hora), a cemitérios com setores popular e elegante ou perder-se nas pet shops por entre corredores da coleção Outono-Inverno para cachorros. Será mesmo por amor aos cachorros? Entre tutores que esbanjam fortunas nas lojas, alguns nem sequer passeiam com seus cães (muito menos recolhem o cocô deles) ou investem em tempo para brincar (e proporcionar-lhes a prática de exercício, tão importante para algumas raças).

Desconhecimento do trabalho que dá criar um animal, férias, mudança da família para uma casa menor e perturbação causada pelos latidos são as razões no topo da lista dos abandonos. Outro fator é a moda de adquirir determinada raça, ignorando que, na hora de adicionar um elemento à família, é determinante analisar se o adotado se encaixa no perfil e no estilo de vida do tutor.

Os sedentários devem manter distância de raças ativas, por exemplo. E a regra de ouro para quem ama os animais: evitar assumir um compromisso e deixar o cachorro entregue à solidão na maior parte do tempo. Num cenário ideal, deve haver alguém que fique com o cachorro durante as ausências do tutor ou ele reduzirá o tempo de ausência.

Para quem ignorar essa regra, vale encontrar sapatos roídos e o sofá destruído ou aguentar as queixas dos vizinhos devido ao cachorro latir o tempo todo. Nesse caso, a melhor solução para tutores e animais é apadrinhar um cachorro em necessidade e ir buscá-lo para passar o final de semana, visitá-lo quando possível, levá-lo ao veterinário, ainda que com tarefas repartidas.

A necessidade de um envolvimento sustentável

Há países que facilitam a vida para os tutores: permitem que os cachorros entrem em estabelecimentos e empresas, assim como em transportes públicos. Uma lei promulgada pelo governo suíço há dois anos deveria ser universal: para estimular a guarda responsável de animais e diminuir o abandono de cães nas ruas e em abrigos, quem adquire um cachorro, além de registrá-lo, precisa fazer um curso que envolve teoria (necessidades e desejos dos animais) e prática (situações que podem acontecer durante um passeio com o animal, por exemplo). Isso porque, cada vez mais, os animais suprem a carência de companhia das pessoas que vivem nos centros urbanos. O cachorro, como escreve o português Manuel Alegre, na sua obra Cão como Nós, é frequentemente um personagem definitivo no enredo da família.

“Acreditam não serem cães e se comportam como filho e irmão, mas existe a fidelidade e o incondicional amor.”

Como cúmplices e companheiros da nossa história, merecem, naturalmente, uma vida e um final decentes. Não podem simplesmente ser jogados ao lixo ou num aterro sanitário. Nem viver como se brinquedos fossem, apenas para satisfazer as nossas vaidades. E muito menos ser abandonados.

Quem sabe a tendência dos pet shops não regride para dar lugar a uma maior dedicação aos animais, adotando ou apadrinhando os que precisam de cuidados e carinho, independentemente de terem pedigree?

Nota: a autora da matéria adotou dois cachorros, um deles já com leishmaniose, que morreu em 23 de setembro, apesar de todos os cuidados prestados. Teve um resto de vida digno – sem extravagâncias – e um final honrado: foi enterrado no seu jardim.

Com informações de Jornal de Santa Catarina

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