Por muito tempo, os rodeios têm recebido severas críticas dos protetores dos animais, que alegam que o evento envolve a tortura dos animais, porém, os participantes do rodeio, de forma praticamente unânime, defendem com unhas e dentes as provas que usam animais. Mas há uma exceção: Luiz Henrique Mazza conviveu neste meio por muito tempo, e agora ele resolveu lutar pelo fim da exploração animal em nome do entretenimento.
Abaixo você confere a entrevista que ele concedeu ao Holocausto Animal, na qual Mazza conta detalhes das torturas que ocorrem em rodeios.
Por que você resolveu desistir dos rodeios?
Eu tinha um grande impasse com meu pai. Sou filho de pecuarista, cresci e morei na zona rural até meus 22 anos de idade. A tradição da minha família sempre foi lidar com gado, seja de corte ou leite. Tanto que morei no Mato Grosso por 2 anos, onde meu pai engordava boi, e logo mudamos pra Minas Gerais, onde meu pai também mexia com gado de corte. Mesmo meu pai, homem que cresceu na lida de gado, odiava rodeios, achava que já explorávamos demasiadamente os animais para o fim da alimentação.
Meu interesse por rodeios veio exatamente na adolescência. Por volta dos 14 anos eu montava nos bezerros da fazenda (sempre desobedecendo meu pai), logo passei a frequentar festas pequenas e montar nas competições mirim. Sempre via maus-tratos nestes eventos pequenos. Com o passar do tempo isso passou a me incomodar. Meu pai cada vez mais desgostoso com a situação e minha mudança pra SP capital me afastaram do mundo dos rodeios. Ao distanciar-me deste mundo, pude ver mais amplamente o quão bárbaro era. Logo meu pai faleceu e as responsabilidades caíram sobre meus ombros, o que finalizou a minha participação no meio, até mesmo como locutor. Fui apresentado às políticas de esquerda, e passei a ver que não só as questões dos animais são problemáticas, mas como diversas outras, como machismo, homofobia, etc. Quem nunca ouviu a famosa musica que estourou na primeira década dos anos 2000 “Cowboy viado”? E reparem, é um ambiente predominantemente masculino, e sempre com a desculpa de que “é um ambiente muito bruto para as mulheres”.
Peões alegam que os animais são “bem tratados” nos rodeios, recebendo “regalias” de todos tipos. Tendo convivido neste meio, essa informação é verdadeira?
O que é ser bem tratado? Ração de qualidade? A alimentação que estes animais recebem é somente para melhor rendimento destes animais nas montarias. Touros e cavalos de rodeio possuem vida de atletas. Alimento balanceado (silagem, ração e sais minerais), treinos de corrida e natação, etc. Mas a finalidade não é o bem-estar destes animais, e sim o desempenho destes nas arenas. Mas e o transporte? A vida nas estradas? A montaria dura segundos, mas o processo por traz dela dura dias. Durante a maioria das festas, estes animais ficam confinados em pequenos currais dos parques de exposições das cidades deste país. Óbvio que recebem comida e água, senão não rendem uma boa montaria à noite.
Quais tipos de maus-tratos você já presenciou em rodeios?
Lembro de um animal que não pulou devidamente na montaria e deitou durante os 8 segundos. Nervoso por perder pontos na montaria, o peão chutou o focinho do touro, uma área extremamente sensível em bovinos. Lembro-me que esta cena me marcou muito, inclusive o proprietário do animal também ficou revoltado. De resto, tem animal que é mais bravo e ao entrar no brete dá trabalho, e este é alvo de choques. Tem peão que aperta muito a corda americana [sedém] para deixar o animal respirando menos. São tantas coisas…
“Que tombemos as receitas, as músicas, a literatura e até o modo como o caipira picava o fumo e enrolava seu cigarro de palha… Mas o rodeio? Não, obrigado.”
Em 2011, um bezerro foi morto após ficar tetraplégico na prova bulldoging, em Barretos. Este é um caso isolado?
Sim e não. Se procurarmos na internet, vemos inúmeras fotos de animais cortados por espora; inclusive há uma famosa de uma égua que teve parte de seu intestino exposto durante uma prova. Lembro de uma vez, um touro de um boiadeiro da região de Bragança Paulista, ao descer do caminhão, por conta de seu peso enorme (touros de rodeio geralmente são animais muito pesados, uma média de 700kg), ele escorregou com as patas traseiras, abrindo-as. O animal teve ligamentos rompidos, fraturas no fêmur e precisou ser morto. Este touro era tão pesado (33 arrobas, quase 1 Ton de peso vivo), que precisou de um munk para levantá-lo em cima de um caminhão e levá-lo ao matadouro.
Muitos ativistas são ameaçados após denunciarem os maus-tratos em rodeios. O que você acha dessa atitude tomada pelos peões?
É reflexo da ignorância deles. Peões são de um meio extremamente conservador e reacionário. Meu pai nasceu em 1925, era filho de pecuarista e criador de porcos (porcos eram supervalorizados por causa da gordura, que era usada em praticamente tudo), ele cresceu no meio rural, fez inúmeras viagens boiadeiras, dessas tropeiras que acabaram com o advento dos caminhões e industrialização do Brasil, mas mesmo assim meu pai tinha a consciência de explorador. Ele dizia que ele achava errado ser o tutor de um animal que nunca fez mal algum a alguém, etc. Inclusive usava isso de argumento para justificar o fato dele ser a favor da pena de morte no Brasil: “A gente mata animais inocentes, o que custa matar humanos criminosos?” Penso que geraria intensos debates entre nós, se ele estivesse vivo nos dias de hoje. Mas meu pai já era um progressista dentro da maneira que podia ser, dentro dos parâmetros que lhe foram apresentados, mas ele buscou novos parâmetros, já estas pessoas não. Elas simplesmente estagnaram e não abrem a sua visão de maneira sistêmica, elas usam os mesmos antolhos que eles colocam em seus animais.
Um PL do deputado Capitão Augusto – PR defende que o rodeio seja considerado “patrimônio cultural imaterial do Brasil”. Você concorda com o projeto de lei?
Nunca. Eu que fui criado no meio rural, sou violeiro, estudei a fundo as raízes da cultura caipira brasileira, acho esse projeto de lei UMA PIADA. Como disse, meu pai foi boiadeiro “dos antigos”. O Rodeio nasceu do circo de montarias, uma competição entre os peões para ver quem lidava com os animais mais xucros. Eram geralmente montarias em potros e burros brabos, mas com a globalização e a importação dos moldes do rodeio americano, quase nada resta dessa cultura. De todas as modalidades praticadas oficialmente no rodeio brasileiro, somente a montaria em CUTIANO é nacional, o resto é tudo importado, TUDO. Os trajes, os termos, os equipamentos, tudo importado dos EUA. Existem fragmentos culturais sim, claro, como comidas típicas, a viola propriamente dita, literatura, etc. Mas o rodeio, não. Esses fragmentos imateriais não dependem do rodeio e sequer são promovidos por ele.
Essa americanização do meio rural brasileiro não promove nada, ou alguém já ouviu algum caipira falar: “I’m the best Bullrider in the fuck world”? Agora, com o advento do sertanejo universitário e a massificação do Rodeio Pós-novela America, só intensificou-se como cultura de massa, e não cultura popular. Que tombemos as receitas, as músicas, a literatura e até o modo como o caipira picava o fumo e enrolava seu cigarro de palha (tem uma técnica séria pra isso), mas o rodeio? Não, obrigado.
O rodeio movimenta bilhões de reais todos os anos. Você acredita que um evento que possui um imperativo econômico tão forte será proibido?
A destruição da Amazônia também movimenta bilhões, é extremamente prejudicial e vai de vento em popa (e ela está diretamente ligada à produção agropecuária). Enquanto tivermos um poder legislativo ruralista, creio que essa realidade não mude, principalmente onde o lucro vira justificativa pra qualquer coisa. Exploramos seres humanos para obter lucro, mesmo que, psicologicamente falando, era pra ser mais fácil sentir empatia, o que dirá da exploração animal? (Fique claro que odeio especismo, mesmo que esta frase tenha soado como). O Capital é o mal do mundo.
Se você pudesse dizer algo aos peões que participam das provas, o que você diria?
Vocês não precisam disso para defender a cultura de vocês. Há inúmeros meios de promover manifestações culturais, não somos contra as festas, só queremos que animais deixem de fazer parte delas. Vocês ainda terão as músicas, as comidas, as roupas, a cachaça (que é uma coisa muito boa por sinal), só deixem os animais em paz.
Mazza também é vlogger do YouTube e dedica seu tempo para a discussão de temas relevantes em seu canal, que pode ser acessado aqui.
Fonte: Holocausto Animal.