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Ex-cuidadores revelam fatos sombrios e inéditos do sofrimento de animais no SeaWorld

18 de setembro de 2014
12 min. de leitura
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(da Redação)

 Golfinhos no  SeaWorld Flórida, vistos através do vidro de observação subaquática. Foto: Wikimedia
Golfinhos no SeaWorld Flórida, vistos através do vidro de observação subaquática. Foto: Wikimedia

Há muitas formas de se chegar a um melhor entendimento sobre as vidas dos mamíferos marinhos que vivem no SeaWorld. Ex-treinadores já deram um passo à frente para falar sobre seu trabalho, e foram uma chave para se “erguer as cortinas”. Mas outra perspectiva indispensável e esclarecedora está vindo de pessoas que trabalharam como cuidadores no parque, na área chamada “Animal Care”. Esses profissionais ficam no meio de toda ação: resgates, procedimentos médicos, nascimentos, mortes. Se um animal precisa de qualquer tipo de ajuda, a Animal Care entra em ação. As informações são do The Dodo.

De acordo com o SeaWorld:

“A SeaWorld Parks & Entertainment™ mantém, somando todas as unidades, uma das maiores coleções de animais marinhos do continente americano. Nós cuidamos de aproximadamente 67 mil animals, incluindo 7 mil marinhos e terrestres, e 60 mil peixes”.

O que vem a seguir foi obtido pela conversa com três ex-funcionários da área Animal Care do SeaWorld. Eles prestam informações sob um novo ângulo, destacando o quanto o público frequentador dos parques é co-responsável pelo sofrimento dos animais, e também relatam que os golfinhos, quando confinados e revoltados, não apresentam a personalidade imaculadamente dócil que a mídia tenta transmitir.

Jim Horton, de 52 anos de idade, trabalhou no SeaWorld da Flórida, no de Atlantis nas Bahamas, e no SeaLife Park no Hawaii, e fez uma longa carreira na área de cuidador de animais. Ele esteve no SeaWorld da Flórida de 1981 a 1996, e depois novamente de 1999 a 2000, antes de acompanhar o retorno de Keiko, a orca que foi explorada para o filme “Free Willy”, para suas águas nativas no Ártico. Horton trabalhou no SeaLife Park de 2002 a 2004, e no Atlantis resort, de 2004 a 2012.

Jim Norton trabalhando com a orca Keiko. Foto: cortesia de Norton
Jim Horton trabalhando com a orca Keiko. Foto: Cortesia de Horton

Cynthia Payne, de 40 anos, começou a trabalhar no Departamento de Educação do SeaWorld Flórida em Junho de 1992, e rapidamente foi transferida para a Animal Care, onde trabalhou com Horton até deixar o SeaWorld em Dezembro de 1994.

Cynthia Payne nadando com Beechie e Cecil. Foto: cortesia de Cynthia
Cynthia Payne nadando com Beechie e Cecil. Foto: Cortesia de Cynthia

Krissy Dodge, de 34 anos, iniciou o seu trabalho no SeaWorld do Texas em 2004, após sua graduação em Zoologia na Universidade Humboldt, da Califórnia. Ela começou na Avicultura, trabalhando com pinguins, antes de ser transferida para a Animal Care em 2006. Dodge saiu do SeaWorld em 2006 para se mudar para o Condado de Humboldt, onde presta assistência em resgates de mamíferos marinhos.

Krissy alimentando golfinhos no Dolphin Cove. Foto: Cortesia de Krissy
Krissy alimentando golfinhos no Dolphin Cove. Foto: Cortesia de Krissy

Horton, Payne e Dodge falaram sobre seu trabalho, especialmente com reprodução de orcas e golfinhos, no site Outside Online. Nesta reportagem, eles falam sobre a vida dos golfinhos e o comportamento censurável de alguns visitantes.

Os shows com orcas (“killer whales”) e o “The Dolphin Feeding Pool” no Shamu Stadium eram as atrações de ponta no SeaWorld. Mas o “Dolphin Cove at Key West”, que ocorria em uma pequena piscina que agora é usada como “berçário” de golfinhos, onde os visitantes podem assistir e alimentar golfinhos, era também uma atração muito disputada. Segue a descrição do SeaWorld sobre a exibição: “A ‘Dolphin Cove at Key West’ é uma das maiores piscinas interativas de golfinhos do mundo. Aqui, você pode assistir a um divertido grupo de golfinhos ‘nariz-de-garrafa’ saltando para cima e para baixo na água”.

No entanto, golfinhos têm estruturas sociais complexas – que incluem frequente interação sexual e ocasionais conflitos – que podem afetar a dinâmica em uma piscina lotada na qual há pouco espaço para evadir, diferentemente do ambiente natural. Essa limitação de espaço causava inúmeros incidentes e muito mal-estar aos animais.

Durante as sessões de “alimentação” no SeaWorld, os golfinhos estão competindo por comida, o que significa que os visitantes podem ter uma interação além da que esperavam, como o caso do golfinho que mordeu a mão de uma garota em San Antonio (Texas), em fevereiro desse ano, ou de uma situação semelhante na Flórida em 2012. Mordidas de golfinhos em visitantes são apenas um indicador da realidade subjacente dos parques aquáticos, e Horton, Payne e Dodge explicam o que é trabalhar com esses animais em ambientes fechados, assim como falam sobre como tinham de lidar com alguns estranhos comportamentos por parte do público.

Krissy Dodge: “Nós éramos proibidos de dizer aos visitantes os nomes dos animais porque, se algum morresse, a diretoria não queria que as pessoas ficassem fazendo quaisquer perguntas. A orientação, para o caso de algum visitante perguntar sobre um animal específico que havia morrido, era a piada ‘diga a eles que ele foi para Ohio (onde o SeaWorld tinha um parque)’. Nós dizíamos que os animais eram felizes lá. Que eles tinham os melhores peixes para comer. Todas aquelas coisas. Nós deveríamos falar que a expectativa de vida no parque é muito maior que na natureza”.

Cynthia Payne: “O que mais me recordo das piscinas de golfinhos é que não havia meios deles fugirem uns dos outros em momentos de conflito. A ilha central  tomava cerca de 30% da piscina, e então não era muito maior que uma piscina olímpica. E absolutamente todas as pessoas colocavam as mãos perto deles e tentavam acariciá-los. Meu apelo era: ‘Por favor, pare de tentar tocá-los’. Os golfinhos odiavam isso. Não havia paz para qualquer um desses animais. A  maioria de sua comida vinha desses estandes de alimentação, onde os visitantes compravam um prato de peixe para atrair os golfinhos até eles. Boa parte de sua alimentação vinha do público, o que é uma situação completamente estressante: eles ficavam condicionados a receber comida se deixassem estranhos tocarem em seus corpos”.

Krissy Dodge: “Nas noites anteriores a algum grande evento ou feriado, como por exemplo o dia 4 de Julho, eles pediam para que não déssemos muita comida aos golfinhos, de modo que no dia seguinte eles estivessem famintos e comessem a comida dos visitantes. As pessoas não percebiam que elas não deveriam segurar a bandeja inteira de peixes sobre a água. Certa vez, presenciei que um dos golfinhos se deu conta de que podia pegar a bandeja inteira que uma criança segurava sobre a água, ao invés de pegar apenas um peixe. Então, em questão de minutos, todos os outros golfinhos aprenderam o mesmo, e passaram a ir na direção dos visitantes e agarrar a bandeja inteira de suas mãos. Em uma dessas empreitadas, um dos golfinhos agarrou a mão de uma criança, e rasgou toda a pele de sua mão. Fui eu quem teve que ir falar com os pais e ir à diretoria tratar do caso.

No final, os pais foram acalmados. Eles receberam entradas gratuitas para o parque. A diretoria colocou um dos funcionários da Animal Care para andar pela piscina para pedir que as pessoas não colocassem a bandeja sobre a piscina. Para os golfinhos era algo novo em seu ambiente, o fato de estarmos caminhando ao longo da borda da piscina. Eles vinham até nós para morder nossos tornozelos e agarrar nossos pés. Doía, mas não podíamos mostrar qualquer reação. As pessoas perguntavam: ‘Será que isso dói?’, e nós dizíamos: ‘Ah, não, isso não é nada. Eles estão apenas brincando’, quando, na verdade, doía muito. Os golfinhos pareciam morder de modo a nos fazer saber que eles poderiam nos machucar, se o quisessem”.

Rodeio de golfinhos

Cuidar de um grande grupo de golfinhos muitas vezes sem estarem treinados trouxe algumas questões interessantes sobre cuidados a animais. A necessidade de tomar amostras de sangue regulares, e de pesar os golfinhos, entre outras práticas de rotina, foram particularmente desafiadoras.

Jim Horton: “Antes de Key West, o SeaWorld tinha uma piscina de alimentação de golfinhos ainda menor. Era oval, com uma grande ilha no meio. Tínhamos que ir lá duas vezes por ano e pegar todos os golfinhos, para fazer um exame físico. Os exames eram difíceis. Havia cerca de 20 golfinhos, e nós tínhamos uma rede ou um par de redes e pegávamos os golfinhos um por um, e saltávamos sobre eles. Os golfinhos nunca iam atrás de nós. Alguns provocavam uma briga; outros, não. Era muito aleatório, mas você sabia quem iria lutar e quem não…normalmente. Alguns não se importavam – para alguns, era apenas um jogo, enquanto outros não estavam acostumados a isso. Os animais de dois a quatro anos de idade sempre exigiam pelo menos quatro pessoas para segurá-los. Os mais velhos eram suaves, mesmo Ralph (um golfinho macho mais agressivo) mas, para a segurança humana, havia sempre um mínimo de 4 a 6 homens para manter os animais estáveis. O padrão era de 2 rapazes segurando na cabeça, dois no dorso e 2 na cauda, e um para suspender a maca, enquanto um outro dirigia o guindaste e dois homens seguravam a maca em cada extremidade.

Certa vez, tivemos que pegar um filhote cuja mãe ainda estava na piscina. A mãe fazia de tudo para tentar nos manter longe do seu filho. Eu fraturei o meu nariz, nessa ocasião”.

Krissy Dodge: “No SeaWorld do Texas, a cada seis meses, eles faziam o que era chamado de ‘rodeios de golfinhos’. Esses animais não eram altamente treinados.  A água da piscina era reduzida, de modo que eles ficassem todos no fundo da piscina, e era uma coisa assustadora. Os animais não gostavam disso. Eles começavam a entrar em pânico, e o nosso trabalho era lutar com eles basicamente e agarrá-los. Assim, uma pessoa estava no comando de saltar sobre o animal, e a outra era encarregada de chegar e pegar o outro lado do corpo dele, prendendo-o. E neste ponto, ele seria levado para cima de uma maca, para o fundo da piscina, onde seria acalmado. Mas tentar levá-los a esse ponto era uma coisa louca. Eu pensava: ‘Será que isso está realmente acontecendo?’ “.

Comportamento anormal

As piscinas de alimentação atraíam visitantes ocasionais, bem como fãs dedicados dos golfinhos, que vinham dia após dia e conheciam todos os animais. Mas nem todas as pessoas se comportavam bem, o que tornava difícil o trabalho da equipe do Animal Care ao redor das piscinas.

Jim Horton: “Havia fanáticos que vinham para a piscina e ficavam lá o dia todo. Um punhado deles. E os animais, depois de um tempo, íam ao encontro deles, porque podiam reconhecê-los, e eles nem sequer precisavam de comida para isso. Um deles teve que ser expulso, porque estava manipulando os golfinhos do sexo feminino e, em seguida, lambendo os dedos. Os fanáticos eram um problema”.

(Nota: Outras fontes relataram à reportagem o mesmo problema, de golfinhos sendo sexualmente aliciados por fanáticos, e o quanto era difícil para os funcionários do Animal Care detectar e monitorar esse tipo de comportamento, pois grande parte ocorria debaixo da água e havia o receio de acusar falsamente um visitante. O SeaWorld foi contatado a respeito do assunto, mas não quis responder).

Outro fato é que era impossível manter as piscinas limpas de objetos lançados pelos visitantes, e que os golfinhos frequentemente ingeriam.

Jim Horton: “Pessoas jogavam moedas nas piscinas o tempo todo. Idiotas. Nós tivemos um jovem golfinho, de um ano de idade, que ficou branco de repente. Achamos que fosse algum tipo de mutação genética. O animal morreu durante o dia. Então nós puxamos o corpo da água e o colocamos em um carrinho, pulverizamos com água e o esfregamos, de modo que parecia que ele ainda estava vivo. O que descobrimos é que o golfinho tinha o estômago cheio de moedas, anéis e joias. Tudo estava perfeitamente brilhante, exceto as moedas – elas estavam se dissolvendo.

A partir de 1982, eu acho que começaram a fabricar moedas com zinco e uma cobertura de cobre. Então o que houve foi um envenenamento por zinco. O zinco matou o golfinho. Tivemos outro golfinho lá, um filhote fêmea, que comeu quatro xícaras de moedas e joias. Levou seis meses para remover todos os objetos de seu estômago. A remoção foi uma invenção realmente única, do veterinário Dr. Walsh. Ele foi mesmo brilhante. E o que ele fez foi usar um endoscópio, colocando dois tubos plásticos ao longo da extensão do aparelho – um plástico rígido – e na ponta dos tubos havia uma pequena rede feita de meia-calça. Então nós colocamos um pedaço de tubo de PVC, acolchoado e forrado de espuma, no interior da boca do golfinhos, e ele colocava o endoscópio dentro do caminho para o estômago, e por trás da pilha de moedas. Ele empurrava o tubo plástico e o manipulava para que a rede se estendesse e colhesse os objetos. Então nós recolhíamos e puxávamos o tubo para fora por todo o caminho.

Nós fizemos aquilo por aproximadamente uma hora todos os dias, até que, poucos dias depois, limpamos finalmente o animal. Havia o equivalente a quatro xícaras de café completamente cheias, o estômago do animal estava totalmente repleto de moedas. E também de objetos pontiagudos, como crachás e broches. Como o estômago não foi perfurado? Não tenho a menor ideia. E então nós usamos aquela técnica em alguns dos outros animais e basicamente limpamos todos. Eles passaram a fazer um discurso no parque antes de cada evento: ‘Por favor, não deixe cair nada’. Havia placas em todos os lugares, mas as pessoas continuavam fazendo. Você ia até a exposição de jacarés e você via os jacarés com moedas em suas costas. As pessoas são idiotas. Isso também foi um problema com as morsas. Tivemos de lutar muito para salvá-las. Eu participei de várias cirurgias em morsas. Elas engoliam chupeta de bebês; em algumas delas havia maços de chupetas e um monte de lascas de tinta da piscina, e coisas assim bloqueando o intestino”.

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