Um ex-caçador de baleias japonês na Antártida mudou de lado e resolveu revelar algumas verdades sobre a indústria clandestina de venda de carne de baleias no Japão. Cansado de “enxergar o desperdício” e assumindo um codinome, o ex-tripulante resolveu se juntar à luta contra a matança de baleias. As informações são do jornal britânico The Guardian desta terça-feira (15).
No seu site, o Guardian também divulgou imagens da campanha baleeira da Noruega. O vídeo feito pela Sociedade Mundial de Proteção aos Animais mostra um baleeiro norueguês usando arpões explosivos para matar as baleias. O mamífero sofre por cerca de duas horas antes de morrer. O vídeo, em inglês, pode ser visto aqui.
No passado, ele empunhava uma faca no convés de um baleeiro japonês, cortando em pedaços as gigantes do oceano em nome da “pesquisa científica”, enquanto o resto do mundo via isso com horror. Agora, enquanto o Japão faz pressão para revogar a proibição de 24 anos da caça comercial de baleias, este ex-baleeiro veio à tona com alegações de criminalidade generalizada entre os homens com quem ele passou meses nas águas congelantes da Antártida.
Enviados todos os anos para a matança de mamíferos para pesquisa que os japoneses dizem ser “vital” para nosso conhecimento da população de baleias, os tripulantes, na realidade, estão apreendendo e vendendo os cortes da carne valorizada para ganhar dinheiro extra e, em pelo menos um caso, ganhar muitas vezes mais do que seus salários anuais, de acordo com o baleeiro que se tornou informante.
Ele se refere a si mesmo apenas como “Kujira-san” (Sr. Baleia), uma precaução necessária e genuína por sua segurança. Mas ele diz que os riscos pessoais valerão à pena, se o mundo descobrir as verdades sobre o lado negro da indústria de baleias do Japão.
“Mesmo antes de chegarmos no oceano Antártico”, diz ele sobre a mais recente expedição, “os caçadores mais experientes falavam de levar carne de baleia para casa para vender. Era um segredo aberto. Mesmo funcionários do Instituto de Pesquisas com Cetáceos [um organismo semi-governamental que organiza o programa de caça japonês] no navio sabiam do que estava acontecendo, mas fechavam os olhos para isso.”
Kujira, que trabalhou a bordo do navio Nisshin Maru, viu os membros da tripulação se ajudando a conseguir cortes de carne nobre de baleia e embalando-a em caixas que eles marcavam com rabiscos ou pseudônimos para que pudessem ser identificadas quando o navio chegasse ao porto. “Eles nunca escreviam seus nomes nas caixas”, conta.
Afirma que alguns caçadores levavam para casa entre 5 e 10 caixas, enquanto um deles levava 40 caixas de carne nobre que alcança 148 libras por quilo – US$ 218 – se vendido legalmente. Um dos tripulantes construiu uma casa com os lucros obtidos com a venda ilícita da carne de baleia. “Outro usou o dinheiro que ganhou para comprar um carro”, disse. “Eles eram cuidadosos para selecionar os melhores cortes, como a carne próxima as nadadeiras da cauda. Eu nunca ousei desafiá-los.”
O relato de Kujira é uma imagem desagradável da vida no mar, ainda que ele tenha se mostrado relutante em apresentar detalhes por medo de ter sua identidade revelada.
Novatos não são bem tratados pelos caçadores mais experientes, cheios de si por uma cultura machista que está desaparecendo em outros setores da indústria pesqueira. “O tratamento dos mais novos tripulantes melhorou muito em outros lugares nos últimos 40 anos”, afirmou. “Mas essa indústria parece estar parada no tempo.”
Kujira contradiz as alegações do Japão de que a indústria, que teria exigido subsídios do governo na ordem de US$ 12 milhões entre 2008 e 2009, é altamente eficiente. Segundo ele, a frota às vezes costumava pegar mais baleias do que o necessário, tirar as partes mais caras da carne e jogar o resto no mar.
“Eu nem pensava em fraude no começo. Eu só não conseguia suportar o desperdício. Muita carne estava sendo jogada fora porque continuávamos caçando baleias mesmo depois de já termos atingido nossa quota diária. Decidi que precisava contar para alguém o que estava acontecendo.”
Estranhamente para alguém com as suas experiências profissionais, Kujira procurou ajuda no Greenpeace. Em 2008, a organização lançou uma investigação secreta de fraude na tripulação do Nisshin Maru, quando dois ativistas, Junichi Sato e Toru Suzuki, interceptaram uma caixa contendo 23 quilos de carne de baleias – valendo quase US$ 4 mil – em um armazém no Japão, que mais tarde eles apresentaram como prova.
Depois de ter concordado inicialmente em agir a favor das alegações, o Ministério Público arquivou o caso e, em vez de desmascararem o esquema, Sato e Suzuki foram presos e acusados de furto e invasão.
Na semana passada, os promotores pediram uma sentença de 18 meses de prisão para os “garotos de Tóquio”, que ficaram detidos sem acusação por 23 dias e foram amarrados em cadeiras e interrogados sem a presença de um advogado. A decisão judicial é esperada para os próximos meses.
As confissões de Kujira acontecem no momento em que a Comissão Internacional da Baleia (IWC, na sigla em inglês) organiza sua reunião anual na próxima semana, entre os dias 21 e 25 no Marrocos, para discutir uma proposta que poderia por fim à moratória da caça comercial de baleias com a compensação de que as nações baleeiras concordem em caçar quotas menores.
Nas vésperas da reunião, o Japão voltou à sua tática preferida de subornar com ajuda financeira os pequenos estados-ilha e até mesmo nações pobres sem litoral a votar ao lado do Japão na comissão que reúne 88 membros. Reportagem divulgada pelo jornal britânico Sunday Times no domingo mostrou como funciona o esquema. Dois repórteres do jornal se disfarçaram de delegados para desmascarar o sistema de compra de votos do Japão.
Sob a moratória da IWC, o Japão só tem permissão para caçar abaixo de mil baleias – principalmente da espécie minke – em nome da pesquisa científica. A carne do abate é vendida no mercado livre, e os lucros são utilizados para financiar futuras expedições baleeiras.
O Japão nega as acusações de que estaria comprando votos na comissão, mas reconheceu que investe pesadamente na indústria pesqueira de alguns de seus aliados na IWC, e paga as despesas dos delegados de alguns dos países membros mais pobres.
Kujira diz que a pressão de grupos em defesa das baleias forçou as tripulações baleeiras a mudar suas atitudes. “Eu ouvi falar, das minhas fontes, que o furto de carne de baleia parou por causa da atenção que a mídia está dando ao caso. Mas dúzias de jovens tripulantes deixaram a frota porque não podem mais roubar carne de baleia. Eles só haviam se juntado à frota porque sabiam que podiam faturar muito dinheiro no final de cada expedição. Era o único privilégio de um trabalho tão duro. Os baleeiros mais velhos estão aguentando por causa de suas aposentadorias.”
O Instituto de Pesquisa com Cetáceos insistiu que os membros da tripulação pegam apenas pequenas quantidades de carne de baleia como recompensa por passarem meses trabalhando num dos oceanos mais inóspitos no mundo.
Kujira está tentando gerar interesse na mídia japonesa, que se mostra relutante em criticar o ‘abate científico’ de seu país, enquanto se defende das crescentes críticas internacionais contra a matança.
Apesar de não trabalhar mais para a frota, Kujira acrescenta que continuará a fazer campanha nos bastidores, por causa dos grandes riscos quanto a sua segurança, até que o público japonês descubra a verdade sobre a indústria da baleia. “Tenho medo só de pensar no que os outros baleeiros poderiam fazer comigo se soubessem quem eu sou. Eles poderiam fazer o que quisessem comigo. Eu estaria vivendo com medo de viver.”
Com informações do Estadão