A decisão de realizar ou não a eutanásia em um animal é, sem dúvida, uma das mais difíceis para qualquer tutor. A ideia de encerrar a trajetória de um companheiro costuma vir acompanhada de culpa, medo e dúvidas. Mas, em muitos casos, o avanço de uma doença sem cura e o sofrimento contínuo colocam o responsável diante dessa possibilidade.
Por esse motivo, a eutanásia pode representar um ato de cuidado, amor e dignidade quando o animal doméstico já não possui qualidade de vida.
O tema, porém, é alvo de debates no meio veterinário e entre quem cuida de animais, envolvendo questões éticas, emocionais, legais e clínicas. Nesse cenário difícil, compreender em quais situações o procedimento é cogitado, como funciona e quais as alternativas, é muito importante para que os tutores tomem decisões informados.
O que é a eutanásia e quando é indicada
Etimologicamente, “eutanásia” significa “morte boa” ou “morte sem sofrimentos” (eu = bom/boa; thánatos = morte). No Brasil, o procedimento é regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) e pode ser adotado em situações específicas, devendo seguir protocolos técnicos.
Em geral, a eutanásia é associada a casos em que o animal apresenta doença incurável e sofrimento intenso. Portanto, pode ser indicada em quadros como os de quadros terminais sem resposta ao tratamento; dor persistente, refratária a medicamentos; falência de órgãos ou perda grave de funções fisiológicas.
No entanto, as diretrizes do CFMV delimitam outras situações em que o procedimento pode ser recomendado, especialmente entre animais que não são domésticos. Assim, segundo a entidade, a eutanásia pode ser uma opção quando:
- O bem-estar estiver comprometido de forma irreversível e não houver possibilidade de controlar dor ou sofrimento com analgésicos, sedativos ou outros tratamentos.
- O animal representar ameaça à saúde pública, especialmente em casos de zoonoses de alto risco.
- Houver risco à fauna nativa ou ao meio ambiente, como no caso de espécies invasoras ou transmissores de doenças.
- O animal for utilizado em ensino ou pesquisa, dentro de protocolos éticos estabelecidos.
- O tratamento for incompatível com a atividade produtiva a que o animal se destina ou exceder os recursos financeiros do responsável, situação mais comum em animais de produção.
“É importante ressaltar que a indicação para eutanásia deve ser sempre justificadas no prontuário e sempre baseadas na avaliação clínica e nos princípios de bem-estar animal”, alega Virgínia Emerich, médica-veterinária e conselheira do CFMV.
Como saber se o animal já não tem qualidade de vida?
Quando se trata de animais domésticos, o procedimento só costuma ser considerado em casos onde não há mais como o animal viver com conforto e bem-estar. Nesse contexto, a grande questão para muitos tutores é justamente identificar quando esse ponto foi atingido.
E não é fácil. “Decidir a hora certa gera medo de antecipar a morte ou prolongar o sofrimento, e sentimentos como culpa, dúvida e a sensação de ‘estar desistindo’ do animal são muito comuns”, avalia Virgínia. Também pesa lidar com a despedida e até decidir se quer estar presente durante o processo, por exemplo.
Para tomar essa decisão, a médica aponta que o responsável pelo animal pode perceber a perda de qualidade de vida observando mudanças claras no seu dia a dia. Sinais como dor evidente, dificuldade para levantar ou andar, recusa persistente de comida e água e problemas de higiene, como urinar onde está deitado são indicativos importantes.
Também chamam atenção a apatia, o isolamento, a perda de peso e episódios neurológicos, como convulsões frequentes e em pequenos intervalos que não respondem a tratamento.
“De forma simples, quando o animal passa a ter mais dias ruins do que bons, com sofrimento visível, isso sugere que sua qualidade de vida está seriamente comprometida”, resume.
Vale dizer que a escolha final deve ser sempre tomada de forma compartilhada entre o responsável e o médico veterinário. E deve ser feita com base em critérios técnicos, incluindo avaliação clínica, resultados de exames, resposta aos tratamentos e análise do comportamento e do bem-estar do bichinho.
E quando o cuidado paliativo pode ser uma opção?
Os cuidados paliativos são uma abordagem voltada à prevenir e aliviar o sofrimento de animais domésticos com doenças graves, limitantes ou incuráveis. O foco não é apenas tratar o quadro clínico, mas promover conforto e bem-estar.
“Ela é indicado quando sabemos que a doença é incurável, mas ainda é possível controlar a dor e oferecer conforto ao animal”, explica Virgínia. Isso inclui um controle da dor, manejo nutricional e suporte hídrico, tratamento de sintomas como náuseas, dificuldade respiratória ou ansiedade, além de adaptações no ambiente para facilitar a rotina do animal.
“O acompanhamento é contínuo para identificar qualquer piora do quadro ou quando os sintomas não podem mais ser controlados, mesmo com todos os recursos disponíveis”, explica a médica.
Como o procedimento é realizado?
Existem diferentes métodos utilizados para a realização da eutanásia em animais que são aprovados pelo CFMV. A escolha de qual será utilizado depende de vários fatores, como a espécie, a idade, o estado clínico do animal e a capacidade de contenção. Para cães, gatos e outros animais domésticos, o método mais indicado é a aplicação intravenosa de barbitúricos, medicações sedativas e hipnóticas que deprimem o sistema nervoso central.
Assim, o protocolo envolve duas etapas: primeiro, é aplicada a sedação profunda (o animal é colocado em sono profundo, sem dor ou consciência), depois a medicação eutanásica (um fármaco é administrado para interromper funções cardíacas e respiratórias).
Segundo Virgínia, essa técnica permite que o animal adormeça sem dor ou estresse, perdendo a consciência em poucos segundos e evoluindo de forma tranquila para a parada cardiorrespiratória.
Quando a eutanásia pode ser considerada ilegal?
De acordo com o Código de Ética do Médico Veterinário e normas e manuais do CFMV, ela só pode ser realizada quando há indicação técnica clara. Por isso, é proibido fazer eutanásia por conveniência do responsável, como falta de interesse, mudança de cidade ou dificuldade financeira, bem como em animais saudáveis e com doenças tratáveis.
Também é irregular quando não se sigam as normas de saúde pública, especialmente em casos de zoonoses de notificação compulsória.
Ainda, é ilegal realizar o procedimento sem registro adequado no prontuário, com métodos cruéis ou não aprovados, ou utilizando substâncias inadequadas. “Quando esses critérios não são respeitados, o profissional e o responsável podem incorrer em infrações éticas, civis, administrativas e até criminais”, destaca a conselheira do CFMV.
Cuidados após a despedida
Após a despedida, as recomendações técnicas orientam que o encaminhamento do animal siga normas de biossegurança e a legislação local. Entre as opções formalmente indicadas estão a cremação e o sepultamento em cemitérios para animais regulamentados; em algumas regiões, também há a possibilidade de envio para aterro sanitário licenciado.
Algumas prefeituras oferecem serviços de retirada e encaminhamento adequado de animais falecidos. Vale consultar órgãos como o Centro de Controle de Zoonoses ou secretarias municipais de meio ambiente e saneamento para saber como proceder.
O médico veterinário também pode orientar sobre as alternativas disponíveis na região. Assim, cada tutor pode escolher a opção que considerar mais respeitosa e possível nesse momento tão delicado.
Medidas de conforto
Perder um animal é uma experiência dolorosa e que deve ser levada a sério, como qualquer outro tipo de luto. Segundo Virgínia, no caso da partida por eutanásia, é importante ter em mente que, quando indicada, ela representa um ato de respeito e amor. “Amor ao bem-estar do animal e respeito ao vínculo que ele construiu com a família”, diz a médica veterinária.
“E o que muitas pessoas não sabem é que, para o médico veterinário, esse também é um dos procedimentos mais dolorosos. Ele foi formado para salvar vidas e aliviar a dor, não para realizá-la”, comenta.
Nesse cenário difícil, quando a dor permanece por muito tempo ou começa a afetar o dia a dia, buscar apoio psicológico é um importante gesto de autocuidado. “Assim como cuidamos do nosso animal com amor, também precisamos cuidar de nós mesmos quando ele se vai”, comenta.
Fonte: Veja