A relação entre gatos e humanos mudou durante a pandemia de Covid-19. Pesquisa da veterinária Maíra Ingrit Gestrich-Frank, realizada no mestrado em Biologia Animal pela UFRGS, apontou que o confinamento alterou o comportamento e o bem-estar dos gatos domésticos. O levantamento foi feito com tutores de diferentes regiões do país, entre 2020 e 2023.
A pesquisa revelou impactos positivos e negativos no cotidiano dos gatos. O aumento da presença humana em casa trouxe mais interações e recursos ambientais, mas também provocou estresse em alguns felinos.
Durante o confinamento, os tutores passaram a investir mais em arranhadores, locais de descanso e brinquedos interativos. Essa mudança elevou o chamado “escore ambiental”, que mede a qualidade do espaço e dos estímulos oferecidos aos gatos.
Além disso, o estudo identificou um aumento nas interações positivas, como brincadeiras e escovação. A convivência mais próxima contribuiu para uma rotina mais ativa e afetuosa para muitos animais.
Gatos ficaram mais carentes e também mais agitados
Maíra explicou que “os gatos passaram mais tempo com os seus tutores” e que essa foi “a principal mudança na rotina e na interação social entre humanos e gatos observada no nosso estudo”.
Segundo a veterinária, houve um aumento nos comportamentos de afeto e brincadeira. Porém, também surgiram sinais de ansiedade, como lambedura excessiva, alteração no apetite e uso inadequado da caixa de areia.
Ambiente enriquecido ajuda no bem-estar animal
Os dados mostram que “gatos que passaram mais tempo sozinhos apresentaram um menor escore ambiental”. A presença humana e a oferta de recursos variados colaboraram para um ambiente mais saudável e estimulante.
A pesquisa indica que gatos com acesso a janelas, pátios telados ou passeios supervisionados apresentaram menor risco de obesidade. A falta de estímulo, por outro lado, contribuiu para problemas de saúde.
O estudo avaliou os períodos pré-pandemia, durante o confinamento e após a flexibilização. A coleta de dados ocorreu em 2023, por meio de um formulário com 31 perguntas aplicado on-line.
Os participantes deveriam ter mais de 18 anos, morar no Brasil e conviver com o gato analisado por pelo menos um mês antes do início da pandemia. Apenas animais com mais de dois anos foram considerados.
O escore ambiental avaliou itens como comedouros, locais elevados, caixas de areia, brinquedos e ausência de punições. Já o escore comportamental mediu a presença de sinais negativos, como medo, agressividade e eliminação inadequada.
Quanto menor o escore comportamental, melhor a condição emocional do gato. O estudo identificou melhorias nesse índice durante o confinamento, mas também notou aumento de alguns comportamentos-problema.
Fatores como rotina e previsibilidade fazem diferença
Maíra destacou que a previsibilidade nas interações ajuda o gato a se sentir seguro. “Pequenos hábitos, como oferecer um petisco antes de sair de casa ou brincar sempre nos mesmos horários”, são recomendados para reduzir o estresse.
Espaços seguros para descanso, esconderijos e ausência de punições são pontos essenciais para o bem-estar. Também é importante posicionar comida e água em locais tranquilos, longe de ruídos.
Observar paisagens, brincar com objetos sonoros e usar ervas específicas são estratégias para oferecer estímulos visuais, auditivos e olfativos. Maíra recomenda, se possível, o uso de varandas teladas e passeios com coleira e guia.
As atividades devem respeitar os limites do animal e garantir uma experiência positiva. “O bem-estar dos gatos está diretamente ligado à qualidade da interação com seus tutores”, afirmou.
A pesquisadora reconheceu limitações no trabalho, como a falta de preparo dos tutores para avaliar a condição corporal dos animais e o uso de memória retrospectiva para responder ao questionário.
Apesar disso, os dados fornecem pistas importantes sobre os efeitos da pandemia no comportamento felino. “Futuramente, refinamentos nas escalas e novos estudos podem ampliar a compreensão sobre o impacto do ambiente na saúde felina”, disse.
Para garantir qualidade de vida aos gatos, Maíra recomenda seguir orientações da American Association of Feline Practitioners (AAFP) e da International Society of Feline Medicine (ISFM).
Essas entidades defendem o enriquecimento do ambiente e a promoção de interações respeitosas e seguras. A adoção dessas práticas pode evitar doenças físicas e emocionais nos animais.
Tutores devem evitar punições e respeitar o ritmo dos felinos
Segundo a pesquisadora, punições como gritos ou uso de spray de água afetam negativamente a confiança do gato. “É essencial respeitar os momentos de descanso dos felinos e evitar punições”, destacou.
A rotina precisa ser adaptada ao comportamento natural da espécie, incluindo espaços para escalar, arranhar e se esconder. Isso permite que o gato se sinta no controle do ambiente.
O estudo indica que a convivência mais próxima durante o confinamento aumentou a percepção dos tutores sobre as necessidades dos gatos. Muitos passaram a observar com mais atenção os sinais e comportamentos dos animais.
A pesquisa reforça a importância de espaços adaptados, interações positivas e uma rotina estruturada para o bem-estar dos felinos.
Assim como os humanos, os gatos também enfrentaram mudanças bruscas durante o isolamento social. O estudo mostra que os impactos do confinamento foram complexos e variados, exigindo adaptações de ambos os lados.
Mesmo com o fim das restrições, os efeitos da pandemia ainda se fazem presentes no comportamento dos gatos. Alterações na presença humana e no ritmo da casa podem gerar novos desafios.
A pesquisa lembra que a atenção ao comportamento animal deve ser contínua. Mudanças repentinas, barulhos excessivos ou ambientes pouco estimulantes podem causar estresse e comprometer a qualidade de vida.
A principal conclusão do estudo é que o bem-estar felino está diretamente ligado à qualidade do ambiente em que o animal vive. Com estímulos adequados e respeito ao comportamento natural, os gatos podem viver com mais saúde e equilíbrio.
Fonte: IG