Um bicho avesso à luz do sol chegou aos holofotes – ao menos na comunidade científica. Descoberto há quase 230 anos, o gambá d’água, dono de uma aparência única, manteve-se uma incógnita em plena Mata Atlântica e só agora mereceu um estudo detalhado sobre seus hábitos. O trabalho, assinado por pesquisadores da UFRJ, foi divulgado pela publicação americana Journal of Mammalogy.
Não faltam motivos para que o gambá d’água desperte interesse entre os ecologistas. Trata-se do único marsupial semiaquático do mundo: entre os animais com bolsa no abdome, só ele divide seu tempo entre rios e a terra firme. A versatilidade acarretou um corpo peculiar: a pata traseira, com membranas entre os dedos, lembra um pé de pato. Os dotes de nadador também se devem ao pelo impermeável e à cauda achatada.
O comportamento do animal, de apenas 30 centímetros, também é curioso. A noção de território é levada muito a sério pelas fêmeas: cada uma ocupa, sem concorrência, uma área de aproximadamente um quilômetro. O macho é mais sociável e circula por território até cinco vezes maior. Nem a formação de uma família acaba com sua liberdade: as fêmeas cuidam da cria praticamente sem ajuda. A bolsa da mãe fecha automaticamente quando ela entra na água – assim os filhotes, ali transportados, não se afogam. O macho, por sua vez, só usa este recurso anatômico para proteger o próprio corpo do frio.
Para a pesquisa, cerca de 100 animais ganharam brincos de alumínio numerados, como uma forma de diferenciá-los, e um colar com chip. Assim, é possível acompanhar até a caça via radiorreceptor (a dieta é composta por pequenos peixes e caranguejos). Com a tática, implantada há cinco anos, encontrar o bicho deixou de ser fruto do acaso. Os equipamentos para sua coleta usados até então eram terrestres – pouco eficientes, considerando o tempo que o gambá d’água passa, bem, na água. Mesmo quando está nadando, o animal não é muito visível. Sua coloração alvinegra o faz passar despercebido na espuma de riachos e no escuro da noite.
A espécie vive entre o sul do México e o norte da Argentina. Não será surpresa, portanto, se, em alguns anos, o bicho entrar na lista dos ameaçados de extinção. “Só encontramos o gambá d’água em regiões com mata ciliar, como é conhecida a vegetação na margem dos rios, e essas formações têm diminuído bastante”, lamenta Maron Galliez, um dos autores da pesquisa, financiada pela Fundação O Boticário.
Fonte: O Globo