Quando o reator da Usina Nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, explodiu durante um teste de segurança na noite do dia 26 de abril de 1986, muitos cães domésticos tiveram que ser abandonados por seus tutores.
Preocupados sobre como a exposição à radiação está afetando o sistema imunológico, desenvolvimento de doenças e expectativa de vida desses animais, equipes de pesquisadores têm investigado sua adaptação.
Um desses estudos, publicado em 2023 na Science Advances, analisou o DNA de 302 cães selvagens que viviam perto da usina, comparando-os com outros que viviam entre 15 a 45 quilômetros do local do desastre.
Em um comunicado, a coautora Elaine Ostrander, geneticista do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano, nos EUA, diz que a questão da pesquisa foi: “Como você sobrevive em um ambiente hostil como este por 15 gerações?”
Seu colega Tim Mousseau, professor da Universidade da Carolina do Sul, nos EUA, afirma que, entre os mamíferos em geral, os canídeos “fornecem uma ferramenta incrível para observar os impactos desse tipo de ambiente”.
A análise revelou que os cães que vivem especificamente na área da usina nuclear desenvolveram características genéticas únicas que os distinguem das outras populações estudadas.
Os cães de Chernobyl
Embora faça visitas frequentes a Chernobyl desde 1999, Mousseau só encontrou os cães semisselvagens em 2017, em uma expedição que visava fornecer cuidados veterinários aos animais.
Na época, ele começou a coletar sangue dos cachorros que, segundo os pesquisadores, parecem ser descendentes de animais domésticos que os moradores foram forçados a abandonar quando evacuaram a área.
Desde então, uma pequena multidão de cães vive no local, alimentada pelos chamados “liquidadores”, cerca de 600 mil pessoas que participaram das operações de contenção e limpeza na ZEC, e, mais recentemente, por turistas e influenciadores.
Na época da pesquisa, pelo menos 250 vira-latas viviam dentro e ao redor da usina, em meio a instalações de processamento de combustível usado e na sombra do reator colapsado.
Ainda dentro dos 2,6 mil km2 da zona de exclusão (uma área pouco maior que o nosso Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás), centenas de outros cachorros perambulam animadamente, mas em regiões mais distantes.
A princípio, os autores pensaram que esses cães teriam se misturado ao longo do tempo e que seriam muito parecidos. Mas os dados genéticos revelaram matilhas vivendo em áreas de altos, baixos e médios níveis de exposição à radiação.
“Foi um marco enorme para nós”, explicou Ostrander em um comunicado à imprensa. “E o que é surpreendente é que conseguimos até identificar famílias [cerca de 15 diferentes]”, comemorou.
O que o primeiro estudo genético dos cães de Chernobyl revelou?
O estudo foi o primeiro a caracterizar “uma espécie doméstica em Chernobyl, estabelecendo sua importância para estudos genéticos sobre os efeitos da exposição à radiação ionizante de baixa dose e longo prazo”, dizem os autores.
“Podemos compará-los e podemos dizer: OK, o que é diferente, o que mudou, o que sofreu mutação, o que evoluiu, o que ajuda você, o que prejudica você no nível do DNA?”, afirma Ostrander.
Os resultados mostraram que os cães da usina de Chernobyl apresentam uma maior similaridade genética intrapopulacional, ou seja, têm genes mais parecidos entre si do que os de outros grupos de cães em diferentes locais.
Isso sugere que as condições únicas da área provocaram um processo evolutivo singular de adaptação ao ambiente altamente radioativo, que resultou em um conjunto mais homogêneo de genes dentro do grupo.
A princípio, é como se os cães que vivem na usina de Chernobyl tenham desenvolvido uma “assinatura genética” distinta, provavelmente devido à pressão seletiva da zona irradiada ao longo de décadas.
Ainda assim, alerta Mousseau no site Science News, é difícil afirmar com certeza se as mutações foram induzidas por radiação ou por outros efeitos, como o acasalamento entre indivíduos geneticamente semelhantes (endogamia).
Seja como for, o estudo entregou, mais do que uma explicação, um modelo de investigação dos efeitos da radiação em mamíferos maiores, e seu impacto na evolução natural de animais sob “contínua agressão ambiental”, e até em ambientes de alta radiação do espaço.
Fonte: CNN