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INDÚSTRIA DA CARNE

Estudo estima que mais de 171 bilhões de peixes são mortos todos os anos em fazendas de criação

Enquanto 124 bilhões de peixes morrem anualmente em fazendas aquícolas sob condições de tortura sistêmica, a indústria os reduz a “biomassa” para obscurecer seu sofrimento.

30 de maio de 2025
7 min. de leitura
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Foto: Animanaturalis

A indústria da aquicultura esconde por trás de suas redes, gaiolas e tanques uma realidade de sofrimento animal tão vasta que desafia a compreensão e a decência humana. O estudo publicado pela Cambridge University Press em fevereiro de 2023, “Estimating global numbers of farmed fishes killed for food annually from 1990 to 2019”, nos confronta com números que deveriam soar como um alarme ensurdecedor na consciência coletiva. Em 2019, estima-se que entre 78 e 171 bilhões de peixes com nadadeiras (com uma média assustadora de 124 bilhões) foram abatidos em fazendas aquícolas ao redor do mundo. Esse número, já inconcebível por si só, eclipsa os já massivos 80 bilhões de aves e mamíferos terrestres mortos anualmente para consumo humano e revela uma tendência aterradora: a produção aumentou nove vezes desde 1990.

É crucial compreender a magnitude dessa estatística: ela não inclui a enorme “mortalidade durante a criação” — um eufemismo para os peixes que morrem prematuramente devido a más condições, doenças, estresse ou canibalismo — nem os milhões de toneladas de peixes selvagens capturados e os criados especificamente para serem transformados em farinha e óleo de peixe, ingredientes principais nas dietas de muitos peixes cultivados, perpetuando um ciclo insustentável e eticamente questionável de exploração.

A produção global de peixes com nadadeiras em aquicultura teve um crescimento exponencial, passando de modestos 9 milhões de toneladas em 1990 para colossais 56 milhões de toneladas em 2019. Ainda assim, aqui reside uma das chaves para sua invisibilidade e a indiferença generalizada: essa vasta produção ainda é quantificada predominantemente em termos de biomassa (toneladas), em vez de como animais individuais. Essa prática contrasta fortemente com a forma como mamíferos e aves de criação são contados, cujas vidas — embora frequentemente igualmente trágicas — ao menos são reconhecidas numericamente como unidades individuais. Essa despersonalização numérica, essa redução de seres sencientes a mera “matéria-prima”, contribui significativamente para a percepção nociva dos peixes como uma “colheita” inerte, em vez de indivíduos capazes de sentir e sofrer.

“Medir vidas sencientes em toneladas não é apenas uma questão técnica: é uma estratégia para transformar sofrimento em mercadoria anônima. Cada peixe é um indivíduo agonizando em redes superlotadas, mas a indústria os apaga contando cadáveres, não seres vivos”, afirma Aïda Gascón, diretora da AnimaNaturalis na Espanha.

A vida dentro de uma fazenda intensiva de peixes é, para a esmagadora maioria desses bilhões de animais, uma crônica ininterrupta de miséria e privação desde o momento em que nascem até a morte. A superlotação extrema é prática padrão, com densidades tão altas que qualquer manifestação de comportamento natural se torna impossível. Os peixes são forçados a viver em uma “sopa” de seus próprios dejetos, competindo ferozmente por espaço e oxigênio. Isso gera estresse crônico severo, que enfraquece seus sistemas imunológicos e os deixa vulneráveis a uma infinidade de doenças bacterianas, virais e parasitárias. A infame doença do piolho-do-mar, por exemplo, causa feridas abertas e sofrimento atroz em salmões. Para combater essas doenças induzidas pelo sistema, a indústria depende fortemente do uso profilático de antibióticos e produtos químicos agressivos, com sérias consequências para a saúde pública (contribuindo para a crise da resistência antimicrobiana) e para o meio ambiente ao redor.

Confinados nesses espaços artificiais e superpovoados, os peixes sofrem agressões constantes de outros indivíduos igualmente estressados, resultando em ferimentos físicos como nadadeiras mordidas, olhos danificados e feridas abertas que raramente recebem tratamento. As nadadeiras podem se deteriorar dolorosamente devido ao atrito constante com as paredes dos tanques ou redes das gaiolas. A fome também é uma constante para muitos, seja por práticas de jejum prolongado — às vezes por dias ou até semanas — antes do transporte ou abate, a fim de esvaziar os intestinos e reduzir a contaminação da água durante esses processos, ou simplesmente devido à intensa competição por alimento em tanques onde os indivíduos mais fracos têm pouca chance.

A qualidade da água — um elemento fundamental para a vida e o bem-estar dos peixes, assim como o ar é para nós — costuma ser ruim nessas instalações. Baixos níveis de oxigênio dissolvido (hipóxia), altas concentrações de amônia (subproduto dos dejetos metabólicos) e nitritos, e flutuações extremas de temperatura são problemas comuns que causam sofrimento fisiológico intenso, irritações nas brânquias, letargia e angústia respiratória aguda. A completa ausência de enriquecimento ambiental nesses tanques estéreis e monótonos — desprovidos de substrato, abrigo ou estímulo que remeta ao habitat natural — priva os peixes de qualquer chance de expressar comportamentos inatos essenciais ao seu bem-estar, condenando-os a uma vida de tédio crônico e apatia.

Além disso, dados alarmantes do relatório Sapience revelam que a maioria dos cidadãos europeus desconhece muitas dessas realidades cruéis: apenas 18% sabiam que a maioria dos salmões de cativeiro são surdos devido às práticas intensivas de reprodução e ao crescimento acelerado que deforma seus órgãos auditivos. 66% dos entrevistados não sabiam que as taxas de mortalidade de peixes durante a criação são substancialmente maiores do que as de animais terrestres de fazenda. E embora 60% estivessem cientes do uso comum de antibióticos, 42% não sabiam que os sistemas típicos de criação impedem os peixes de expressarem sua gama completa de comportamentos naturais.

E quando chega o fim de suas vidas curtas, artificiais e miseráveis, o cenário costuma se tornar ainda mais horrendo. A grande maioria dos peixes cultivados na União Europeia — e certamente no mundo todo — é abatida por métodos que a ciência já comprovou serem desumanos, causando dor, medo e sofrimento intensos e prolongados. Apenas 39% dos cidadãos europeus pesquisados sabiam que a maioria dos peixes de cativeiro não é atordoada (ou seja, não é tornada inconsciente) antes de ser morta. Muitos morrem lentamente por asfixia ao serem retirados da água, uma agonia que pode durar de vários minutos a mais de uma hora, dependendo da espécie e da sua capacidade de respirar oxigênio atmosférico. Durante esse tempo, eles se debatem desesperadamente, ofegam e sofrem estresse fisiológico extremo. Outros são eviscerados (retirada das vísceras) e sangrados ainda plenamente conscientes. Práticas como banhos de gelo (imersão em uma mistura de gelo e água) ou exposição ao dióxido de carbono na água, longe de serem humanitárias, causam sofrimento considerável e prolongado antes que a inconsciência seja induzida — se é que ela ocorre antes da morte por outros meios.

Apesar de décadas de evidências científicas conclusivas de que peixes são seres sencientes, capazes de sentir prazer, dor, medo e outras emoções análogas às dos mamíferos e aves, essa realidade fundamental é sistematicamente ignorada por uma indústria multibilionária que prioriza a eficiência produtiva e o lucro econômico em detrimento de qualquer consideração ética ou compaixão.

O estudo de Mood et al. (2023) destaca um alarmante vazio legal e regulatório: estima-se que entre 70% e 72% dos peixes cultivados no mundo não têm nenhuma proteção legal específica que assegure seu bem-estar no momento crítico do abate. Menos de 1% desses animais são contemplados por alguma legislação que os considere especificamente nessa etapa final da vida. A ausência de fiscalização e responsabilização permite que a indústria continue utilizando métodos cruéis de abate sem consequências, num clima de impunidade e opacidade. Esse vácuo jurídico não apenas reflete o descaso institucional por esses animais, mas também revela a urgente necessidade de uma reforma legislativa que reconheça explicitamente os peixes como seres sencientes merecedores de proteção.

Organizações defensoras dos direitos dos animais estão apelando aos governos, instituições internacionais e à própria indústria aquícola para que adotem padrões baseados na ciência que garantam o tratamento humanitário dos peixes ao longo de toda a sua vida, incluindo no momento do abate. Isso inclui o uso obrigatório de métodos eficazes de atordoamento antes da matança, melhores controles de qualidade da água, reduções significativas na densidade de estocagem e a proibição de mutilações e práticas de jejum prolongado.

A conscientização pública também é crucial: os cidadãos precisam ser informados sobre a realidade oculta por trás da imagem “sustentável” e “saudável” frequentemente usada para promover os produtos de piscicultura. Consumidores informados podem exigir transparência e bem-estar animal, influenciando as práticas da indústria e as políticas públicas.

“Estamos testemunhando o maior e mais normalizado sofrimento em massa do planeta, escondido sob as águas das fazendas de peixes”, conclui Gascón. “Chegou a hora de reconhecer as vidas dos peixes, de reconhecer sua dor e de agir para acabar com essa crueldade invisível.”

Traduzido de Animanaturalis.

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