Um estudo realizado por uma parceria entre pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina com a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Fundação Oswaldo Cruz mostra que há presença de cocaína e benzoilecgonina (um metabólito da cocaína ou do chá de coca) em tubarões da espécie nariz-afiado (Rhizoprionodon lalandii) no Brasil. A descoberta foi publicada na revista internacional Science of The Total Environment, neste mês.
De acordo com os cientistas, essa espécie foi escolhida e capturada no Rio de Janeiro, pela proximidade de zonas costeiras, e por consequência, da poluição provocada por seres humanos. Assim, através da análise de 13 indivíduos nariz-afiado foi possível concluir que há benzoilecgonina e cocaína, esta em maior concentração nos tecidos musculares, e nos fígados dos animais.
Todas as amostras analisadas no estudo deram positivo para a cocaína, e 92% delas acusou também benzoilecgonina. Além disso, a concentração da droga (23,0 μg kg −1 ) foi detectada como três vezes maior do que a encontrada referente ao metabólico no fígado dos animais (7,0 μg kg −1 ). Esse foi a primeira pesquisa a analisar essas substâncias em tubarões selvagens, em todo o mundo.
As concentrações também diferiam entre machos e fêmeas, com elas apresentando maior quantidade de cocaína nos tecidos musculares (40,2 ± 35,8 μg kg −1 ) do que os parceiros (12,4 ± 5,9 μg kg −1 ).
Em fêmeas não prenhes, a quantidade de benzoilecgonina no músculo está diretamente proporcional à quantidade de cocaína. Outro indicativo mostra que a quantidade de benzoilecgonina está também relacionada ao peso dos tubarões.
Além disso, a presença de cocaína está fortemente associada à presença de seu metabólito benzoilecgonina em fêmeas. Isso sugere que há um transporte e metabolização sistêmica eficaz da droga.
A droga chega até os animais por diferentes meios e motivos, mas também por duas causas: a falta de tratamento de esgoto adequado, e o aumento do uso de cocaína no Brasil. Em algumas situações, cocaína é despejada no esgoto para eliminar evidências, o que afeta a vida selvagem marinha por meio dessas contaminações.
“Recomendamos a expansão de estudos de monitoramento ambiental sobre drogas de abuso na costa brasileira, bem como investigação detalhada de seus efeitos na saúde ambiental e riscos associados”, conclui o estudo.
Conheça a espécie
Distribuídos por todo o mundo, os tubarões-de-nariz-afiado são conhecidos por consumirem desde peixes ósseos, até camarões e lulas. Estudos realizados por pesquisadores americanos comprovam que adversidades provocadas por condições ambientais extremas dificultam que a espécie mantenha a ingestão calórica necessária, o que faz com que ela busque segurança oferecida pelas águas mais costeiras.
Na costa oeste da América do Norte, o tubarão-de-nariz-afiado do Pacífico (R. longurio) é alvo de intensa pesca artesanal no Mar de Cortez. Porém, há preocupação com a manutenção da espécie, visto que fêmeas grávidas são frequentemente capturadas antes de terem a chance de desovar, o que pode contribuir com a manutenção da espécie ao longo do tempo. Dessa maneira, organizações de preservação atuam no local, junto aos pescadores, para buscas novas fontes de renda e cotas de pesca que ajudem a manter a espécie.
Como entender a benzoilecgonina?
Quando uma substância entra no organismo, ela pode sofrer alterações para que se torne outra — o metabólito — de mais fácil excreção. Esse é um processo no qual o corpo transforma algo que lhe é estranho, como a cocaína, uma droga de abuso, em outro produto que consiga eliminar facilmente.
Em seres humanos, a benzoilecgonina (o resultado da transformação da cocaína ou do chá de coca), tem impacto no sistema cardiovascular, com o aumento da frequência cardíaca. Além disso, a substância também provoca o incremento das secreções salivar, gástrica, pancreática, e intensa sudorese.
Fonte: O Globo