Se você encontrar uma tartaruga tomando sol em um tronco, pode pensar que ela está de bom humor. Mas até pouco tempo, a ciência não tinha muitas evidências de que répteis pudessem experienciar estados emocionais duradouros — até agora. Pesquisadores na Inglaterra identificaram o que descrevem como “estados de humor” em tartarugas-de-pés-vermelhos, usando testes engenhosos que avaliam respostas a situações ambíguas como indicadores de seu estado psicológico. Os resultados, publicados em junho na revista Animal Cognition, podem se aplicar a muitos outros répteis e têm implicações importantes sobre como humanos devem tratá-los.
“Havia aceitação de que répteis sentem emoções de curto prazo”, disse Oliver Burman, especialista em comportamento animal na Universidade de Lincoln, na Inglaterra, e um dos autores do estudo. “Eles respondem a estímulos positivos e negativos. Mas os estados de humor de longo prazo são realmente importantes.” Sobre o motivo da demora em identificar isso, acrescentou: “talvez simplesmente não tenhamos perguntado a eles da maneira correta.”
Os répteis têm fama histórica de serem pouco inteligentes. Em 1892, o psicólogo comparativo Charles Henry Turner os descreveu como “anões intelectuais”. Oito décadas depois, em 1973, cientistas renomados chamavam-nos de “máquinas reflexas”, com “um cérebro muito pequeno que não funciona vigorosamente”, em um artigo intitulado As Vantagens Evolutivas de Ser Burro.
O Dr. Burman está entre os responsáveis pelo chamado “renascimento reptiliano”. Estudos recentes mostram tartarugas aprendendo umas com as outras, cobras formando redes sociais e crocodilos exibindo comunicação complexa, indicando que os répteis não são menos inteligentes que mamíferos e aves.
Testes mostram otimismo e pessimismo em répteis
Para investigar se eles têm humor, Burman e equipe aplicaram o chamado teste de viés cognitivo. Baseia-se em um princípio observado em muitas espécies: indivíduos de bom humor tendem a interpretar situações ambíguas de forma otimista; os de mau-humor, de forma pessimista.
No experimento, 15 tartarugas foram colocadas em um recinto com duas tigelas vazias. Aproximar-se de uma delas resultava em uma porção de rúcula, sua guloseima favorita; a outra ficava vazia. Depois que aprenderam a associar cada tigela à recompensa, três novas tigelas foram colocadas entre as originais. A velocidade com que investigavam essas tigelas ambíguas indicava seu estado emocional.
Nas duas semanas seguintes, cada tartaruga enfrentou objetos desconhecidos e um recinto com padrões inéditos. Enquanto novidades geralmente provocam ansiedade, as tartarugas mais otimistas no teste anterior se mostraram mais relaxadas — estendiam a cabeça, sinal de menor estresse.
“Esses resultados ampliam significativamente o conhecimento sobre a capacidade dos répteis de vivenciar estados de humor”, escreveram os autores. Eles destacaram semelhanças com estudos anteriores sobre ansiedade em cães.
Anna Wilkinson, coautora do estudo, ressalta a cautela: “Não podemos afirmar com certeza, mas evidências dentro do grupo sugerem que estados de humor podem existir em outros répteis. Precisamos testar mais espécies.”
Em grupos de Facebook dedicados a répteis, alguns donos disseram que o estudo confirmou apenas o que já sabiam. Mas Gordon Burghardt, pioneiro no estudo da inteligência reptiliana, destacou a importância da demonstração científica: “Evidências experimentais são essenciais.” Questionado se acredita que muitos ou todos os répteis experienciam estados de humor, respondeu: “Certamente.”
Implicações para o bem-estar em cativeiro
Para Burman e Wilkinson, a descoberta evidencia a urgência de melhorar o bem-estar de répteis em cativeiro. “A capacidade de mudança de humor mostra que eles podem sentir não apenas desconforto momentâneo, mas também sofrimento ou satisfação a longo prazo”, disse Burman.
Muitos répteis vivem em condições precárias, com confinamento inadequado e pouco enriquecimento ambiental, muitas vezes anunciados como “animais fáceis de manter”. “A normalização do bem-estar insuficiente é generalizada na Europa e na América do Norte”, afirmam Manuel Magalhães-Sant’Ana e Alexandre Azevedo, cientistas veterinários da Universidade de Lisboa. Eles consideram o estudo “um ponto de virada” para o tratamento sério de répteis.
“Somos bons em ler mamíferos, mas não répteis”, explica Wilkinson. Enquanto cães ansiosos podem destruir objetos, répteis apenas se fecham e param de se mover — comportamento frequentemente interpretado como normal. Cobras, por exemplo, são mantidas em recintos pequenos e sem estímulos. Em pesquisas futuras, Wilkinson pretende observar como esses animais se comportam em “playgrounds” especialmente projetados para eles.
Fonte: O Globo