O mais antigo fóssil conhecido de um cão doméstico (Canis lúpus familiaris) é uma mandíbula de 14.700 anos, achada na Alemanha. Cachorros acompanham humanos há muito tempo, e hoje em dia, graças à tecnologia podemos cada vez mais descobrir como os nossos companheiros, de longa data, enxergam o mundo ao seu redor.
Procurando entender se os cães respondem de forma diferente às expressões humanas positivas e negativas, pesquisadores do Instituto de Psicologia (IP) da USP e da Universidade de Lincoln, no Reino Unido estudaram 90 cães e descobriram que eles são capazes não apenas de compreender as emoções humanas através das expressões faciais, mas que eles também tomam decisões a partir do nosso comportamento.
O estudo, realizado pelos pesquisadores Natália Albuquerque e Briseida Resende, do Instituto de Psicologia da USP, e Daniel Mills, Kun Guo e Anna Wilkinson, da Universidade de Lincoln, foi publicado na revista científica Animal Cognition.
Até então, essa habilidade era atribuída somente a humanos, porém nos últimos anos através de pesquisas, a comunidade cientifica vem desvendando cada vez mais a complexidade cerebral dos animais. Em 2016, uma equipe conduzida pela pesquisadora Natalia e sua equipe, observou chimpanzés em estudos semelhantes, que comprovaram a capacidade desses animais em reconhecer emoções entre os indivíduos da mesma espécie.
Nesta pesquisa comprovou-se que os cães vão além: eles reconhecem emoções humanas e não apenas da sua própria espécie. Ainda não existem bases que abranjam mais espécies, mas até hoje os cães são os únicos animais a atingir esse feito. Em 2018, outro trabalho de Natália mostrou ainda que os cachorros respondem a esse reconhecimento de emoções de outras espécies, como os gatos, por exemplo. “Assim, o próximo passo foi saber se eles entendem que o estado emocional de uma pessoa altera a forma como ela se comporta e, portanto, se eles se ajustam a isso”, explica Natalia.
No trabalho, foram observados 90 cães em uma sala com duas atrizes e alguns objetos. Realizado no laboratório do IP, o recrutamento dos animais foi feito de forma voluntária, considerando alguns critérios que não atrapalhariam o teste, como: não serem agressivos, serem saudáveis, se acostumarem fácil com novos lugares e pessoas, e que não tenham problemas de visão.
Familiarizados no ambiente, os cães observaram uma interação entre as duas atrizes, que foram treinadas para a cada sessão demonstrarem expressões faciais neutras, ou positivas (alegria) ou negativas (raiva). Com roupas iguais, elas passavam os objetos uma para a outra, silenciosamente, e em seguida sentavam-se com um pote de ração em uma das mãos e uma folha de jornal na outra.
O cachorro então era solto e podia interagir com as atrizes, que agora tinham expressões neutras. Para conseguir comida, os cães precisavam pedir a uma das mulheres, e foi no momento dessa escolha que se revelou a capacidade dos cachorros. A maior parte dos cães escolhiam a atriz que, no momento da observação, mostrava-se feliz. Eles também evitaram contato com a atriz que antes demostrava estar com raiva.
Esses testes são muito importantes e mostram que os cães entendem as expressões humanas e interagem a partir de uma breve avaliação do interlocutor, escolhendo, por exemplo, pedir petiscos para quem se mostra mais amigável.
“A pesquisa evidencia que os cães levam em conta as expressões das emoções dos humanos para fazer escolhas. As pessoas poderão perceber o animal como um ser que presta atenção ao que fazemos e que toma suas decisões com base nisso. Desta forma, acho que podemos desenvolver uma relação mais saudável e respeitosa entre pessoas e cachorros”, afirma a coautora do trabalho, a professora Briseida. A pesquisadora pontua também que apesar das constatações, é de suma importância respeitar o cachorro na sua condição de animal e não tentar tratá-lo como humano.
Nota da Redação: a ANDA não compartilha da prática de experimentos realizados em animais, sejam eles domésticos ou selvagens. Porém, tendo em vista os esclarecimentos sobre a senciência e a complexidade cerebral animal que foram expostas na pesquisa presente nesse artigo, vemos os resultados como um avanço que poderá no futuro auxiliar na constituição de leis e estatutos de proteção dos direitos animais. Além disso, nos teste não foram usados métodos invasivos ou nocivos à saúde, ou que comprometesse o bem-estar dos cachorros.