Essenciais para controle de pragas e impedir que doenças tropicais se espalhem, populações de sapos têm nas mudanças climáticas o principal entrave para sua sobrevivência. É o que aponta um estudo conduzido por cientistas brasileiros, que desafia a visão global de que a causa prioritária dos declínios populacionais de anfíbios seria um fungo. A pesquisa destaca eventos extremos no clima, especialmente aqueles impulsionados por anomalias do El Niño e aquecimento do planeta, como fatores predominantes para a redução destes animais.
— Embora em alguns lugares no mundo o fungo conhecido como “Bd” tenha sido a causa de colapsos de populações de anfíbios, o estudo mostra que essa não é a explicação no Brasil, onde o vilão é a mudança climática. Há lições para a política aqui porque a culpa humana é mais clara no caso das mudanças climáticas do que no surgimento de infecções de fungo — aponta Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Para chegar nesta conclusão, os pesquisadores analisaram 90 espécies de sapos, rãs ou pererecas com registros de declínio ou extinção entre 1923 e 2014. O estudo de autoria de cientistas associados às universidades de São Paulo (USP), Federal do Amazonas (Ufam), Federal da Bahia (UFBA) e Estadual Paulista (Unesp), além de professionais do Inpa e da Nasa, foi publicado na revista internacional “Conservation Biology” neste ano.
A pesquisa mostra que as mudanças climáticas afetam negativamente os anfíbios brasileiros ao reduzir as taxas de reprodução, aumentar a mortalidade e diminuir o recrutamento populacional. Na seca, os animais não se reproduzem, tornam-se mais vulneráveis ao calor e acabam morrendo. Já o descompasso climático relacionado ao frio pode reduzir as taxas de reprodução, já que esses bichos se reproduzem no período quente e chuvoso.
— A maioria dos declínios e extinções de anfíbios ocorre na Mata Atlântica do Brasil, um bioma severamente fragmentado. A expansão agrícola transforma grandes áreas que no passado eram florestas contínuas em pequenos fragmentos isolados, cercados por plantações ou pastagens — afirma o biólogo Lucas Ferrante, da USP e da Ufam, que coordena a pesquisa.
Riscos para a biodiversidade
O estudo aponta para riscos futuros de perda de biodiversidade e aumento de doenças em cenários de aquecimento global, especialmente em regiões tropicais como a Amazônia. Os pesquisadores demonstram que o declínio das populações de sapos pode representar diferentes riscos para os seres humanos, principalmente por causa de desequilíbrios ecológicos e impactos potenciais na saúde pública, avalia o pesquisador da Nasa Augusto Getirana.
— Anfíbios são grandes predadores de insetos. Com menos anfíbios, a população de mosquitos pode aumentar, elevando o risco de doenças transmitidas por esses insetos, como malária, dengue e zika — ressalta.
Estes animais também podem ajudar no controle de pragas agrícolas. Segundo os pesquisadores, esse potencial torna os sapos fundamentais não só para o equilíbrio ecológico de ambientes florestais, mas do agronegócio também.
— Vem ganhando força o conceito de saúde única, isto é, o entendimento de que existem elos sólidos entre integridade ambiental, biodiversidade e saúde humana — destaca o pesquisador e professor da USP Luis Schiesari.
Para o biólogo Célio Haddad, da Unesp, os anfíbios podem ser usados como importantes bioindicadores da qualidade ambiental por serem geralmente sensíveis às alterações no ambiente.
— A pele dos anfíbios secreta diversos compostos bioativos que podem ter aplicação relevante no desenvolvimento de fármacos para tratar doenças que acometem os seres humanos, bem como animais de interesse econômico. Ao perdermos a nossa biodiversidade, também perdemos as oportunidades de descobrir e desenvolver esses fármacos — explica.
Fonte: O Globo