Todos os dez desastres climáticos mais letais dos últimos 20 anos no mundo foram agravados pela mudança do clima associada às emissões de gases-estufa decorrentes de atividades humanas. Somados, esses desastres mataram mais de 570 mil pessoas. O dado é de um estudo apresentado hoje pelo World Weather Attribution (WWA, na sigla em inglês) por cientistas de Reino Unido, Holanda e EUA.
Os extremos analisados se concentram em Ásia, Europa e Ásia e foram selecionados a partir do Banco de Dados Internacional de Desastres. A lista compreende três ciclones tropicais, quatro ondas de calor, duas inundações e uma seca. O mais letal de todos foi a seca na Somália de 2011, que matou 258 mil pessoas de fome e doenças decorrentes dela. As mudanças climáticas tornaram todos esses desastres mais intensos e prováveis.
Juntos, eles mataram 576.042 pessoas, mas os pesquisadores observam que esse número é subestimado. Isto porque pode haver milhões de outras mortes relacionadas ao calor que não foram registradas em estatísticas oficiais.
Mortes relacionadas a ondas de calor não são registradas de forma adequada em muitas partes do mundo, sobretudo nos países mais pobres. A sobrecarga no organismo causada pela alta temperatura pode levar a um infarto, por exemplo. O fator que deflagrou o infarto foi o calor, mas isso não costuma ser notificado.
E o estudo ressalta que nenhum lugar ou país está a salvo dos efeitos das mudanças climáticas. Os autores do trabalho enfatizam a necessidade de fortalecer defesas contra inundações, melhorar os sistemas de alerta e proteger as populações mais vulneráveis.
A pesquisa foi baseada na análise de dados meteorológicos e em modelos climáticos que estimam a probabilidade de um extremo acontecer com a elevação da temperatura média da Terra em 1,3°C, a observada nas últimas duas décadas.
Por isso mesmo, os cientistas do WWA destacam que, se abaixo do limite de 1,5°C estipulado pelo Acordo de Paris já ocorrem consequências devastadoras, os extremos do clima poderão destruir e matar ainda mais à medida que o planeta esquenta. Desde do ano passado, o mundo já superou o 1,5C° em mais de uma ocasião, mas não de forma sustentada.
No ritmo atual de emissão de gases-estufa, o mundo poderá chegar de 2,6°C e 3,1°C de aquecimento até o final do século. Muito provavelmente ultrapassará 1,5°C em meados da década de 2030, o que pode multiplicar ondas de calor, secas, incêndios florestais e tempestades devastadoras.
— O enorme número de mortes causadas por extremos mostra que não estamos preparados para um aquecimento de 1,3°C, muito menos para 1,5°C ou 2°C. Todos os países necessitam se preparar. E temos de reduzir as emissões. A cada fração de grau de aquecimento, veremos mais eventos recordes que levarão os países ao limite, por mais preparados que estejam — afirmou Roop Singh, um dos 17 autores do estudo e membro do Centro do Clima da Cruz Vermelha.
Muitas das 576.042 mortes poderiam ter sido evitadas e todos os países precisam intensificar os esforços para se adaptar ao clima extremo, disseram os pesquisadores.
O WWA é um consórcio internacional de cientistas que usa análises numéricas para estimar o impacto das mudanças climáticas na ocorrência de extremos. Eles buscam a chamada “impressão digital” das mudanças climáticas, as chances de um evento ocorrer com ou sem as emissões associadas à ação humana.
— O estudo deveria abrir os olhos das lideranças políticas. Se continuarmos a queimar petróleo, gás e carvão, o sofrimento continuará — declarou a cientista-chefe do WWA, Friederike Otto, salientando que alguns eventos estão se tornando tão extremos que pode não ser viável se adaptar rápido o suficiente.
Esses eventos se tornarão mais frequentes enquanto as emissões de combustíveis fósseis desequilibrarem o clima, alertam os pesquisadores.
O trabalho do WWA é considerado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) parte das evidências da intensificação de extremos.
No Brasil, análises do WWA já mostraram que as mudanças climáticas intensificaram este ano a catastrófica inundação no Sul e os incêndios florestais no Pantanal. O grupo também comprovou a influência da mudança do clima na seca da Amazônia em 2023 e nas chuvas torrenciais de Pernambuco em 2022.
Fonte: O Globo