Os incêndios florestais no Brasil estão alterando a composição de espécies e reduzindo os estoques de carbono na região sul da Amazônia, o que diminui a capacidade da floresta de enfrentar as mudanças climáticas. A conclusão é de um novo estudo publicado na revista Forest Ecology and Management. O trabalho foi liderado pelos brasileiros Fernando Elias, cientista da Universidade Federal Rural da Amazônia apoiado pelo Instituto Serrapilheira, e por seu co-orientado de doutorado Maurivan Barros Pereira, da Universidade Estadual do Mato Grosso. Confira o artigo na íntegra aqui.
A pesquisa detalha os efeitos do fogo numa região de floresta entre a Amazônia e Cerrado, onde há áreas com incêndios recorrentes. Uma das hipóteses analisadas foi um possível processo de “savanização”, como sugerem alguns estudos. No entanto, a conclusão foi que as áreas avaliadas apresentam um quadro diferente das previsões, chamado pelos pesquisadores de “estado empobrecido de floresta”. O cenário também preocupa porque revela uma degradação da composição de espécies, que se torna mais uniforme, perdendo a alta riqueza e diversidade típica de florestas da Amazônia.
O estudo analisou 14 áreas de floresta, divididas em três categorias: as que nunca foram queimadas, as que foram queimadas uma vez, e as que registraram múltiplos incêndios. As espécies foram classificadas em campo como típicas de Cerrado (savana brasileira), de floresta (que ocorrem preferencialmente em ambientes florestais) ou generalistas (que ocorrem tanto no Cerrado quanto na floresta). Também foram coletados dados como o número de espécies, densidade de troncos e calculados os estoques de carbono acima do solo.
A pesquisa mostrou que, nas florestas que sofreram queimadas múltiplas, os estoques de carbono foram drasticamente reduzidos. Se comparada à área que nunca queimou, a queda nos estoques chega a cerca de 68%. Nesses locais, a composição das espécies apresentou alterações profundas, com redução nas espécies típicas da floresta. Por outro lado, não houve diferença significativa entre as demais espécies.
“Vimos que não está ocorrendo um processo de savanização, mas de secundarização. Isso significa que as espécies florestais estão diminuindo, mas não necessariamente as espécies de savana ou generalistas estão aumentando. A degradação pelo fogo está relacionada a uma floresta com menos estoque de carbono, com menor densidade de árvores e com composição florística [grupo de espécies] mais pobre”, explica Elias.
A região escolhida como objeto de estudo coincide com o Arco do Desmatamento, área crítica de degradação na transição entre a floresta amazônica e o Cerrado, nas divisas do Amazonas, Pará e Mato Grosso. O território, que tem historicamente as taxas mais altas de desmatamento florestal no Brasil, é particularmente mais vulnerável por conta do clima mais seco e pela intensa atividade agropecuária, além do avanço mais rápido das mudanças climáticas.
“Além da infeliz coincidência com o Arco do Desmatamento, um dos maiores problemas que temos nessa região é a falta de legislação específica para defender e amparar essas áreas em termos de conservação. São áreas muitas vezes tratadas como Cerrado, mesmo tendo elevado estoque de carbono e espécies tipicamente amazônicas. E, no Código Florestal, em áreas de Cerrado, pode-se desmatar 80%”, diz Elias, destacando que as múltiplas queimadas diminuem a capacidade da Floresta Amazônica de mitigar os efeitos do aquecimento global.
Para Elias, os resultados do estudo destacam não apenas os impactos imediatos do fogo, mas trazem alerta para a possibilidade de que, em médio e longo prazo, as características do clima da região estudada sejam encontradas em outras partes da Amazônia devido às mudanças climáticas intermediadas pelo aumento da degradação e desmatamento.
“A maior parte do carbono estocado está nas espécies florestais de árvores. Se essas espécies são eliminadas com as queimadas, há uma redução na capacidade dessas florestas de estocar carbono. Temos então um cenário de perda absurda, e também uma drástica mudança na composição de espécies. É um indicativo claro de que o serviço ecossistêmico de mitigação das mudanças do clima pela floresta pode estar comprometido pela degradação causada pelo fogo”, alerta o pesquisador, acrescentando que o estudo aponta para a necessidade de ações imediatas para reduzir incêndios florestais e a degradação no bioma.
Além de Fernando Elias e Maurivan Pereira, o estudo é assinado por Nayara Teixeira (Instituto Federal de Mato Grosso), Ted Feldpausch (Universidade de Exeter, no Reino Unido), Ben Hur Marimon-Junior e Beatriz Marimon (ambos da Universidade do Estado de Mato Grosso).
“Esta pesquisa revela que o fogo é um fator extremamente poderoso de degradação da Amazônia, o qual podemos considerar como sendo um dos piores efeitos colaterais da ocupação desordenada da maior floresta tropical e o mais biodiverso bioma do planeta”, desabafa o professor Ben Hur. “Caso não sejam aplicadas imediatamente políticas públicas eficazes na prevenção e combate aos incêndios na Amazônia, vamos perder nossa floresta muito mais rápido do que imaginávamos, com consequências devastadoras sobre o clima do resto do Brasil, prejudicando até mesmo o próprio agronegócio”, afirma.
Fonte: CicloVivo