Em um trecho remoto de mar cor de turquesa, Denise L. Herzing brinca dentro da água com um grupo de 15 golfinhos-pintados-do-atlântico. Pelos próximos 45 minutos, ela engaja as curiosas criaturas em uma brincadeira de bobinho, usando um pedaço de sargaço como se fosse um brinquedo para cães.
Herzing não é nenhuma turista brincando com esses mamíferos marinhos. Como principal autoridade mundial sobre a espécie, ela vem estudando os golfinhos há 25 anos, como parte do Projeto Golfinho Selvagem, o mais longo estudo submarino de sua categoria.
“Eu sou algo como uma naturalista dos velhos tempos”, diz ela. “Eu realmente acredito em ir fundo no meio ambiente do animal”.
E ir fundo foi o que ela fez. Sediada em Jupiter, na Flórida, ela têm acompanhado três gerações de golfinhos da área. Ela conhece cada animal pelo nome, juntamente com suas personalidades e histórias de vida. Ela capturou a maior parte da vida deles em vídeo, que está usando para construir um banco de dados.
E no ano que vem, Herzing planeja começar uma nova fase em suas pesquisas, algo que ela diz ser a sua meta de vida: a comunicação bilateral em tempo real, na qual os golfinhos tomem a iniciativa de interagir com os humanos.
Até agora, os golfinhos têm se mostrado adeptos a reagir a estímulos humanos, conseguindo comida como recompensa em troca da realização de alguma tarefa. “É raro pedir a golfinhos que queiram algo de nós”, diz Herzing.
Mas se ela estiver certa, os golfinhos vão procurar comunicar-se com os humanos e a recompensa será a própria interação social, com golfinhos e humanos talvez desenvolvendo vocabulário rudimentar para indicar objetos e ações.
Outros cientistas estão entusiasmados pelo projeto. “’Incrível’ não faz justiça às possibilidades existentes nisso”, diz Adam Pack, um pesquisador de cetáceos da Universidade do Havaí, em Hilo, e que ocasionalmente colabora com Herzing. “Você tem água amena e cristalina, nenhuma terra à vista, e uma comunidade de golfinhos interessada em interagir com humanos”.
E quão longe vão os golfinhos para que ocorra essa interação?
“A chave será descobrir um sistema no qual os golfinhos queiram se comunicar”, diz Stan Kuczaj, diretor do Laboratório de Comportamento e Conhecimento dos Mamíferos Marinhos da Universidade do Sul do Mississippi.
“Se eles não quiserem, não vai funcionar”.
Kuczaj desenvolveu um antigo sistema de comunicação bilateral, quando trabalhava em um laboratório montado em um cativeiro em Orlando, no final dos anos 1980. O sistema era baseado em símbolos visuais – e não sons – e usava um grande teclado fixo, que se mostrou muito pesado.
Mas ele diz que a tentativa deu-lhe confiança de que tal sistema poderia funcionar, e que Herzing está “definitivamente o mais perto possível de chegar lá”.
“Se funcionar”, diz ele, “será um grande passo”.
O trabalho de Herzing tem sido comparado ao de Jane Goodall, cujos estudos sobre chimpanzés também demandaram décadas de trabalho de campo observacional.
Nascida em 1957 em St. Cloud, Minnesota, Herzing teve seu primeiro contato com os golfinhos por meio de livros quando criança e percebeu que esses animais seriam o seu objetivo de vida. Sua mãe morreu quando ela era jovem; seu pai, guarda de segurança, a encorajou cedo a explorar o mundo natural.
Depois de se formar na Universidade Estadual do Oregon, ela tirou seu mestrado na Universidade Estadual de São Francisco, e um doutorado em biologia comportamental e estudos ambientais na Union Institute Graduate School, em Cincinnati.
Em 1985, como pesquisadora da Sociedade Oceânica, ela descobriu esse local nas Bahamas, onde as condições pareciam perfeitas para a observação de golfinhos.
Naquele ano, ela começou o Projeto Golfinho Selvagem e a usar o vídeo para documentar a sociedade desses cetáceos.
“No começo, foi difícil fazer com que os animais se sentissem confortáveis conosco”, diz ela. “Eu frequentemente trabalhava sozinha na água. Conforme meu olho se desenvolveu, fui capaz de dizer: ‘OK, essa foi uma boa sequência’. E me tornei capaz de filmar, ao mesmo tempo mantendo um olho no que estava acontecendo ao meu redor”.
O projeto é amplamente financiado por fundações, incluindo a Fundação Annenberg. Em 2008, Herzing foi premiada com o apoio da fundação John Simon Guggenheim.
De volta ao seu barco de pesquisas, um catamarã de 62 pés chamado Stenella (o golfinho-pintado-do-atlântico é Stenella frontalis), Herzing revê os vídeos do dia e cataloga momentos de busca por alimento, cortejos e brincadeiras, em um crescente banco de dados. Com apenas alguns toques de teclado, ela (e outros pesquisadores) pode ter acesso a 25 anos de vídeos sobre um comportamento específico – digamos, uma mãe procurando alimento com seu filhote, o que pode trazer grande conhecimento sobre a maneira como os golfinhos ensinam seus filhotes a encontrar comida.
“Isso é incrivelmente valioso”, diz Laela Sayigh, uma especialista em pesquisas sobre comunicação de golfinhos no Instituto Oceanográfico de Woods Hole.
É sabido que os golfinhos produzem três tipos de sons: assobios, cliques e pulsos eruptivos. Os assobios são considerados os sons de identificação, como os nomes, enquanto os cliques são usados para navegação e para encontrar presas, via ecolocalização.
Os pulsos eruptivos, que podem soar como esquilos de desenho animado tendo uma discussão, são uma mistura confusa dos outros dois, e Herzing acredita que muita informação possa estar codificada nesses sons, da mesma maneira que nas frequências ultrassônicas dos golfinhos, que os humanos não conseguem ouvir.
O sistema bilateral que ela irá testar no ano que vem está sendo desenvolvido com cientistas de inteligência artificial do Instituto de Tecnologia da Geórgia. Ele consiste de um computador submarino usado como uma roupa, que pode imitar os sons dos golfinhos, mas também gravar e diferenciar esses sons, em tempo real. Ele também pode distinguir quais golfinhos estão produzindo os sons, o que é um desafio comum, já que os golfinhos raramente abrem suas bocas.
No novo sistema, dois mergulhadores humanos interagem na frente dos golfinhos: Primeiro eles tocam um som sintetizado de assobio, então um dá ao outro um lenço ou pedaço de alga. A ideia é estabelecer uma associação entre os sons e objetos. Os golfinhos são excelentes mímicos e a esperança é de que eles imitem o assobio para pedir um objeto ou iniciar uma brincadeira.
“Acho que, se eles pegarem o jeito”, diz Herzing, “eles vão ficar empolgados e dizer, ‘Oh, meu Deus, agora tenho o poder de conseguir o que quero, quando eu quiser”’.
Mas ela rapidamente baixa as expectativas, observando que o sistema ainda está em desenvolvimento. “Nós não estamos conversando com os golfinhos”, diz, acrescentando: “vamos manter as coisas simples e então poderemos expandir seu potencial”.
Ao mesmo tempo em que outros pesquisadores louvam seu trabalho, observam que a comunicação entre humanos e golfinhos frequentemente ocorre abaixo das expectativas.
“Depende do que você quer dizer, quando fala em comunicação”, diz Kuczaj.
“Eu também posso me comunicar com meu cachorro. Mas eu mantenho conversas com ele? Bem, se mantenho, então elas são bem unilaterais”.
Fonte: IG