O escritor e professor Antonio Neto, de Santa Maria de Jetibá, no Espírito Santo, realizou um longo trabalho de conscientização sobre a exploração animal com mais de 20 estudantes do 9º ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio São Luís. Depois de estudarem o tema, os alunos foram convidados a se corresponder com um ativista dos direitos animais. Para a minha surpresa, recebi o convite para manter contato por carta com dezenas de estudantes que agora têm uma noção de como a humanidade é injusta no tratamento dispensado aos animais.
Em uma das cartas, eles falam sobre a crueldade envolvida na produção da carne de vitela, que só é possível a partir da morte de um bezerro de mais ou menos quatro meses. “A vitela é a carne do bezerro macia, branca e gostosa. Isso é o que todo mundo pensa dela antes de descobrir sua origem. Assim que o bezerro macho nasce, ele já é tirado de sua mãe, que fica mugindo por suas crias durante semanas. Os filhotes são colocados em pequenos estábulos, podendo apenas mexer a cabeça, para assim não criarem músculos e a carne ficar macia. Como se não bastasse, ficam 22 horas por dia sem ver a luz, na tentativa do animal não entrar em desespero e criar úlceras. O ferro é removido de sua alimentação, deixando os bezerros anêmicos. Com quatro meses de vida, mais ou menos, são abatidos sem nunca terem visto a luz do sol. Ficamos indignados com todo esse sofrimento dos bezerros, ainda mais que não é por necessidade, mas sim por capricho das pessoas. Isso tem que parar! Os animais são seres tão amáveis, e nenhum tipo deles merece ser maltratado.”
Os estudantes demonstraram indignação e surpresa ao saber que existe uma suposta iguaria nominada foie gras que é resultado do sofrimento extremo do híbrido pato Mulard. “Aprendemos que o foie gras não passa de um patê gorduroso, feito no fígado do pato ou dos gansos, e que é muito consumido na França. Tudo começou quando os criadores cruzaram o pato-de-pequim e o marreco, nascendo assim o pato Mulard, os pequenos sofredores. São criados em dias, soltos e comem apenas milho. Depois de um longo período, são colocados em pequenas gaiolas, onde só conseguem mover a cabeça. Engaiolados, são forçados a comer mais do que o normal. Na sua garganta, é posto um enorme tubo, que vai ao encontro do seu estômago, e ali é onde é despejada a alimentação. O pato fica nesse tormento por três a quatro meses, e o seu fígado é obrigado a crescer doze vezes mais do que o normal. Na nossa opinião, quem pratica esse ato deveria ser preso por praticar essa crueldade com animais tão inocentes, que nem sequer conseguem se proteger ou expressar a dor que sentem ao passar por esse processo.”
O consumo de carne de cachorro na China, que é comparado ao tradicional hábito ocidental de consumir carne de animais como bovinos, suínos, caprinos, aves e peixes, também foi reprovado. “Na cultura oriental, eles acreditam que quanto mais o cachorro sofre, mais a carne fica macia e gostosa para o paladar chinês. Não concordo porque o cachorro é pra gente dar carinho. Tenho dois cachorros que são da raça pastor alemão.”
Os alunos também ficaram revoltados ao saber que o romantismo em torno das roupas e calçados baseados em peles de animais vela uma realidade nada agradável. “Percebemos que o comércio de peles é uma crueldade com os animais. Eles tiram as peles dos animais vivos e depois os matam. Algumas cenas são muito fortes. A maioria da sala achou isso muito errado. Eles morrem sozinhos. O que traz felicidade para as pessoas pode levar sofrimento para os outros. Uma coisa é você ver animais livres na floresta, e outra é você ver animais sendo torturados por pessoas, e isso tudo só para pegar peles e deixar pessoas ricas e felizes.”
Os estudantes que participaram do projeto se manifestaram contra a tourada, a considerando uma prática extremamente violenta, cruel e desnecessária. “A tourada é um ‘esporte’ da Espanha e do México. Porém, esse esporte maltrata muito os touros. O toureiro ataque ele com uma lança nas costas, fazendo o touro perder muitos litros de sangue. Achamos esse ‘esporte’ uma brutalidade, uma falta de respeito com os animais. Pode até ser a alegria de muitas pessoas, mas é uma tristeza muito grande para os animais.”
Sobre lutas de animais incentivadas por seres humanos, como as rinhas, também não deram outro parecer que não fosse o de contrariedade: “Eu acho isso errado, ficar treinando animais para brigar. Eu acho errado animais, não são para isso, animais são para cuidar, não para ser criado para matar uns aos outros.”
O trabalho sobre a exploração animal coordenado pelo professor e escritor Antonio Neto faz parte do projeto de incentivo à leitura e à escrita “Descobrindo o Ato de Ler o Mundo”. “Propus alguns temas que abordam a crueldade que a humanidade comete contra os animais, como touradas, rinhas, comércio de pele, produção de foie gras e vitela. A turma, a maioria, não tinha conhecimento dessas práticas controversas. Os temas foram sorteados entre os grupos. Cada grupo fez a pesquisa, estudou sobre o tema e fez uma apresentação em PowerPoint em sala de aula. Depois, trabalhei com eles os gêneros textuais carta e cartão”, informa Neto.
O objetivo do trabalho foi despertar a criticidade dos estudantes em relação à normalização da crueldade. No geral, o trabalho trimestral teve e tem grande impacto na vida dos estudantes, que desde o início começaram a se questionar sobre a naturalização de hábitos que custam sofrimento a outros seres vivos. De acordo com o professor, os alunos ficaram chocados e rejeitaram fortemente a exploração animal em muitos aspectos. “As reações foram de repúdio, asco e profundo desacordo. Esse trabalho, na sua execução, acaba impactando as famílias, porque os familiares acabam se envolvendo e o assunto é socializado”, declara.
Como fui escolhido para participar desse projeto como ativista dos direitos animais, agradeço a confiança do professor e escritor Antonio Neto e dos estudantes Higor Koeler, Igor Gonçalves, Jackson Ismeuriky Pintkowsky, Júlia Albertino dos Santos, Kamila Pissigatti Augustinho, Larissa Miguel Usberti, Lenderson Lucas Daróz, Lilian Julia Berger Wutke, Luiza Herzog Tirola, Marcos Antonio de Souza, Mateus Cezar Rodrigues, Matheus Henrique F. Dettmann, Micaela Kuster, Mikael Linkow Graunke, Naely Berger Uhlig, Railane Cristine Trabach, Rodolfo Henrique Erdmann, Thiago Besserte Schwanz, Vanessa Knaak, Walace Amorim Ferreira e Webester Storch.
“As cartas foram enviadas para você para que o estudo dos gêneros carta e cartão ocorressem numa situação real. Escolhi você por causa do seu ativismo em prol dos animais. A ideia é que os estudantes compartilhem suas impressões com uma pessoa de fora do nosso meio, da nossa cidade. Sabendo do seu blog, alguns estudantes pediram que você denuncie as atrocidades que eles descobriram. Já que os animais não têm voz, sejamos nós as vozes deles”, justificou Antonio Neto.
Saiba Mais
O projeto foi realizado em São Luís, zona rural de Santa Maria de Jetibá.
Santa Maria de Jetibá fica na Mesorregião Central Espírito-Santense e conta com pouco mais de 38 mil habitantes.